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Diante de um discurso tão transpassado por outros discursos, tão amplo para aplicações teóricas e metodológicas da análise e da crítica, a Literatura apresenta-se como construto complexo para fornecer um conceito e uma metodologia de análise absolutos. Em sua teoria literária, Mikhail Bakhtin (1895/1975) tece seus pensamentos e metodologias de análise, sobretudo a partir os textos do gênero romance – em especial os romances de Fiodór Dostoiévki – e expõe a relações da linguagem e seu dialogismo e as interações verbais (2002; 2006; 2008). Suas reflexões expõem as fragilidades dos paradigmas do estruturalismo como força de análise literária e subscrevem substancialmente o ostracismo dessa corrente. Bakhtin refuta os métodos de análise fechados e de ferramentas absolutas. Sua metodologia muito se aproxima dos estudos de Foucault, que compreenderam uma nova abordagem das relações discursivas.

Além dos conceitos, como o de “polifonia” – que remete à abertura do discurso –, Bakhtin propõe o aspecto não findado desse discurso – o que ele chama de “não-finalizabilidade” – propondo que, imprimindo a ele o aspecto de amplitude, muitas variáveis de transformações são iminentes. Dessa forma, o autor tenta entender como e porque o romance é um gênero tão exitoso a partir de seu discurso, formas de construção, linguagem.

Para Bakhtin, a formação do discurso romanesco parte da apreensão da vivência comum. É a partir de suas artimanhas de construção que se dá o objeto de observação que o autor destaca para traçar suas reflexões. Sua concepção traz uma nova forma de colocar a natureza da linguagem, por meio do dialogismo, como método eficiente na identificação e mapeamento de domínios discursivos. Dessa forma, encarando a amplidão e evidente abertura que um discurso pode conferir, ele expõe a dicotomia que reconhece a realidade discursiva sobre dois prismas distintos: a finalizada e a dialógica (Bakhtin, 2006).

Ao reconhecer o aspecto do não-finalizado, Bakhtin colhe, como produto, o benefício da interação verbal. Esse processo se dá a partir do momento que as palavras são deslocadas e

dotadas de neutralidade (Bakhtin, 2006). O autor acredita que o aspecto de não finalização que o romance confere, atribui uma forma peculiar capaz de singularizá-lo junto aos outros formatos de discursos ficcionais. Essa abertura – não prejudicial, mas sim benéfica no que se refere à interação com outras instâncias ligadas às questões da enunciação – pode proporcionar complementaridade discursiva à Literatura. Outra instância que o russo atribui positivamente à pluralidade do discurso literário é o dialogismo, isto é, sua capacidade de aceitar e incorporar o “outro” – diálogo – liga-se a isso a noção de “heterogeneidade”, isto é, que um discurso é constituído a partir de outro discurso, o que o faz falar aquilo “que já foi dito”.

Para Bakhtin, o romance é o gênero a que melhor se aplica este funcionamento, é por isso se aproxima da complexidade de vivências que existem fora do texto – no contexto extratextual. É o que citam os estudiosos da obra bakhtiniana Morson e Emerson (2008), quando explicam que Bakhtin concebia o mundo como um lugar que é, na mesma medida, confuso, aberto:

A polifonia, o cronótopo do romance, alguns tipos de diálogo, a “unidade aberta” da cultura e muito outros conceitos-chave servem como modos de compreender como o mundo seria suficientemente ordenado para o genuíno conhecimento científico e, não obstante, aberto para a verdadeira criatividade (MORSON; EMERSON, 2008, p. 56).

São inerentes ao romance esses aspectos que permitem ao autor o diálogo com as instâncias que permeiam o discurso. Desde a enunciação, as estratégias discursivas e a estilística, o gênero, segundo Bakhtin, sustenta essas interações dialógicas. Essas instâncias que perpassam o discurso literário formam e transformam, de alguma maneira a gênese desse discurso que, mais tarde, se desembocará em uma identidade passível de ser identificada e elevada por mecanismos de crítica e análises literárias sistematicamente abertas.

O diálogo com o outro – que cumpre a recepção –, estabelecido por Bakhtin enquanto o conceito de dialogismo vai contemplar os mesmos benefícios e o autor (narrador) no discurso. O russo explica que

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. [...] O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um elemento da comunicação verbal. Ele é objeto de discussões ativas sob a forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de maneira ativa, para ser estudado a fundo, comentado e criticado no quadro do discurso interior, sem contar as reações impressas, institucionalizadas, que se encontram nas diferentes esferas da

comunicação verbal [...] o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc. (BAKHTIN, 2004, p. 123).

Assim como no texto literário, que tem a polifonia como componente estético discursivo, o discurso jornalístico – fundado na narrativa preocupada com o empírico que o formato noticioso demanda –, também abriga em seu núcleo genético a polifonia. O Jornalismo, e nessa esteira, também, o Jornalismo Literário, faz uso da prática polifônica quando, em seu discurso, abre espaço para adições, evidenciando, dessa forma, seu discurso nunca finalizado, isto é, fechado. Entende-se que, mesmo com essa transformação pelas quais passam as formações discursivas, não há perdas de tradições ou peculiaridades do discurso jornalístico, uma vez que ainda existe respeito em relação às questões tão quistas desse discurso, como o compromisso com a veracidade dos fatos.

Quando o Jornalismo e a Literatura se encontram: o Jornalismo como