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As diversas escolas que integram a Criminologia fazem referência à prevenção do fenômeno qualificado de conduta desviante.18 Relatam que não é suficiente “reprimir” o delito, mas é necessário antecipar-se a ele, preveni-lo.

A prevenção, para a Escola Clássica, é vista como um mero efeito dissuasório da pena. Prevenir significa dissuadir o infrator potencial com a ameaça do castigo. A prevenção é concebida como prevenção criminal (eficácia preventiva da pena) e opera no processo motivacional do infrator (dissuasão).

A Criminologia Empírica, mais especificamente as teorias sociológicas,19 ampliam o conceito de prevenção, ressaltando que o conceito compreende o efeito dissuasório mediato, indireto, podendo ser alcançado por meio de instrumentos não penais, que alteram o ambiente criminal modificando alguns dos fatores que o compõem (espaço físico, desenho arquitetônico e

18Desviante “será um comportamento concreto na medida em que se afaste das expectativas sociais em um dado

momento, enquanto contrarie os padrões e modelos da maioria social. Não importam, pois as qualidades objetivas da conduta, inerente a esta ou referida a valores que procedem de outras instâncias normativas, se não o juízo social dominante e a conduta esperada” (GARCÍA-PABLOS DE MOLINA; GOMES, 2000, p. 62).

urbanístico, comportamento das vítimas, efetividade e rendimento do sistema legal, etc.). Objetiva-se colocar constrangimentos de todo o tipo ao infrator em seu processo de execução do plano criminal, supondo que ele aja em uma relação de custo e benefício na prática do delito ou mediante uma intervenção seletiva no cenário do crime na tentativa de impedir o surgimento do próprio infrator ou mesmo quando há potenciais infratores que não encontram oportunidade para o crime.

Outra forma de apresentar o conceito de prevenção é sua distinção entre os programas de prevenção “primária”, “secundária” e “terciária”.20 Essa classificação baseia-se nos critérios de: maior e/ou menor relevância etiológica dos referentes programas; no público destinado, nos instrumentos e mecanismos que utilizam e nos seus domínios e fins almejados.

A prevenção primária atua de forma etiológica onde o conflito criminal se produz. Os programas dessa natureza destinam-se a reparar as situações criminológicas. As condições de seus programas exigem uma atuação em médio e longo prazos e sujeitas às exigências imediatas por parte da sociedade; ou seja, exige-se resultado em curto prazo quando a natureza da prevenção primária só permite visualizar resultados em médio ou em longo prazo, tendo de lidar com custos elevados, desde o custo político de não ter resultados imediatos até o custo econômico pelo fato de que deve operar mudanças estruturais na sociedade e não sofrer quebra de continuidade de governo a governo.

A prevenção secundária atua em um momento mais distinto, sem operar sobre pontos “estruturais” relativos às causas do crime. Comparada à prevenção primária, preocupa-se com quando e onde o delito se manifesta ou se exterioriza; opera em curto e médio prazos, é seletiva, porque se orienta para certos grupos da sociedade, quais sejam, aqueles que ostentam

maior risco de cometer o delito. São exemplos de prevenção secundária os programas de prevenção policial, de ordenação do meio ambiente e utilização do desenho arquitetônico como instrumento de autoproteção desenvolvidos nos bairros pobres.

A modalidade de programas de prevenção terciária tem como público-alvo a população presidiária e tem como objetivo evitar a reincidência do ex-presidiário. A prevenção se concretiza nos programas reabilitadores e ressocializadores; operam, assim, no âmbito penitenciário. Trata- se, como a prevenção secundária, de uma intervenção tardia (após o cometimento do crime), seletiva (dirigida ao apenado), não preocupada com o enfrentamento das causas do delito.

Finalmente, o conceito de prevenção comunitária que surge da “Orientação Comunitária”. A orientação comunitária é uma das tendências mais característica da moderna Criminologia Empírica. O crime nessa orientação é definido como um “problema comunitário”; a prevenção do delito é vista como “prevenção comunitária”, e a intervenção nele é colocada como “intervenção comunitária”. Essa nova orientação questiona a tese da exclusividade das definições do crime no âmbito jurídico, favorecendo o desenvolvimento do debate em outros domínios do mundo social.

No que se refere ao desenvolvimento da orientação comunitária no campo da segurança pública, particularmente na atividade policial, ela estabelece:

[...] pela via da especulação prática, isto é, através das várias pesquisas realizadas nos EUA sobre o policiamento, que teriam indicado a necessidade de mudanças nas atividades policiais e enfatizando a necessidade da parceria da polícia com a comunidade. (CERQUEIRA, 1998, p. 115).

A prevenção comunitária baseia-se numa política criminal “participativa”, fundamentada numa “ideologia de inserção”, de “prevenção”, de “individualização” e de “participação da comunidade”. Nesse contexto, prevenção e comunidade são expressões “interligadas” a tal ponto:

[...] que já não se pode compreender a prevenção do crime no sentido ‘policial’, nem sequer ‘situacional’, desligada da comunidade: a prevenção é prevenção comunitária, prevenção ‘na’ comunidade e prevenção ‘da’ comunidade. Reclama uma mobilização de todas as forças vivas, uma

dinamização social e uma atuação ou compromisso de todas elas no âmbito local. (GARCÍA-PABLOS DE MOLINA; GOMES, 2000, p. 334).

Para alguns defensores do conceito, a prevenção comunitária quer dizer uma prevenção “integradora”, “inclusiva”, que não aceita o castigo, e propõem “alternativas reconciliatórias” e de “reforma social”. Na perspectiva de outros autores, a prevenção comunitária é sinônimo de “segurança comunitária”, que, segundo García-Pablos de Molina e Gomes (2000), serve como uma:

[...] expressão que evoca o problema das relações entre o poder estatal e a sociedade civil e a colaboração do público e do privado, do central e do local. Discute-se inclusive se o conceito comunidade (participação da comunidade) deve ser entendido como ‘meio’ou como ‘fim’e se equivale ao ‘altruísmo organizado’ ou à ‘convivência local’. (GARCÍA-PABLOS DE MOLINA; GOMES, 2000, p. 334).

De acordo com García-Pablos de Molina e Gomes, a prevenção, em sentido estrito, quer significar o enfrentamento do delito como um problema que interessa à “comunidade inteira”, não como corpo estranho à sociedade, que interessa exclusivamente aos poderes públicos, posto que é “prevenção social”. Significa, também, que a problemática do delito deve ser atacada em suas raízes, em suas causas, ou seja, a prevenção, stricto sensu, atua quando e onde o conflito criminal se produz, in verbis:

Em sentido estrito, sem embargo, prevenir o delito é algo mais − e também algo distinto − que dificultar seu cometimento ou dissuadir o infrator potencial com a ameaça do castigo. Sob o ponto de vista ‘etiológico’, o conceito de prevenção não pode se desvincular da gênese do fenômeno criminal, isto é, reclama uma intervenção dinâmica e positiva que neutralize suas raízes, suas ‘causas’. A mera dissuasão deixa essas raízes intactas. De outro lado, a prevenção deve ser contemplada, antes de tudo, como prevenção social, isto é, como mobilização de todos os setores comunitários para enfrentar solidariamente um problema social. A prevenção do crime não interessa exclusivamente aos poderes públicos, ao sistema legal, senão a todos, à comunidade inteira. Não é um corpo estranho, alheio à sociedade, senão mais um problema comunitário. (GARCÍA- PABLOS DE MOLINA; GOMES, 2000, p. 334).

Programas baseados no modelo de prevenção comunitária enfatizam a necessidade de desenvolver novas formas de polícias locais. Propõe a substituição dos modelos tradicionais, estilo militar, por outras polícias de base comunitária (community policing) e controladas democraticamente. O conceito de comunidade nessa orientação e programas apresenta-se como um recurso simbólico para o controle social contemporâneo.

Das quatro formas de ver a criminalidade, suas causas e os respectivos modos de prevenção e de sugestão de políticas públicas (clássica, criminologia empírica, de prevenção e comunitária), observa-se que a orientação brasileira, em termos de paradigma de controle da criminalidade, combina elementos da visão clássica, da visão da criminologia empírica e da visão de prevenção.

Destaca-se o fato de o crime ser compreendido como externo à sociedade, praticado por determinados grupos (só o controle social via criminalização das comunidades pauperizadas é praticado), e o poder dissuasório deve ser dirigido para esses setores da sociedade, porque o crime é produto derivado de determinados meios ambientes, justificando a atuação sobre as oportunidades para o cometimento do delito. Essas afirmações preliminares sobre o controle do crime no Brasil, as políticas públicas e instituições coercitivas foram o ponto de partida para a discussão do funcionamento das polícias no Brasil e das tentativas de reforma que tentaram mudar seus procedimentos de atuação.