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1 INTRODUÇÃO

4.3 Balanço de massa da DQO

O balanço de massa é baseado no princípio da conservação da massa para a análise de sistemas físicos, que consiste no fato de que a matéria não pode desaparecer ou ser criada espontaneamente, apenas transformada, ou seja, consiste na descrição quantitativa de todos os materiais que entram, saem e se acumulam em um sistema com limites físicos definidos (von SPERLING, 1996).

Segundo van Haandel e Lettinga (1994), o mecanismo mais importante para a remoção de material orgânico em sistemas de tratamento biológico é o metabolismo bacteriano, em que a utilização pelas bactérias do material orgânico serve como fonte de energia (catabolismo) ou como fonte material para síntese de material celular (anabolismo). O anabolismo é um processo que consome energia e somente é viável se o catabolismo está ocorrendo simultaneamente e fornecendo a energia necessária para a síntese do material celular. Por outro lado, o catabolismo somente é possível se estiver presente uma população de bactérias vivas. Conclui-se que os processos de catabolismo e anabolismo são interdependentes e que sempre ocorrem simultaneamente. Assim, seriam quatro as opções para degradação do material orgânico em sistemas de tratamento: (i) conversão em lodo (anabolismo); (ii)

conversão em metano (catabolismo fermentativo); (iii) conversão por oxidação (catabolismo oxidativo) e (iv) permanência na fase líquida (descarga no efluente). De acordo com esses autores, a massa diária de DQO no afluente tem que ser igual à soma das massas diárias de DQO convertida em metano, lodo ou presente no efluente, mais a massa diária de material orgânico oxidado conforme a Equação 4-56.

xi o CH

lodo efl

afl DQO DQO DQO DQO

DQO    4  (4-5)

onde:

DQOafl = massa diária de material orgânico afluente.

DQOefl = massa diária de material orgânico no efluente.

DQOlodo = massa diária de material orgânico convertida em lodo.

DQOCH4 = massa diária de material orgânico convertida em metano.

DQOoxi = massa diária de material orgânico oxidada.

A Equação 4-5 é muito utilizada para desenvolver o balanço de massa da DQO em reatores

UASB, como observado nas pesquisas de Rissoli e Bernardes (2005) e Ramos (2008). Entretanto, estes autores não consideram a parcela devido à redução de sulfato a sulfeto (sulfetogênese), a qual também oxida DQO, e que pode ser muito importante, sobretudo, em esgoto com concentrações razoavelmente elevadas de sulfato.

Em relação à recuperação de metano, embora a mesma esteja bem estabelecida no caso de digestores anaeróbios de lodo, o mesmo não acontece no caso do tratamento anaeróbio de esgoto doméstico (diluído), uma vez que quantidade significativa de metano pode estar dissolvida na fase líquida (HARTLEY e LANT, 2006).

Nos processos anaeróbios, a liberação do biogás da fase líquida só ocorre quando as concentrações dos diferentes constituintes gasosos excedem as concentrações de saturação na fase líquida. A lei de Henry7 estabelece que a massa de qualquer gás que se dissolve em um dado volume de um líquido, em temperatura constante, é diretamente proporcional à pressão que esse gás exerce acima do líquido. A partir dessa lei é possível estimar a parcela de gás que permanece necessariamente na fase líquida e, por diferença, a parcela que potencialmente é liberada com o biogás. Assim, normalmente, o metano produzido no processo de digestão

6 Considerando regime estacionário, sem acúmulo de lodo no reator.

7

Cequil = KH x Pgás

anaeróbia é rapidamente separado da fase líquida, devido à sua baixa solubilidade em água, resultando num elevado grau de degradação dos despejos líquidos, uma vez que este gás deixa o reator na fase gasosa. Ao contrário, o dióxido de carbono e o sulfeto de hidrogênio são muito solúveis, saindo do reator parcialmente como gás e também dissolvido no efluente líquido (CHERNICHARO e STUETZ, 2008b; SOUZA et al. 2010a). Todavia, ao contrário do que foi comentado anteriormente, elevadas concentrações de metano no efluente líquido de reatores anaeróbios, entre 15% e 60%, devido à supersaturação do metano, têm sido também reportadas por vários pesquisadores, a partir de estimativas feitas pela lei de Henry (van HAANDEL e LETTINGA, 1994; AGRAWAL et al.,1997; KELLER e HARTLEY, 2003; SEGHEZZO, 2004; SOUZA et al., 2010a).

Pierotti (2007) reporta um balanço de massa que considera que a parcela de DQO convertida a metano se divide em metano no biogás e metano dissolvido no efluente do reator, em quantidades percentuais de 20 a 25% da DQO afluente, para ambas as parcelas. No mesmo balanço de massa é apresentado o percentual de 40 a 50% para a DQO efluente e de 10% para a DQO que é convertida em lodo, respectivamente. Esse balanço de massa avança na questão referente à parcela de DQO convertida em metano e sua divisão, entretanto, também nada informa sobre a parcela devida à sulfetogênese.

No balanço de massa da DQO em reatores UASB é necessário considerar todas as parcelas possíveis e importantes, isto é, as parcelas convertidas a metano, seja aquele presente no biogás ou o que escapa dissolvido no efluente ou junto com o gás residual (perdas), a parcela devida à redução de sulfato, a parcela que é convertida em lodo, a qual pode ser subdividida no lodo retido no reator e no lodo que é carreado junto com o efluente, e a parcela que sai solubilizada no efluente, conforme a Equação 4-6.

red sulf perdas CH biogás CH efl lodo ret lodo sol efl

afl DQO DQO DQO DQO DQO DQO

DQO      

4

4 (4-6)

onde:

DQOafl = massa diária de material orgânico afluente.

DQOefl sol = massa diária de material orgânico solubilizada no efluente.

DQOlodo ret = massa diária de material orgânico convertida em lodo retido no sistema.

DQOlodo efl = massa diária de material orgânico convertida em lodo e perdida com o efluente.

DQOCH4perdas = massa diária de material orgânico convertida em metano e perdida dissolvida

no efluente ou com o gás residual.

DQOsulf red = massa diária de material orgânico utilizada pelas BRS na redução de sulfato.

Nos próximos parágrafos serão apresentados os principais parâmetros e coeficientes utilizados em balanço de massa da DQO, reportados na literatura.

A Tabela 4-2 mostra o consumo per capita de água para a população contribuinte de acordo com o porte da comunidade.

Tabela 4-2: Faixas de população e QPCágua

Porte da comunidade Faixa da população (hab.) QPCágua(L.hab-1.d-1)

Povoado rural < 5.000 90-140

Vila 5.000 – 10.000 100-160

Pequena localidade 10.000 – 50.000 110-180

Cidade média 50.000 – 250.00 120-220

Cidade grande 250.000 – 1.000.000 150-300

Fonte: von SPERLING (2005).

Para a contribuição per capita de DQO, von Sperling (2005) apresenta a faixa de 80 a 120 g.hab-1.d-1 (valor típico de 100 g.hab-1.d-1). Metcalf e Eddy (2003) e von Sperling (2005) apresentam para a concentração de DQO em esgoto doméstico, respectivamente, as faixas de 250 a 800 mg.L-1 (valor típico de 430 mg.L-1) e 450 a 800 mg.L-1 (valor típico de 600 mg.L-1). Segundo Chernicharo (2007), a eficiência de remoção de DQO em reatores UASB é da ordem de 60 a 70%.

O parâmetro de metabolismo celular Y corresponde à relação entre a massa celular sintetizada e a massa de material orgânico metabolizado (medida como DQO). Os valores de Y reportados para o tratamento de esgoto doméstico são da ordem de 0,15 a 0,25 kgSVT.kgDQOremov-1 (CHERNICHARO, 2007).

A determinação do valor numérico de Y é insuficiente para se avaliar que fração do material orgânico metabolizado é sintetizada como material celular. Para tanto, precisa-se determinar qual é a DQO por unidade de massa de material celular, ou seja, o fator de correção Ksólidos

(kgDQOlodo.kgSVT-1) (van HAANDEL e van der LUBBE, 2007). A Tabela 4-3 apresenta

alguns valores encontrados para o fator de correção Ksólidos, considerando diferentes

composições químicas do composto orgânico biodegradável submetido ao processo de degradação anaeróbia.

Tabela 4-3: Fator de correção Ksólidos para diferentes composições químicas da biomassa Composição química Peso molar kgDQOlodo.kgSVT-1 Referência

C5H7O2N 113 1,42 Hoover e Porges (1952) C5H9O3N 131 1,22 McCarty (1964)

C5H8O2N 114 1,47 McKinney e Symons (1968) Fonte: van HAANDEL e van der LUBBE (2007)

Singh e Viraraghavan (1998) apud Glória (2009) encontraram valores para a concentração de sulfato em esgoto doméstico variando de 50 a 100 mgSO42-.L-1. Metcalf e Eddy (2003)

apresentam a faixa de 20 a 50 mgSO42-.L-1.

Souza et. al. (2010a), ao medir a concentração de metano dissolvido em efluentes de diferentes reatores UASB (escala piloto, demonstração e real) tratando esgoto doméstico, obteve valores de grau de saturação de metano variando de 1, 4 a 1,7 vezes à concentração de saturação dada pela lei de Henry, o que configura a supersaturação. Os resultados globais dessa pesquisa também indicaram que as perdas de metano dissolvido em efluentes de reatores anaeróbios foram consideravelmente elevados, variando entre 36 a 40% do total de metano gerado no reator. Agrawal et al. (1997) quantificaram a perda de metano no efluente de reatores UASB em cerca de 50%. Esses autores observaram que em águas residuárias com baixa concentração de matéria orgânica e em sistemas com baixos tempos de detenção hidráulica, as perdas de metano dissolvido no efluente são maiores. Keller e Hartley (2003), também levantam a problemática da perda de metano no efluente, no entanto, como resultados de cálculos de seus estudos são colocados valores menores, da ordem de 14%.

Segundo van Haandel e Lettinga (1994), as perdas de metano em reatores UASB podem variar de 20 a 50%, motivadas pela saída de metano dissolvido no efluente e também como resultado da transferência deste gás, da superfície do reator, para atmosfera, dependendo isto do tamanho da superfície líquida e da presença ou não de uma cobertura (hermética) da superfície do reator. A quantidade de metano presente nas fases líquida e gasosa dependerá de fatores como temperatura e pressão parcial do gás no interior do reator. O metano que permanece dissolvido na fase líquida é liberado com o efluente tratado, enquanto que o metano liberado da fase líquida pode estar presente no biogás coletado no interior do separador trifásico ou no gás residual liberado na superfície do compartimento de decantação.

Salienta-se que as perdas de metano dissolvido no efluente ou no gás residual não apenas representam uma perda de potencial energético, mas também contribuem com a emissão de gases de efeito estufa.