• Nenhum resultado encontrado

BANCO DE DADOS COM FINS JUDICIAIS E ADMINISTRATIVOS E BANCO DE DADOS COM FINS GERENCIAIS

3 AS METODOLOGIAS DE MEDIDA DA CRIMINALIDADE NO FOGO CRUZADO DO DEBATE POLÍTICO

3.1 BANCO DE DADOS COM FINS JUDICIAIS E ADMINISTRATIVOS E BANCO DE DADOS COM FINS GERENCIAIS

Para iniciar a análise da qualidade e natureza dos bancos de dados do Ministério da Justiça (Senasp) e do Ministério da Saúde (SIM), constrói-se, neste momento, a conceituação dos tipos de banco de dados presentes na burocracia estatal, tendo em mente que existem diferenças entre a apropriação de informações para simples registro e a apropriação sistemática com fins de inferência e formulação de políticas públicas.

Saliente-se que, para o controle eficaz da criminalidade, quaisquer que sejam as formas de policiamento “comunitário” ou “tradicional”, é necessária uma forma de banco de dados que permita a provisão rápida, capaz de responder na mesma velocidade que a dinâmica criminal ao

35

Adiante, falar-se-á a respeito das principais formas sob as quais os dados podem ser organizados no âmbito do Estado: banco de dados com fins administrativos ou judiciais e banco de dados com fins gerenciais.

contrário dos modelos usuais de banco de dados (administrativos) que não têm, intrinsecamente, essa capacidade de fornecimento de informações.

Os banco de dados com fins judiciais e administrativos se caracterizam por atuar conforme procedimentos de qualquer instituição que integra a máquina do Estado; ou seja, ao se estabelecer uma lei cuja função é reger a interação das pessoas em determinado território, caberia ao Estado tomar conhecimento dos casos que podem infringir o ordenamento jurídico “normal” de monopóliodo uso da violência e a provisão do bem público segurança. Nesse sentido, para as instituições estatais de natureza coercitiva, deve haver provisão de informações na “ponta” do sistema (o policial possuindo informações sobre seu espaço de atuação) para melhor prover a ordem pública.

Os bancos de dados gerenciais são constituídos por registro dos casos do mesmo modo que os bancos judiciais e administrativos.36 Porém, ao invés de servirem exclusivamente para verificar a violação de direitos por indivíduos e o que será feito com esses indivíduos no sistema de Justiça (a notificação de casos), obedecem a uma metodologia de caráter científico, publicamente discutida e sujeita a revisões a fim de aperfeiçoar o poder de o modelo captar informações e verificar se há tendência na prática dos delitos, quais os delitos típicos e se há alguma ordem de causalidade nos fenômenos criminais registrados.

Desse modo, enquanto nos bancos administrativos o registro não é rigorosamente fiscalizado, sujeito à ingerência das pessoas do sistema de Justiça, que estão na “ponta” do sistema, a confiabilidade desse tipo de banco de dados, porque ou os casos são registrados conforme as conveniências do poder político, da classe social ou de quem cometeu o crime, ou

muda-se o registro oficial37 sem nenhum conhecimento público e trabalho de compatibilização com o modo de registro anterior38 de modo a tornar-se difícil a construção de séries históricas, fundamentais para gerenciar uma política pública, observando-se desde a implementação até a fase de avaliação.

Em suma, os bancos de dados judicial e administrativo trabalham o caso individual do infrator do crime e as providencias relacionadas sem nenhuma sistematização. Já o gerencial, agrega casos, delimita as especificidades e procura observar padrões de delito enquanto fenômenos sociais que têm uma natureza apreensível conforme a metodologia científica de instrumentos estatísticos e matemáticos.

Essa diferença é que permite estabelecer os diagnósticos para políticas preventivas e repressivas de longo prazo. Portanto, a questão da leitura “orientada por teoria” é muito relevante do ponto de vista estratégico. Envolve também o fato de que mudanças estruturais são processos de longo prazo, e quando não há objetivos claramente delineados na leitura e provimento desses dados, é impossível coerência e continuidade.

Com essas conceituações de banco de dados, nortear-se-á a análise das tentativas da Senasp em construir um sistema de informações agregadas, o qual possibilitaria construir políticas públicas mais “ajustadas” ao contexto nacional e às realidades vividas pelas secretarias estaduais. Note-se que essa tentativa de modificar a natureza dos bancos de dados estaduais, elaborando um sistema nacional de estatística de segurança pública e de justiça criminal, foi uma reforma com o objetivo de aumentar o desempenho em termos de execução de modelos de

37 Sobre os meios de registro e controle das atividades investigatórias e administrativas nas delegacias de polícias do

Estado, cf. Zaverucha (2003, cap. 5, p. 77-98).

38 Em 2002, o Estado de Pernambuco passou a unificar o banco de dados de segurança pública utilizando os registros

da Polícia Civil, Polícia Militar e Polícia Científica, usando um novo Boletim Único de Ocorrência: “[...] também vem contribuindo para o combate ao crime, o Boletim Único de Ocorrência, que está sendo implantado no Estado, permitindo um mapeamento preciso das áreas de maior criminalidade.” (JARBAS entrega..., 2002).

apreensão de dados confiável, que nem sempre contou com a cooperação das secretarias estaduais, como se verá adiante.

Não se sabe as razões da não-cooperação dos outros Estados na constituição de bancos de dados de natureza gerencial na área de segurança. Como este estudo se direciona ao Estado de Pernambuco, do qual temos informações sobre a relação da Secretaria Estadual com a Senasp e sobre as repercussões políticas de estudos publicados − a exemplo do Mapa da Violência II, III e IV e a pesquisa de Túlio Kahn, Panorama da Criminalidade nos Estados: uma tentativa de classificação e interpretação −, serão omitidas as demais Unidades da Federação.

Os argumentos terão esta seqüência: falar-se-á sobre o Plano Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça (2000), cujas providências exigiam a criação de uma base de dados que possibilitasse o acesso rápido às informações; lançamento da pesquisa da Unesco −

Mapa da Violência −, usando base de dados da área de saúde, focando especialmente os homicídios; a pesquisa de Túlio Kahn, Panorama da Criminalidade, cuja inovação foi elaborar um mapa da criminalidade com dez variáveis em vez da tradicional focalização em homicídios.

Para cada pesquisa lançada, após a divulgação das diretrizes do Plano Nacional, expõe-se o debate na Secretaria de Defesa Social de Pernambuco sobre os resultados dessas metodologias, para se possa entender a relação entre metodologia, produção científica e opinião das instituições coercitivas sobre essa produção. A idéia é demonstrar que o debate provocado pela divulgação dos dados e as polêmicas que esses encerram têm como principal fonte a própria Secretaria de Defesa Social de Pernambuco por não ter os dados publicados como em uma instituição de caráter científico.

Apesar de o Plano Nacional exigir a remodelação do seu sistema de dados criminais em bases científicas como forma de apoio técnico à execução de programas de policiamento

comunitário, exigidos pelo próprio Plano, não houve por completo a transformação do banco de dados criminais, de administrativo a gerencial. Desse modo, mantidas essas bases (ceteris paribus) no sistema de informação da SDS, sempre teremos elogios ou críticas negativas a quaisquer pesquisas lançadas, conforme os interesses políticos dos governos de plantão.

3.2 PESQUISAS DIVULGADAS APÓS O LANÇAMENTO DO PLANO NACIONAL DE