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Nuno Bessa Moreira

4. Balanço final

a uma revisão do seu quadro de alianças externas. Vejamos dois exemplos ilustrativos. O Commercio de Guimarães sugeriu que o Governo português estabelecesse uma aliança Ibéri-ca, com o intuito de fazer frente às pretensões imperialistas da Inglaterra. Citando o perió-dico lisboeta As Novidades, refere que “essas duas nações [Portugal e Espanha], podiam ser, unidas ou confederadas, senão a primeira potência marítima da Europa, pelo menos uma força capaz, só por si, de inutilizar o imenso poderio naval da Inglaterra” (CG, 27-I-1890, p.

1). Porém, só em teoria as forças navais conjuntas dos dois reinos ibéricos tinham capacidade para enfrentar a Royal Navy. De facto, a marinha de guerra espanhola estava tão sucateada como a portuguesa e o conflito hispano-americano de 1898 veio comprová-lo… Por sua vez, A Penha, a 9 de fevereiro, aludindo ao El Pais, refere que Portugal devia de rever urgentemente o seu quadro de alianças e aproximar-se da França ou da Rússia. Mas, caso o Governo portu-guês decidisse mesmo aliar-se a outra potência devia privilegiar a Rússia, porque esta seria de maior proveito. Com efeito, é salientada a possibilidade estratégia de se usar o porto de Goa para uma investida militar russa contra o Império Britânico da Índia, o que certamente, diziam eles, levaria à sua ruína (AP, 9-I-1890, p. 1).

Mas as sugestões não ficaram por estes pontos. Também entraram na questão económi-ca, ou melhor dizendo, a guerra comercial à Inglaterra. O Commercio de Guimarães, a Religião e Pátria e A Penha, defendem esta via e não a opção militar, simplesmente porque Portugal não tinha quaisquer capacidades bélicas para enfrentar os ingleses, nem em terra e muito menos no mar (CG, 16-I-1890, p. 2; 23-I, 1890, p. 3; 27-I-1890, p. 1; 30-I-1890, p. 1; 3-II-1890, p.

2; 6-II-1890, p. 2. RP, 2-I-1890; AP, 19-I-1890, p. 3). Assim, além de noticiar várias notícias a nível nacional, onde informa os vimaranenses dos boicotes ao comércio inglês que estavam a ser promovidos por várias associações comerciais de todo o País; também expõe algumas reflexões, tais como Portugal parar, o mais rápido possível, o comércio com a Inglaterra e pro-curar outros mercados (como o francês e o alemão) e dinamizar a indústria nacional:

A Nação portuguesa levantou-se como um só homem para repelir a afronta que recebeu da Ingla-terra, e declarou-lhe guerra, mas não guerra sangrenta entre os couraçados, como a usurpadora desejaria, a guerra que lhe fazemos é muito mais nobre: de Inglaterra não se querer nada, nada;

nem sequer pronunciar-se uma palavra de origem inglesa (RP, 25-I-1890, p. 2).

Os jornais referidos parecem participar de uma atmosfera e de um contexto mais amplo no qual se inserem, partilhando as mesmas apreensões, angústias, vertidas em reacções ge-nericamente semelhantes, conforme descreve num enquadramento elucidativo Maria Tere-sa Pinto Coelho, que estudou o impacto do Ultimato na literatura, mas não deixou de abordar um conspecto alargado:

A notícia do Ultimatum é recebida em todo o país como uma catástrofe, dando origem a emocio-nais manifestações de cunho patriótico, eivadas de exacerbado nacionalismo e dominadas por gritos de protesto. Brada-se contra o Governo e a Monarquia, reclama-se vingança contra a Grã--Bretanha, organizam-se manifestações e comícios ruidosos e nem sempre pacíficos, é lançado o projecto de uma Grande Subscrição Nacional cuja receita se destinaria a comprar um couraçado que defendesse Portugal de Inglaterra e, no Porto, a Liga Patriótica do Porto arrancaria Antero (convidado para presidente) do seu longo retiro de Vila do Conde. Considerado por Eça a maior cri-se enfrentada pela sua geração, ao obrigar à retirada de forças portuguesas de territórios que Por-tugal reclama como seus, o Ultimato britânico de 1890 iria desfechar um rude golpe na identidade nacional. Como tal é referido na época, sendo encarado como um ultraje, um acto de espoliação, uma violação dos direitos portugueses em África (Coelho, 1996, p. 16).

Torna-se inevitável reafirmar e sublinhar que o ataque ao Ultimato Inglês ocorreu em pa-ralelo com as críticas ao Partido Progressista n’O Commercio de Guimarães e no Religião e Pátria.

Em trabalhos futuros é fundamental tentar perceber se nos três jornais estudados a questão africana já era uma preocupação, acentuada e agravada pela extremada atitude bri-tânica. Por outro lado, também convém indagar se o decadentismo presente nalguns sectores da sociedade portuguesa também encontrou eco nas páginas dos periódico locais analisados.

Conforme nota Maria Teresa Pinto Coelho, sucedeu-se precisamente o mesmo na lite-ratura, na qual “o Ultimatum e a questão africana em geral são apenas o tema-pretexto uti-lizado com um objectivo específico: explorar uma certa imagem da Pátria decadente como havia sido concebida por Antero e Oliveira Martins” (Coelho, 1996, p. 17).

Finalmente resulta relevante compreender se a matriz, se o paradigma apocalíptico pa-tente no Apocalipse de S. João ou a ideia de regeneração da Pátria estão presentes nos jornais de Guimarães e, em caso afirmativo, de que forma se processam ou evidenciam, acompa-nhando a tendência verificada na literatura:

Porém, ao anunciar a derrocada da Pátria, o Ultimatum profetiza também, como veremos, a res-surreição. Qual fénix saída das cinzas Portugal renascerá. Se a decadência tem como contraponto histórico-estratégico a derrocada de uma política de expansão em África, a ela também se alia a ideia de recriação de um “novo império” (…). Anunciando o Fim e o Recomeço, os textos que cons-tituem o nosso corpus afirmam-se como variantes de um modelo arquetípico único comum aos

mitos do Fim — o paradigma apocalíptico — cuja matriz se encontra, como veremos, no Apocalipse de S. João, o último livro do Novo Testamento, texto cujo simbolismo riquíssimo tem permeado várias áreas do pensamento ocidental (Coelho, 1996, pp. 17-18).

Parece possível a configuração do Ultimatum como mito político, eventualmente adapta-do a uma linguagem jornalística, porventura menos poética, metafórica ou simbólica adapta-do que a li-terária, mas ainda assim eivada de fervor patriótico e percorrida por adjectivações hiperbólicas.

A defesa da recuperação e regeneração de Portugal podia assumir duas formas ou vias: a reformista e a republicana, sendo lícito pensar que a primeira se expressa no Commercio de Gui-marães ou no Religião e Pátria, enquanto a segunda se pode possivelmente adequar a A Penha:

Porém, gerada à volta do Ultimatum e absorvida pela literatura, a crença na regeneração acaba por se apresentar sob as duas vertentes que dominam o imaginário nacional: o programa republicano, apregoado em textos de combate, que apelando ao orgulho patriótico propagandeiam a Repúbli-ca; e o projecto reformador, se assim lhe poderemos chamar, ou melhor, não revolucionário, que, exposto no polémico romance A Ilustre Casa de Ramires, propõe aos Portugueses que através do regresso ao lar do peregrino Portugal, de há muito afastado do útero materno, se voltem para si mesmos, e não para um passado pseudo-heróico, ou uma África de fronteiras recém definidas e levem a cabo a restauração das instituições. (…) O Ultimatum anuncia-se, assim, como um mito político que, se em Junqueiro assume especial força na figura do místico guerreiro do século XIV, não deixa de ser o catalisador de esperanças que, goradas ao longo dos tempos, parecem agora en-contrar concretização. Ele é o desfecho da crónica de uma morte há muito anunciada que encontra no final do século o seu túmulo e a sua ressurreição (Coelho, 1996, pp. 267-268).

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Religião e Pátria [=RP]

A Penha [=AP]

O Vimaranense [=OV]

Gazeta do Minho [=GM]

Diário do Governo [=DG]

Diário Ilustrado [=DI]

O Echo do Norte [=EN]