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Um balanço da reconfiguração do teatro épico/dialético forjado na realidade brasileira e latino-americana

CAPÍTULO 1. O TEMPO HISTÓRICO DOS MARCOS TEÓRICOS DA TESE INÍCIO DA TRAJETÓRIA DE AUGUSTO BOAL: TEATRO DE ARENA E CPC

1.2 Entre o drama burguês e o teatro épico: movimentos, saltos e introdução à ideia de teatro dialético

1.2.2 Um balanço da reconfiguração do teatro épico/dialético forjado na realidade brasileira e latino-americana

O “hiato de quarenta anos que nos separa do denso acúmulo da dramaturgia política que marcou o Arena e o CPC”125 e a necessidade de trazermos experiências dialéticas de retomada deste acúmulo em novos e outros patamares históricos, permitiu com que nos propuséssemos esse diálogo entre direito e teatro em um processo dialético, não linear, com embasamento no movimento do real.

Uma das consequências desse período é o desaparecimento dos trabalhos desenvolvidos pelo teatro político, épico, de agitprop dos registros da nossa história. Esse desaparecimento dificulta a pesquisa da história cultural da época, porém, trabalhos como o de Fernando Peixoto, Iná Camargo Costa, Julian Boal, Rafael Litvin Villas Bôas e o grupo que constitui o Centro do Teatro do Oprimido, nos possibilitam

informações ver: STEDILE, João Pedro (org). A questão agrária no Brasil: história e natureza das Ligas Camponesas 1954-1964. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

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CARVALHO, Sérgio de. Nota Introdutória. In: XAVIER, Nelson. Op.cit.p.7.

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Para uma compreensão aprofundada sobre a questão do teatro político sob a ótica da questão agrária no Brasil no período compreendido entre o fim dos anos 1950 e início dos anos 1960, ver tese: VILLAS BÔAS, Rafael Litvin. Teatro Político e questão agrária: 1955-1965: contradições, avanços e impasses

de um momento decisivo. 2009. Tese (Doutorado em Teoria Literária e Literaturas) – Instituto de Letras,

Universidade de Brasília, Brasília, 2009.

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VILLAS BÔAS, Rafael Litvin. Teatro Político e questão agrária: 1955-1965: contradições,

avanços e impasses de um momento decisivo. 2009. Tese (Doutorado em Teoria Literária e Literaturas)

pensar essa aproximação entre esse legado e suas retomadas com o direito em seu aporte crítico e também situado.

O movimento até então desenhado na tese traz a compreensão de um determinado modelo de teatro, o chamado teatro épico em sua forma e dialético em seu conteúdo, situado na esfera dos gêneros literários/teatrais a partir da dramaturgia de Brecht na sua crítica ao gênero dramático moderno/dramático burguês. Por sua vez, um segundo recorte foi feito e a dimensão de compreensão desse modelo de teatro foi vislumbrado a partir da denominação de teatro político nos entrelaçamentos com a história brasileira recente, tendo em Augusto Boal e seu T.O. uma nova estética e configuração de modelo teatral com fundamentação nos elementos do teatro épico/dialético, mas reconfigurada ao se forjar na realidade brasileira e latino- americana.

Nesses recortes foi feita a tentativa de delinear alguns momentos que aliaram a trajetória de Augusto Boal e movimentos culturais do qual fez parte diretamente ou indiretamente, como o Teatro de Arena e o Centro Popular de Cultura da UNE.

A escolha por exemplificar a trajetória desses grupos enquanto exemplo de teatro político no Brasil se deu por entendermos que: 1. A escolha do T.O. como modelo teatral só faz sentido a partir da trajetória de seu autor e dos aprofundamentos que ele faz de um teatro com matriz brechtiana, 2. A necessidade de entendermos essa matriz a partir do olhar situado na realidade brasileira.

A realidade política brasileira do período, a ditadura civil militar, acabou por exterminar as atividades de muitos desses grupos e coletivos teatrais. Muitos de seus integrantes partiram para o exílio fora do Brasil. Alguns grupos permaneceram em atividade, como o grupo União e Olho Vivo de São Paulo (que permanece em atividade até os dias atuais), porém, perseguidos e criminalizados.

Três episódios vividos no período da ditadura são mencionados por Augusto Boal exemplificam a perseguição e a violência aos grupos de teatro. Um ocorrido durante a apresentação do musical Opinião (“uma mistura de todas as revoltas, mistura de música e teatro, em um espetáculo com atores e plateias comungados”126) em 1964 no Rio de Janeiro; o segundo durante a peça Arena conta Bahia e o corte diário de músicas pelo censor; o terceiro na Feira Paulista de Opinião em junho de 1968 com a

126 BOAL, Augusto. Aplausos e Tiroteios. in: Margem Esquerda- ensaios marxistas. Nº3. São Paulo:

proibição de todo o espetáculo no dia da estreia, interdição do espaço e a resistência da equipe que, a cada noite, se apresentava em um teatro diferente. Boal relata o progressivo aumento da violência da repressão clandestina e seus crimes:

Dezembro vinha vindo, a cavalo. Enquanto os fascistas graduados preparavam o AI-5, a repressão clandestina já ensaiava seus crimes. Uma atriz foi raptada no Teatro de Arena por paramilitares disfarçados de espectadores, e reapareceu, cinco dias mais tarde, em um quartel, no Rio de Janeiro. Em outros estados do Brasil, vários raptos se sucederam- mais tarde, depois do segundo golpe, seriam assassinatos e não apenas prisões! Heleny Guariba foi, entre os artistas, o caso mais notório de execução sumária. No mesmo teatro Ruth Escobar em que estava, na sala de baixo, a nossa Feira, Roda

Viva, de José Celso, baseado em texto de Chico Buarque, foi invadida,

na sala de cima, atores espancados e cenários destruídos. A partir desse dia, nós e outras companhias teatrais, antes dos nossos espetáculos, ao invés dos usuais exercícios de aquecimento de corpo e voz, nos preparávamos para o enfrentamento praticando tiro ao alvo. Baixava o pano e tremiam as penas...será hoje? A temporada foi assim até o fim: em São Paulo jogaram uma granada de gás lacrimogênio na única estreita saída de nosso teatro lotado (...) No Rio, uma granada foi jogada contra o palco do Teatro João Caetano durante a matinê da

Feira. Felizmente a granada era made in Brazil e não explodiu (...)

E completa o relato com o raciocínio de continuidade nos dias de hoje, ainda que em outra esfera, do perigo de ser artista de teatro no Brasil:

São águas passadas, sim... mas o rio continua correndo e trazendo novas águas, jamais potáveis. Hoje, quando o Centro do Teatro do Oprimido, que eu dirijo, trabalha em favelas cariocas, não é raro que nossos artistas populares tenham que se deitar no chão evitando balas perdidas, nas lutas entre gangues do narcotráfico, com a polícia de permeio. Hoje, pelo menos, não somos nós os seus alvos preferidos, mas... Será que as balas sabem disso? Foram avisadas que nós somos

apenas artistas? No Brasil, ser artista de teatro é muito perigoso...127

Augusto Boal foi um dos autores que deixou involuntariamente o Brasil em 1971, após ser preso e torturado, e percorreu um caminho, durante o exílio, que passou por Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia, Colômbia, Peru, Equador, Cuba, México, e, após 1977, países da Europa como Portugal, França, Itália, Dinamarca, Suécia, entre outros. Neste plural e longo caminho traçou a poética do oprimido: a atividade teatral a serviço da descolonização e conscientização num ensaio geral para a necessária libertação.

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