• Nenhum resultado encontrado

Ao se tratar do tema da repressão política, ocorrida durante a Ditadura Civil-Militar, especificamente sobre aquela praticada pelos agentes de segurança do Estado vinculados ao DOI/CODI/II Exército, é possível através dos dados disponíveis elaborar um balanço das violações de direitos humanos perpetradas. Portanto, há de se registrar o descompasso existente no número de vítimas da atuação repressiva do DOI/CODI/II Exército, em relação à prática dos desaparecimentos forçados e mortes, por parte dos agentes estatais de segurança vinculados àquele organismo militar repressivo. No momento em que o Estado Brasileiro registrou o número de 64 casos de homicídios e desaparecimentos forçados346, reconhecidos no livro- relatório Direito à memória e à verdade347, a visão militar para o período 1970-1977 contida na monografia do major Freddie Perdigão Pereira, apontou apenas 54 mortos.348 A tabela 5 registra

345 MACIEL, Audir Santos. Contestação na Ação Civil Pública nº 2008.61.00.011414-5. Rio de Janeiro, 11 ago.

2008, fls. 501. Caso DOI/CODI/SP. Disponível em: <http://www.prr3.mpf.gov.br/content/view/145/217/>. Acesso em: 15 set. 2013.

346 Em relação aos crimes de desaparecimentos forçados, considerados violações múltiplas e continuadas de

direitos humanos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) assim se manifestou no Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil: “Nenhuma lei ou norma de direito interno, como as disposições de anistia, as regras de prescrição e outras excludentes de responsabilidade, pode impedir que um Estado cumpra essa obrigação [dever de investigar, punir, se for o caso], especialmente quando se trate de graves violações de direitos humanos que constituam crimes contra a humanidade, como os desaparecimentos forçados do presente caso, pois esses crimes são inanistiáveis e imprescritíveis”. Ver: Caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia) e outros vs. Brasil. Corte Interamericana de Direitos Humanos Sentença (Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas) de 24 de

novembro de 2010. par. 127, p. 47, interpolação nossa. Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.gov.br/sobre/sistemasint/lund.pdf>. Acesso em: 1 jul. 2011.

347 BRASIL. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

Direito à memória e à verdade. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2007.

348 PEREIRA, Freddie Perdigão. O Destacamento de Operações de Informações (DOI). Histórico papel no

combate à subversão – Situação atual e perspectivas. Monografia. Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Rio de Janeiro, 1978, p. 28. Documento Confidencial. Encartado no Anexo 4 da peça inicial da Ação Civil Pública

151 os dados coligidos pelo então major Freddie Perdigão Pereira, durante seu período de estágio na ECEME.

Tabela 5: Resultados gerais alcançados pelo DOI/CODI/II Exército 349

Resultados alcançados entre 1970-1977 Total

Presos pelo DOI 2541

Encaminhados ao DOPS para Processo 1001

Encaminhados a outros Órgãos 201

Liberados 1289

Mortos 51

Presos recebidos de outros Órgãos 914

Encaminhados ao DOPS para Processo 347

Encaminhados a outros Órgãos 341

Liberados 221

Mortos 3

Elementos que prestaram declarações e foram liberados

3442 Total de cidadãos que passaram pelo DOI/CODI/II

Exército

6897

Apesar de se encontrar discrepância entre o número de mortos apontados pelo major Freddie Perdigão Pereira e aqueles reconhecidos oficialmente pelo Estado Brasileiro, há de se notar a quantidade de cidadãos que passaram pelo DOI/CODI/II Exército, a fim de prestar esclarecimentos, no período de 1970-1977, no total foram 6.897 (seis mil, oitocentos e noventa e sete) cidadãos. Pode-se inferir que este número registra também a quantidade de vítimas diretas da atuação repressiva do DOI/CODI/II Exército. Pois, levando-se em consideração a falta de expediente legal para promover investigações, por parte daquele organismo repressivo, os casos de prisões e mesmo meras prestações de esclarecimentos, tratavam-se, em sua maioria, de casos ilegais de privação de liberdade. Isto porque as prisões, executadas pelas Equipes de Captura do DOI/CODI/II Exército ocorriam sem a devida ordem judicial, sem algum tipo de investigação prévia legal, distante de qualquer pressuposto legal. E esta consideração pode ser observada, ainda em 1980, na sentença da ação ordinária de indenização movida pela família do operário metalúrgico Manoel Fiel Filho contra o Estado Brasileiro, na qual o juiz federal

nº 2008.61.00.011414-5, proposta pelo MPF de São Paulo, relativo ao “Caso DOI/CODI/SP”.

349 Resultados alcançados pelo órgão repressor desde sua criação no segundo semestre de 1970 até 19 de maio de

152 Jorge Scartezzini reconheceu a prisão arbitrária realizada pelos agentes do DOI/CODI/II Exército no Caso Manoel Fiel Filho. 350

Na Tabela 6, serão apresentados os resultados alcançados pela atuação repressiva do DOI/CODI/II Exército, entre 1975 e 1977. Através de tais números, é possível constatar a manutenção da situação de vulnerabilidade dos direitos humanos. Tendo em vista que mesmo sob o período considerado de abertura lenta, gradual e segura, ocorreu aumento do número de presos diretamente pelo próprio organismo repressor. Tal fato, evidencia a manutenção da produção de vítimas da polícia política da Ditadura Civil-Militar, delimitando assim a atuação repressiva do DOI/CODI/II Exército.

Tabela 6: Resultados parciais alcançados pelo DOI/CODI/II Exército351

Resultados alcançados entre 1975-1977 Total

Presos pelo DOI 224

Encaminhados ao DOPS para Processo 158

Encaminhados a outros Órgãos 9

Liberados 59

Mortos 4

Presos recebidos de outros Órgãos 97

Encaminhados ao DOPS para Processo 46

Encaminhados a outros Órgãos 43

Liberados 8

Mortos 0

Elementos que prestaram declarações e foram liberados

55 Total de cidadãos que passaram pelo DOI/CODI/II

Exército

376

350 O reconhecimento judicial da ilegalidade da prisão do operário metalúrgico Manoel Fiel Filho pode ser

conferido no seguinte documento: BRASIL. 5ª Vara da Justiça Federal em São Paulo. Ação ordinária nº 1298666. Autoras: Thereza de Lourdes Martins Fiel e outras. Ré: União Federal. Juiz Federal Jorge T. Flaquer Scartezzini.

Sentença. São Paulo, 17 dez. 1980, fls. 918. Disponível em:

<http://www.prr3.mpf.gov.br/component/option,com_remository/Itemid,68/func,select.>. Acesso em: 2 set. 2012.

351 Resultados alcançados pelo DOI/CODI/II Exército encontrados em dois documentos distintos. O primeiro é de

autoria de PEREIRA, Freddie Perdigão. O Destacamento de Operações de Informações (DOI). Histórico papel no combate à subversão – Situação atual e perspectivas. Monografia. Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Rio de Janeiro, 1978, p. 28. O segundo documento refere-se ao “Relatório de Estatística” de junho de 1975 pertence ao dossiê 50-Z-9-39702, f. 44, do Arquivo do Estado de São Paulo. Documento Confidencial. Reproduzido no artigo de POMAR, Pedro Estevam da Rocha. Estatísticas do DOI-CODI. Revista ADUSP, Maio de 2005, p. 74-77. Disponível em: <http://www.adusp.org.br/files/revistas/34/r34a10.pdf>. Acesso em: 11 de jul. 2012.

153 Em busca de possível explicação para a prática das violações de direitos humanos, no desenvolvimento das atividades repressivas do DOI/CODI/II Exército, em nível individual, por acreditar que um fenômeno social pode também ter sua explicação neste nível, pode-se deparar com a teoria naturalista do instinto de agressão. A filósofa Agnes Heller, em sua obra Sobre os

instintos, trata de asseverar que o homem não é um ser dominado pelo instinto, sendo necessário

refletir sobre a plasticidade e a capacidade de transformação da chamada natureza humana. Sobre a realização da tortura física e psicológica e sua relação com o prazer sádico, cabe referir as palavras de Agnes Heller, vislumbrando a relação de poder envolta no acontecimento do prazer do sádico, o qual

(…) deriva do fato de através do seu ato ele provar o poder de seu próprio sujeito: isto é, o poder de tornar o outro sujeito um simples objeto. Só um sujeito pode ser tornado simples objeto. Além disso, a principal fonte de prazer do sádico é que, neste processo de se tornar um objeto, o sujeito cada vez mais humilhado e mal tratado 'manifesta' sempre a sua subjetividade. (…) O outro é tornado um objeto ao ser transformado num mero instrumento, um instrumento acerca do qual sabemos (ou pelo menos suspeitamos) que, pela sua essência, deveria ser alvo.352

Na tentativa de buscar a compreensão para o desempenho da rotina repressiva dos interrogadores e comandantes do DOI/CODI de São Paulo, a historiadora Mariana Joffily reconhece que eles agiam em função de determinado universo de valores, ao mesmo tempo em que enfatiza que o emprego da tortura pelos interrogadores do DOI/CODI de São Paulo, deve ser compreendido menos através do perfil dos torturadores, do que no regime político estabelecido pela Ditadura Civil-Militar. Assim define a historiadora:

Do ponto de vista dos indivíduos, talvez o traço predominante seja o conservadorismo e uma inclinação a ver no emprego da força física um instrumento válido de afirmação de uma determinada vontade política. Contudo, a biografia dos torturadores parece trazer menos elementos de explicação do que o éthos próprio ao sistema repressivo: 1. O apoio das altas hierarquias das Forças Armadas e do governo; 2. A possibilidade de agir dentro de um ‘regime de exceção paralelo’, com poderes extremamente dilatados; 3. A seleção de indivíduos com uma visão ideológica afinada com o regime autoritário; 4. O anonimato, garantido pelo uso de disfarces civis e dos codinomes; 5. A garantia da impunidade; 6. O sigilo compartilhado entre os colegas, mas não com a família; 7. A tensão permanente do trabalho, que tendia a reforçar o espírito de corpo; 8. A relativização da violência, justificada em termos de ‘guerra’; 9. A noção de que

352 HELLER, Agnes. Sobre os instintos. Lisboa: Editorial Presença, 1983, p. 88. Ainda acerca da teoria do instinto

de agressão, cabe mencionar que Agnes Heller analisou a referida teoria sob três aspectos: teorias relativas à gênese do instinto de agressão, a suposta prova bio-psicológica relativa à existência do instinto e sobre a sua pretensa prova social. A autora concluiu sua reflexão sobre aqueles instintos afirmando a não existência do impulso agressivo, rejeitando com isso a explicação naturalista da agressão, embora não negue a presença perigosa desse comportamento na nossa existência social, ou que considere a sua eliminação como um processo simples. Ver mais em: Ibid., p. 105.

154

era preciso combater a esquerda para ‘salvar’ o país da ‘subversão’; 10. O sistema de incentivos especiais e de premiações.353

Durante a Ditadura Civil-Militar, com a finalidade de retribuir o desempenho alcançado no enfrentamento da resistência política, o CIE utilizou-se de diferentes formas de reconhecimento do trabalho executado pelos seus agentes de segurança subordinados. Uma delas, talvez a mais corriqueira, é apresentada pelo jornalista Elio Gaspari, o qual, a seu ver tratava-se de verdadeira moeda de troca do Exército Brasileiro:

No caso da tortura, como a remuneração direta não existe, o governo é obrigado a recompensar o funcionário dentro dos critérios de mérito da burocracia. Enquanto um policial metido em contrabando jamais é promovido em função do volume de suas muambas, o torturador é publicamente recompensado por conta de suas investigações bem sucedidas. (...) Uma das moedas postas em circulação pelo CIE foi a concessão aos torturadores da Medalha do Pacificador, condecoração meritória, cobiçada por oficiais, políticos e empresários, pois registrava o reconhecimento de atos de bravura ou de serviços relevantes prestados ao Exército. (…) Não se tratava de crachá fácil: em 1975 apenas 42 dos 769 capitães da infantaria podiam colocá-la na túnica. Deles, catorze a tinham no seu grau mais honroso, “com palma” (…). Destes, seis haviam enfrentado a esquerda armada, e dois deles haviam sido feridos em combate.354 No caso específico do DOI, a premiação pelo desempenho das atividades funcionais naquela organização repressiva, do II Exército, pode ser encontrada registrada na monografia de Freddie Perdigão Pereira desta forma de retribuição. Segundo apontado em seu estudo militar sobre o papel dos DOIs, no âmbito do Exército Brasileiro, em três anos, noventa componentes do DOI/CODI/II Exército foram condecorados com a distinta forma de retribuição institucional, representada pela Medalha do Pacificador com Palma, sendo que “(...) todos por terem entrado em combate, várias vezes, tendo sempre demonstrado disciplina, acatamento às ordens dos superiores e praticado atos de bravura”.355

De outra banda, compreendendo os interrogatórios dos presos políticos, durante a Ditadura Civil-Militar brasileira (1964-1985), entre os resultados dos esforços dos interrogadores para obter informações e das estratégias dos interrogados para negá-las ou encobri-las, a historiadora Mariana Joffily definiu a função do Destacamentos de Operações de Informações (DOI) da seguinte forma:“(...) cabia ao DOI não apenas coletar informações, mas

353 JOFFILY, Mariana. As “sentinelas indormidas da Pátria”: os interrogadores do DOI-CODI de São Paulo.

Revista Mundos do Trabalho, v. 1, n. 1, janeiro-junho de 2009, p. 277.

354 GASPARI, Elio. A Ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 22.

355 PEREIRA, Freddie Perdigão. O Destacamento de Operações de Informações (DOI). Histórico papel no

combate à subversão – Situação atual e perspectivas. Monografia. Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Rio de Janeiro, 1978, p. 27. Documento Confidencial. Encartado no Anexo 4 da peça inicial da Ação Civil Pública nº 2008.61.00.011414-5, proposta pelo MPF de São Paulo, relativo ao “Caso DOI/CODI/SP”.

155 tratá-las, de maneira a compor um quadro concorde entre os diversos depoimentos. A tortura, por ser o instrumento por excelência de submissão pela força, exercia um papel fundamental na construção dessa ‘coerência’, obrigando os presos políticos a se conformarem com determinada versão dos fatos”.356

Em pesquisa acadêmica recente, a historiadora Rafaella Bettamio ao se dedicar ao estudo das memórias de seis ex-prisioneiros políticos do DOI/CODI do Rio de Janeiro, sobre o cotidiano vivido nessa instituição em 1970, alertou sobre o papel da violência no funcionamento daquela instituição repressiva:

Ficou claro que a violência era a principal forma de extração de informações e o elemento-chave para a eficiência conferida pela instituição com relação ao combate aos opositores políticos da época. A tortura e o medo dela ocupavam um espaço significativo no cotidiano ali impetrado aos prisioneiros, uma vez que, eles estavam no DOI-CODI/RJ para serem a ela submetidos de forma a fornecerem mais facilmente informações que levassem os agentes dos DOI a outros suspeitos. Porém, verificou- se que a tortura não era a única face do cotidiano do DOI-CODI/RJ.357

Contudo, realizado o balanço explicativo dos resultados alcançados pelo DOI/CODI/II Exército, entre 1970-1977, e apontando o horizonte de compreensão por meio da plasticidade e da capacidade de transformação da chamada natureza humana para constituição de tais resultados, conforme a proposição de Agnes Heller, segue-se o percurso investigatório do itinerário de violações de direitos humanos do DOI/CODI de São Paulo. Na próxima seção, a investigação trará o levantamento de informações sobre a participação do oficial militar Freddie Perdigão Pereira nos DOIs, tanto do I quanto do II Exército, além de seu período enquanto membro componente da chefia de operações do CIE, tratando, assim, de definir representação histórica, deste personagem, autor da monografia base de sustentação desta pesquisa.

356 JOFFILY, Mariana. A mecânica de produção da verdade nos interrogatórios da polícia política: o caso do DOI-

CODI. Naveg@mérica. Revista electrónica de la Asociación Española de Americanistas [en línea]. 2011, n. 6, p. 18. Disponível em: <http://revistas.um.es/navegamerica>. Acesso em: 14 jan. 2013.

357 BETTAMIO, Rafaella Lúcia de Azevedo Ferreira. O DOI-CODI carioca: memória e cotidiano no "Castelo do

Terror". Dissertação (mestrado) – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais, 2012, p. 203.

156

2.3 Dos Destacamentos de Operações de Informações (DOIs) ao Centro de Informações