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Ainda em 1999, o bairro Jardim Vitória era formado, em sua maioria por casas afastadas umas das outras, poucos edifícios residenciais e apenas um edifício onde é instalado um centro médico. Havia uma ociosidade de terras muito grande e as ruas não eram asfaltadas, apresentando também problemas de saneamento básico e segurança. Após a instalação do JPS houve uma grande procura por terrenos nessa área, e a verticalização dessa parte da cidade apresentou-se de forma rápida e intensa.

Como templos da sociedade de consumo, a implantação desses equipamentos “também está calcada na idéia de novo, do moderno, do inovador. Nesse sentido, também criam e reproduzem o duradouro e o efêmero” (PINTO, 1994:33), sempre no bojo das estratégias de reprodução ampliada do capital investido no empreendimento. Como o capitalismo é um modo de produção que se reproduz, dentre outros aspectos, fundamentado pelo acesso desigual dos sujeitos no ciclo do capital (produção, distribuição, circulação e consumo), a materialização dos shoppings centers exprime e reforça essa desigualdade. Desde a implantação dos primeiros shoppings centers no Brasil parece haver uma idéia consensual de que esses equipamentos foram construídos para se destinarem ao consumo das classes médias e altas da sociedade, o que, de fato, é uma realidade, ainda que já emerjam nas grande cidades algumas unidades que focam a chamada nova classe C.

O desenvolvimento do modo capitalista de produção não é homogêneo,nem em nível internacional, nem em nível nacional. Aliás, nas sociedades capitalistas, a desigualdade é necessária para seu próprio desenvolvimento e ela se manifesta através da materialização da Produção em todos os seus aspectos – produção, distribuição, troca e consumo. O

shopping - center é apenas uma dessas materializações da desigualdade,

que se manifesta com mais evidência no momento da troca e do consumo das mercadorias (PINTAUDI, 1989:05).

Segundo Silvana Pintaudi, desse modo, por um lado, a apropriação dos espaços no shopping, como uma dimensão social no bojo das relações capitalistas de produção, desenvolve-se produzindo e reproduzindo formas desiguais de atuações e ações dos sujeitos. Por outro, a própria materialização do equipamento é um estratagema que torna possível revelar os meios pelos quais o solo urbano erige-se como um importante instrumento, tanto de geração de renda capitalizada, quanto de realização da mais- valia. Nesse último aspecto, os shoppings centers reforçam a reprodução do capital, na

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medida em que, por meio do consumo, eles estão intrinsecamente articulados às outras etapas do ciclo do capital, dialeticamente, determinando-as e sendo por essas determinados (PINTAUDI, 1989).

Os shoppings centers se tornam, portanto, produtos/engrenagens que reforçam tanto o processo de segregação no espaço urbano, porque intensificam o preço do solo em coadunação com a ação dos proprietários fundiários e dos incorporadores imobiliários; quanto a fragmentação socioespacial, em especial, nas grandes metrópoles, na medida em que também tornam viável a dissolução do convívio entre as diferentes classes sociais. Pintaudi considera a questão da fragmentação, entendendo que os shoppings centers contribuem para a constituição de uma maior fragilidade das relações sociais na cidade, o que, por sua vez, empobrece o cotidiano.

Criado para atender estratos sócio-econômicos específicos da nossa sociedade, ele se caracteriza por se um local que atrai pessoas que si identificam de alguma maneira e, portanto, são espaços que segregam, principalmente em países como o nosso, e desta forma, contribuem para fragilizar as relações sociais e, conseqüentemente, tornar o cotidiano mais empobrecido (PINTAUDI, 1991:78).

Nesta direção verificamos que a envergadura de um empreendimento desse porte em uma cidade média cria as condições e as possibilidades de uma mudança no processo de estruturação da cidade na medida em que se consolida rompendo com a estrutura antes centralizada em um único ponto e cria novas configurações e articulações na dinâmica interna da cidade, inclusive no uso do solo.

Pela sua posição socioespacial, o JPS contribuiu para a valorização ainda maior dos espaços que compreendem seu entorno imediato, propiciando também uma verticalização e instalação de outros produtos imobiliários que reafirmam o processo de acumulação do capital, principalmente os condomínios verticais. Em termos gerais, esses produtos imobiliários formam parte de uma categoria mais ampla que Caldeira (2000) chama de ‘enclaves fortificados’.

Eles [os enclaves fortificados] estão mudando consideravelmente a maneira como as pessoas da classe média e alta vivem, consomem, trabalham e gastam o seu tempo de lazer. Eles estão mudando o panorama da cidade, seu padrão de segregação espacial e o caráter do espaço público e das interações públicas entre as classes. Os enclaves fortificados incluem os loteamentos fechados, conjuntos de escritórios, shopping centers, e cada

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vez mais outros espaços que têm sido adaptados para se conformarem a esse modelo, como escolas, hospitais, centros de lazer e parques temáticos. São fisicamente demarcados e isolados por muros, grades, espaços vazios e detalhes arquitetônicos. São voltados para o interior e não em direção à rua, cuja vida pública rejeitam explicitamente. São controlados por guardas armados e sistemas de segurança, que impõem as regras de inclusão e exclusão. Aqueles que escolhem habitar esses espaços valorizam viver entre pessoas seletas e longe das interações indesejadas, movimento, heterogeneidade, perigo e imprevisibilidade das ruas (CALDEIRA, 2000:258- 259).

A dinâmica de produção dos enclaves fortificados pode ser lida, seguidos os termos cunhados por Lefebvre (1992), como uma tendência por um lado de criar um espaço global e homogêneo, já que esses empreendimentos podem ser encontrados em diversas cidades; mas por outro lado criam espaços fragmentados e hierarquizados, pois não possuem relação com outros espaços da cidade e potencializam, para alguns, a possibilidade de nova forma de moradia, consumo, produção e lazer, tanto no interior de uma mesma cidade quanto nas relações entre cidades, de onde as pessoas se deslocam para consumi-lo.

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