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1 INTRODUÇÃO

2.2 ASPECTOS CLIMÁTICOS DO AMBIENTE URBANO

2.2.2 Balanço de energia

No Sistema Terra-Atmosfera, a energia é continuamente transformada segundo diferentes formas (radiante, térmica, cinética e potencial) e modos de transporte (condução, convecção e radiação), sendo a partição da energia em função das propriedades físicas de tal sistema (OKE, 1987).

Para a climatologia importa, principalmente, os comprimentos de onda que variam de 0,1 até 100 µm, correspondente a uma pequena porção do espectro eletromagnético6. A atmosfera é semitransparente à radiação de onda curta (faixa de 0,15 até 3 µm), mas em geral, absorve relativamente bem a radiação de onda longa (faixa de 3 até 100 µm). Conforme Oke (1987), as nuvens são o principal fator de influência para o saldo de radiação líquida, considerando que estas agem de forma similar a corpos negros7, absorvendo e emitindo radiação de forma eficiente, sendo que as nuvens baixas e relativamente quentes (Stratus) exercem maior influência no balanço de radiação da superfície do que as nuvens altas e frias (Altus ou Cirrus).

Na superfície terrestre, as radiações solares de onda curta e onda longa apresentam pouca variabilidade espacial, já que são governadas por processos de larga escala atmosférica, ou por relações geométricas entre a Terra e o Sol (OKE, 1987).

A passagem da radiação de onda curta até a camada intra-urbana é afetada, também, pela poluição atmosférica, sendo o grau de atenuação dependente da natureza e da quantidade de poluentes. Segundo Oke (1987), em cidades altamente industrializadas a radiação incidente pode ser reduzida em 10 a 20%, já em cidades na qual os veículos automotivos são as principais fontes e a poluição fotoquímica é dominante, a radiação incidente pode sofrer uma redução de 2 a 10%. Em dias com alto nível de poluição atmosférica, e em períodos de baixa elevação solar, a redução da radiação incidente pode exceder a 30% (OKE, 1987).

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A porção visível do espectro corresponde a 0,36 até 0,75 µm.

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O meio ou substância que a dada temperatura emite a máxima quantidade possível de radiação por unidade de área de superfície em uma unidade de tempo é chamada de corpo negro (OKE, 1987).

Adicionalmente, ocorrem alterações na composição espectral e direcional da radiação de onda curta. Poluentes tendem a filtrar os comprimentos de onda mais curtos; na porção ultravioleta do espectro é comum a perda de 40 a 90% (OKE, 1987), influenciando no processo de fotossíntese das plantas e contribuindo para riscos à saúde humana.

Conforme a definição de Oke (1987), superfície ativa é o local de ocorrência das atividades climáticas que envolvem as trocas e conversão de energia e massa em um sistema, remetendo à Primeira Lei da Termodinâmica (conservação de energia), segundo a qual nenhuma energia pode ser criada ou destruída, apenas continuadamente transformada de uma forma para outra. Para qualquer superfície o balanço de radiação pode ser definido segundo a Equação 1 (OKE, 1987, p. 23).

Q* = QH + QE + QG Equação 1

Onde Q* é a radiação líquida obtida para todos os comprimentos de onda, QH é o fluxo de calor sensível, QE é o fluxo de calor latente e QG é a condução para ou a partir do solo subjacente. Todas as variáveis são dadas em W/m².

A partição do excesso ou déficit radiativo entre os termos da Equação 1 é influenciada pela natureza da superfície e a relativa habilidade da atmosfera e do solo em transportar calor (OKE, 1987). Devido à complexidade da morfologia urbana, tal equação não se aplica de forma realista para todos os pontos da superfície, sendo necessárias aproximações. No interior de um cânion urbano, a natureza tridimensional da camada urbana pode ser simplificada pelo volume cânion-ar, possibilitando a inclusão das interações entre as superfícies urbanas horizontais e verticais (paredes das edificações e solo subjacente) com o ar intermitente (GRIMMOND; CLEUGH; OKE, 1991).

Devido às diversas características que configuram o espaço urbano, é impossível haver um cânion urbano representativo, admitindo-se, em geral, modelos com altura uniforme e profundidade infinita. Em cânions assimétricos, isto é, cânions compostos por edificações de altura variada, considera-se a média das alturas das edificações (JOHANSSON, 2006).

Usualmente, considera-se o balanço de energia por meio de um plano horizontal (ABCD) logo acima do nível da cobertura das edificações (Figura 11).

Figura 11 – Esquema da aproximação volumétrica do balanço de energia Fonte: Oke (1987)

O arranjo (ou configuração geométrica) das cidades e a orientação das ruas, a qual influencia o ângulo de incidência solar e o fluxo de ar no interior dos cânions, geram microclimas diferenciados nos espaços citadinos; adicionam-se ainda as contribuições das características construtivas e outras particularidades, como a presença ou não de vegetação e os valores de albedo das superfícies horizontais e verticais.

Segundo Oke (1987), no volume contido no interior do cânion é necessário acrescentar o termo de armazenamento de calor (ou estoque de calor, ∆QS) devido à energia absorvida ou liberada por este volume, considerando-se que pelo menos um dos termos da equação não estaria em balanço. Quando o fluxo de energia advindo é maior do que o liberado (não importando a direção do fluxo), a quantidade de temperatura por unidade de energia armazenada depende das propriedades térmicas dos materiais contidos no volume. Este caso ilustra a situação do fluxo convergente; já o fluxo divergente ocorre quando há perda de energia em um volume (ou camada em se tratando de superfícies horizontalmente uniformes) (OKE, 1987).

O consumo de energia nas edificações, indústrias, transportes, entre outras atividades, contribui para emissão de dióxido de carbono e calor antrópico, podendo o fluxo de calor antropogênico (QF) ser incorporado na equação do balanço

de energia. Tal termo depende da densidade populacional nas regiões urbanas e da energia média consumida individualmente por cada habitante, que por sua vez, depende das condições climáticas locais e de questões econômicas, além de fatores culturais. O fluxo de calor antropogênico pode ser estimado pelo método do inventário ou pelo método do resíduo, ou ainda pela combinação desses métodos (FERREIRA, 2010). Em razão da dificuldade na obtenção de dados urbanos com a resolução necessária e requerida para a estimativa de QF, é comum o termo ser representado por um valor constante no espaço-tempo (ARNFIELD, 2003). O impacto da emissão de energia antropogênica depende da escala de análise. Para a maioria das cidades o valor de QF é próximo de 10 W/m2; mas pode ultrapassar 1.000 W/m2 para uma única quadra ou edifício (ICHINOSE; SIMOHDOZONO; HANAKI, 1999).

Os fluxos horizontais convergentes ou divergentes também podem contribuir para o aquecimento ou resfriamento, sendo necessário incluir um termo de variação do fluxo de calor advectado (∆QA) à equação do balanço energético de superfície. Desta forma, o balanço de energia do volume de ar contido no interior de um cânion pode ser descrito conforme Equação 2 (OKE, 1987); todas as variáveis são dadas em W/m2.

Q* + QF = QH + QE + ∆QS+ ∆QA Equação 2

Para o equilíbrio entre os termos da Equação 2 é necessário que o input advindo da radiação solar e do calor antropogênico esteja em consonância com a liberação do calor sensível e latente, de forma imediata, ou liberado após ser estocado nas superfícies urbanas (JOHANSSON, 2006).

O componente de advecção depende da velocidade do vento e da rugosidade das superfícies urbanas, podendo ser ignorado para localidades com uso do solo e forma urbana mais uniforme.

O balanço energético em recintos urbanos é positivo em relação às regiões rurais circundantes, fator que explica parcialmente a existência das ilhas de calor (fenômeno explorado mais adiante); e inclui todos os processos de energia envolvidos na formação do clima urbano, compreendendo a variação diurna dos diferentes fluxos energéticos. Conforme Johansson (2006), o valor positivo da

radiação líquida obtida para todos os comprimentos de onda (Q*) resulta da perda de radiação de onda longa ser menor que a radiação solar absorvida, ocorrendo inversão térmica no período noturno; o aumento de calor sensível (QH) está relacionado com o aumento do processo de convecção e da diferença de temperatura entre o ar e as superfícies; enquanto o aumento do fluxo de calor latente (QE) está relacionado com aumento da turbulência e da diferença de umidade entre a superfície e o ar.

Para Oke (1987), uma das principais dificuldades em obter o balanço de energia está atrelada à dificuldade no cálculo do fluxo de calor armazenado, termo relacionado à admitância térmica das superfícies ativas. Para o autor, o esquema de medição ideal deveria considerar o monitoramento de ∆QS em todos os arranjos da superfície urbana e converte-los em um único termo representativo, mas devido à extrema heterogeneidade do meio urbano, esse esquema torna-se impraticável. Segundo Grimmond et al. (2010), duas abordagens têm sido empregadas: (1) a primeira considera a estimativa de ∆QS como um cálculo residual do balanço de energia, (2) na segunda abordagem são utilizadas amostras de temperatura de todas as superfícies e a equação de condução de calor. Ressalta-se que os materiais típicos utilizados no meio urbano apresentam menor capacidade térmica e albedo e maior condutividade de calor do que os encontrados no meio rural.

Segundo Oke (1987), no interior de um cânion urbano a reflexão da radiação de onda curta depende do albedo de superfícies individuais e no seu arranjo geométrico (a geometria urbana influencia na diminuição do albedo em comparação com uma superfície horizontal); resultando em um albedo médio de aproximadamente 15% (variação entre 10 a 27%) para cidades de latitude média e sem neve. Em cidades de baixa latitude, o albedo tende a ser maior do que em cidades de latitude média, já que os materiais e pinturas utilizadas em áreas urbanas são escolhidos para aumentar a reflexão, e a forma urbana é preparada de modo a reduzir a penetração do sol nos cânions urbanos. Considerando superfícies urbanas de modo geral, o albedo pode variar aproximadamente entre 90% para a cor branca até 2% para a cor preta (Tabela 4).

Tabela 4 – Superfícies típicas de área urbana e albedo correspondente Superfície Albedo (%) Asfalto 5 - 20 Parede de concreto 10 - 35 Cobertura metálica 10 - 16 Janela de vidro 8 - 52

Pintura cor branca 50 - 90

Pintura cores vermelha, marrom e verde 20 - 35

Pintura cor preta 2 - 15

Fonte: Adaptado de Oke (1987)

Segundo estudos (ARNFIELD, 2003; OKE, 1974), em algumas situações, a radiação líquida sofre pouca variação no meio urbano em comparação à área rural, em virtude do decréscimo de radiação solar global ser parcialmente compensado pela redução do albedo na malha urbana, resultando em menor radiação solar refletida para a atmosfera. As parcelas de radiação de onda longa emitida pela atmosfera e a emitida pela superfície aumentam em função do aumento da emissividade atmosférica e da temperatura de superfície, respectivamente.

Grimmond, Souch e Hubble (1996), por meio de observações em campo em duas localidades com diferentes coberturas vegetais na cidade de Los Angeles, notaram que a combinação de albedos mais baixos bem como temperaturas de superfícies menores resultou na perda de radiação solar global e radiação de onda longa emitida pela superfície; o local com 30% de cobertura vegetal apresentou aumento de aproximadamente 19% de radiação líquida comparativamente ao local com cobertura vegetal correspondente a 10%. Já no período noturno, a radiação líquida não apresentou diferenças significativas.

Há certa dificuldade na interpretação do balanço radiativo devido à complexidade da morfologia urbana, mas a abordagem volumétrica facilita a avaliação dos processos físicos que regem o balanço energético e afetam o campo térmico urbano.