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1 INTRODUÇÃO

4.2 Produção de metano nos processos anaeróbios

4.2.3 Microbiologia da digestão anaeróbia

A digestão anaeróbia pode ser considerada como um ecossistema onde diversos grupos de microrganismos trabalham interativamente na conversão da matéria orgânica complexa em metano, gás carbônico, água, gás sulfídrico e amônia, além de novas células bacterianas. Para a ocorrência dos processos metabólicos da digestão anaeróbia é necessária a atividade conjunta de ao menos três grupos de microrganismos distintos: as bactérias fermentativas ou acidogênicas, as bactérias sintróficas5 acetogênicas e os microrganismos metanogênicos (Figura 4-11).

Na primeira etapa, denominada acidogênese, em decorrência da atividade das bactérias fermentativas acidogênicas, o material orgânico particulado presente no esgoto doméstico é hidrolisado, e os produtos solúveis dessa primeira etapa (açúcares, aminoácidos e ácidos

graxos) são fermentados em ácidos orgânicos (principalmente acético, butírico e propiônico), alcoóis e compostos minerais (CO2, H2, NH3, H2S).

Na segunda etapa, denominada acetogênese, os microrganismos acetogênicos convertem compostos orgânicos intermediários, como propionato e butirato, em substratos apropriados para os microrganismos metanogênicos, como acetato, hidrogênio e dióxido de carbono.

Figura 4-11: Rotas metabólicas e grupos microbianos envolvidos na digestão anaeróbia Fonte: CHERNICHARO (2007)

Orgânicos complexos (carboidratos, proteínas, lipídeos)

Orgânicos simples

(açúcares, aminoácidos, peptídeos)

Ácidos orgânicos (propionato, butirato etc.)

Acetato H2 + CO2 CH4 + CO2 H2S + CO2 Bactérias fermentativas (hidrólise) Bactérias fermentativas (acidogênese) Bactérias acetogênicas (acetogênese)

Bactérias acetogênicas produtoras de hidrogênio

Bactérias acetogênicas consumidoras de hidrogênio

Arqueas metanogênicas (metanogênese)

Bactérias redutoras de sulfato (sulfetogênese) Metanogênicas acetoclásticas Metanogênicas hidrogenotróficas 1 2 3 4

Segundo McCarty (1971) apud Chernicharo (2007), a grande importância dos organismos acetogênicos, no processo de digestão anaeróbia, decorre do fato de que cerca de 60 a 70% dos elétrons do substrato original são canalizados para a produção de acetato. Em decorrência, a remoção de DQO da fase líquida depende da conversão de acetato em metano, o que é feito pelos microrganismos metanogênicos acetoclásticos.

Na terceira etapa, denominada metanogênese, o acetato e o hidrogênio produzidos nas etapas anteriores são convertidos em metano e dióxido de carbono, pelas arqueas metanogênicas. Em função de sua fisiologia, as arqueas metanogênicas são divididas em dois grupos principais: i) metanogênicas acetoclásticas e ii) metanogênicas hidrogenotróficas.

Os dois mecanismos básicos de formação do metano em reatores anaeróbios são descritos a seguir (van HAANDEL e LETTINGA, 1994; CHERNICHARO, 2007).

Decomposição do ácido acético (metanogênicas acetoclásticas). Na ausência de hidrogênio, a decomposição do ácido acético conduz à formação de metano e gás carbônico. O grupo metil do ácido acético é reduzido a metano, enquanto o grupo carboxílico é oxidado a dióxido de carbono conforme a Equação 4-1.

2 4

3COOH CH CO

CH   (4-1)

Redução do gás carbônico (metanogênicas hidrogenotróficas). Quando o hidrogênio se encontra disponível, a maior parte do metano restante é formada a partir da redução do gás carbônico. O CO2 atua como um aceptor dos átomos de hidrogênio removidos dos compostos

orgânicos pelas enzimas. Uma vez que o dióxido de carbono encontra-se sempre presente em abundância em um reator anaeróbio, sua redução a metano não é o fator limitante no processo. O mecanismo de formação de metano, a partir da redução do dióxido de carbono, é dado pela

Equação 4-2. O H CH H CO2 4 24 2 2 (4-2)

Segundo van Haandel e Lettinga (1994), as bactérias que produzem metano a partir do hidrogênio crescem mais rapidamente quando comparadas com as que usam ácido acético, de modo que as metanogênicas acetoclásticas geralmente limitam a taxa de transformação de material orgânico complexo presente no esgoto para metano.

A estimativa da produção de metano pode ser feita a partir da massa de DQO degradada, de acordo com a Equação 4-3.

O H CO O CH4 2 22 2 2 (4-3)

16g

 

 64g

 

 44g

 

 36g

Observa-se que um mol de metano requer dois moles de oxigênio para sua completa oxidação a dióxido de carbono e água, ou seja, cada 16 gramas de CH4 produzido e retirado da fase

líquida correspondem à remoção de 64 gramas de DQO do despejo. Em termos de volume, nas condições normais de temperatura e pressão (P = 760 mmHg e T = 0oC), isso corresponderia a 0,35 L de CH4 para cada grama de DQO removida (22,41L dividido por 64g)

(CHERNICHARO, 2007).

Na Figura 4.11 observa-se que além das três etapas da digestão anaeróbia descritas anteriormente, a presença de sulfato em uma água residuária, pode, ainda, ocasionar uma quarta etapa de redução de sulfato e formação de sulfeto, etapa essa denominada de sulfetogênese. A produção de sulfeto é um processo no qual o sulfato e outros compostos à base de enxofre são utilizados como aceptores de elétrons, durante a oxidação de compostos orgânicos. Neste processo, sulfato, sulfito e outros compostos sulfurados são reduzidos a sulfeto, através da ação de bactérias redutoras de sulfato (BRS) (CHERNICHARO, 2007).

Com a presença de sulfato em uma água residuária, muitos dos compostos intermediários formados durante o processo de digestão anaeróbia, passam a ser utilizados pelas BRS, provocando uma alteração das rotas metabólicas e uma competição dessas bactérias com as bactérias fermentativas, acetogênicas e metanogênicas, pelos substratos disponíveis. Devido a essa competição, dois produtos finais passam a ser formados: metano (através da metanogênese) e sulfeto (através da sulfetogênese), sendo a concentração de sulfato que define qual o processo será predominante. A importância dessa competição é maior quando ocorre o aumento da concentração relativa de SO42- em relação à concentração de DQO.

Sendo assim, o aumento desta competição torna-se mais importante quando a relação DQO/SO42- é menor.

Segundo Lettinga (1995) e Visser (1995) apud Chernicharo (2007), a redução de SO42- resulta

na formação de H2S, composto inibidor para as metanogênicas, podendo reduzir sua

atividade. A digestão anaeróbia ocorre sem problemas quando esta relação é superior a 10, em que grande parte do H2S produzido será removido da fase líquida, em função de uma

Para uma mesma quantidade de material orgânico presente no esgoto, a redução química de sulfato diminui a quantidade de metano produzido. A redução de 1,5 g de SO42- é equivalente

a utilização de 1,0 g de DQO, o que significa uma menor disponibilidade de DQO para conversão em CH4. A estimativa da DQO utilizada para redução do sulfato presente no esgoto

pode ser dada pela Equação 4-4 (CHERNICHARO, 2007).   2 4 2 2 2O SO S (4-4)

32g

(64g)

96g

Verifica-se que 1 mol de SO42- requer dois moles de oxigênio para sua redução a sulfeto.

Portanto, cada 96 g de SO42- presentes no esgoto consomem 64 g de DQO (relação 1,5 SO42-:

1,0 DQO).

Teoricamente a redução completa do sulfato é possível para relação DQO/SO42- acima de

0,667 kgDQO/kgSO42-convertido (1,0 kgDQO por 1,5 kgSO42-convertido), porém para relação

DQO/SO42- abaixo de 10, o sistema anaeróbio tem dificuldades para proceder a degradação da

matéria orgânica em taxas satisfatórias.