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Bancos públicos e industrialização: uma alternativa institucional para o

3. Bancos públicos e desenvolvimento: a economia política da coordenação pública

3.2 Bancos públicos e industrialização: uma alternativa institucional para o

As diferentes maneiras de organizar sistemas financeiros e a sua relação com a industrialização são reflexos de tipos ideais de organização da economia como um todo, estabelecendo mecanismos de coordenação distintos para o financiamento da atividade econômica, seja a partir do mercado de capitais, bancos privados ou bancos públicos. O sucesso desses modelos, de acordo com Hall e Soskice (2001), estaria ligado à criação de um arranjo institucional mais adequado às especificidades de cada ambiente normativo, a partir de mecanismos de coordenação mais eficientes ao contexto econômico no qual eles estavam inseridos. Discutir a necessidade da criação de mecanismos de coordenação próprios para contexto brasileiro é o objetivo desta seção.

A industrialização tardia impôs alguns desafios de ordem externa ao desenvolvimento econômico brasileiro, que não foram enfrentados da mesma maneira por países como a Alemanha e a Inglaterra: a relação comercial polarizada entre exportadores de produtos industriais e exportadores de matéria-prima. Alguns autores – entre eles, os envolvidos na formação do pensamento da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) – tratam dessa questão, afirmando que se criou com essa

reconfiguração do comércio internacional uma amarra histórico-estrutural87. Isso determinou o desenvolvimento de alguns países em detrimento do subdesenvolvimento de outros, gerando uma relação cíclica e interdependente entre os fatores envolvidos nesse processo: de dependência e subdesenvolvimento, no qual um não poderia viver sem o outro (CARDOSO, FALETTO, 2004, p. 25-52; FURTADO, 2000; 2009).

A alternativa pensada pelo Brasil para superar esses desafios e conseguir se desenvolver economicamente foi se industrializar88. Alice Amsden (2001), estudiosa sobre países de industrialização tardia, entre eles o Brasil, denomina esta tentativa de sneaking ahead89. Ocorre, contudo, que os desafios para a industrialização eram diversos, não se resumindo aos de ordem comercial externa, mas também referentes à realidade interna da economia brasileira, que apresentava inúmeras falhas de mercado, tanto no aspecto industrial, como no financeiro. Para superar essas dificuldades, foi necessária a construção de um arranjo institucional diferenciado, pautado em mecanismos de coordenação que contariam com a presença direta do Estado na atividade econômica, desde o setor financeiro ao industrial, através de bancos públicos e empresas estatais, por exemplo.

Anterior à explicação das alternativas institucionais brasileiras – de coordenação pública da economia de mercado –, entender o contexto que levou à sua construção é necessário. Foi esse contexto, de falhas de mercado e de insegurança jurídica predominantes no Brasil, que permeou a criação do arranjo financeiro brasileiro, baseado no maior protagonismo dos bancos oficiais (PINHEIRO, 2007, p. 165).

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Daí se falar em uma corrente teórica denominada de estruturalistas, os quais afirmavam que o contexto comercial internacional criava um cinturão de aço de subdesenvolvimento para os países de industrialização tardia. Essas idéias foram objeto de estudo de John Martinussen (1997, pp. 73-85), que dedicou parte de sua obra Society, State and Market à análise da teoria estruturalista. Quanto ao caráter cíclico de interdependência entre desenvolvimento e subdesenvolvimento, vale ler a obra de um dos representantes da teoria estruturalista e membro da CEPAL: Celso Furtado, em Desenvolvimento e Subdesenvolvimento (2009); e Introdução ao Desenvolvimento (2000).

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Celso Furtado (1972), em Análise do ‘Modelo’ Brasileiro, defende este posicionamento e faz uma análise contextual da economia política do desenvolvimento brasileiro, apontando diversas alternativas de política econômica para alcançá-lo, mas sempre contando com a industrialização como fator primordial desse processo.

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Apesar de a autora não conceituar essa expressão, ela pode ser entendida da seguinte maneira: “two principles guided developmentalism: to make manufacturing profitable enough to attract private enterprise through the allocation of subsidies and to induce such enterprises to be resulted-oriented and to redistribute their monopoly profits to the population at large. (...) Step-by-step, governments groped toward a new control mechanism that replaced the invisible hand. The new mechanism ultimately shared credit with private initiative for a Golden Age of industrial expansion” (AMSDEN, 2001, p. 125).

3.2.1 Brasil: falhas de mercado industriais e financeiras, sob a ótica histórico- estrutural

De maneira concomitante a um aumento das exportações de produtos industrializados pelos países mais desenvolvidos, o Brasil contava com uma economia predominantemente agroexportadora. A atividade cafeicultora, por exemplo, era responsável por 80% (oitenta por cento) do valor total das exportações brasileiras, entre as décadas de 1920 e 1930 (IANNI, 2009, p. 29). A agro-exportação era a responsável pela sustentação da atividade econômica brasileira, cabendo-lhe também a posterior capacidade de gerar capital suficiente para criar condições de financiamento e investimento na economia90.

Diante de um contexto econômico internacional polarizado, com países exportando produtos industrializados e aqueles, como o Brasil, se valendo da exportação de insumos industriais e produtos agrícolas, verificava-se uma assimetria de poder competitivo entre ambos. Havia uma nítida desvantagem para estes últimos, que se dava tanto em relação aos preços dos seus produtos (amplamente inferiores), como por eles dependerem de ciclos de demanda da indústria – “do vigor da demanda cêntrica” (MELLO, 2009, p. 17). O resultado desse intercâmbio comercial acabava por estagnar a economia dos países de industrialização tardia, o que se convencionou chamar de “deterioração dos termos de troca”91. Esse é, resumidamente, o desenho da trajetória histórico-estrutural herdada por países como o Brasil (BIELSCHOWSKY, 2000, pp. 32-35).

90 Pode-se dizer que essa era a força motriz da economia brasileira, que sustentava os ciclos sistêmicos de acumulação de capital, explicados por Giovanni Arrighi (2006, p. 03).

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Para os estruturalistas, a industrialização tardia e a deterioração dos termos de troca poderiam ser entendidas como: “Irrespective of the specific explanation of the deteriorating terms of trade for the less developed countries, the observed trend meant that these countries had to increase their exports very significantly in order to gain sufficiently large foreign exchange earnings to finance the import of continuously more expensive production equipment, if they wished to start an industrialization process. Prebisch and the other structuralists did not conclude from this that the less developed countries should abstain from industrializing. On the contrary they concluded, as indicated above, that the developing countries should initiate an industrialization process as soon as possible; it would only become more and more difficult as time went by and the terms of trade further deteriorated. In addition they judged that the poor countries had a right to protect their domestic industries over a long transition period because, as latecomers, they would otherwise be suppressed by the international market mechanisms and the dominance of the large transnational corporations”. (MARTINUSSEN, 1997, p. 75-76) Para uma leitura complementar da teoria das vantagens comparativas e da deterioração dos termos de troca, ler Mantega (1998, p. 16).

O funcionamento da economia brasileira era sustentado pelo cenário acima descrito (de agro-exportação), que também era responsável pelo emprego de grande parte da mão-de-obra brasileira92. A sua maioria residia na zona rural e era sub- remunerada pelas condições de trabalho impostas – um subemprego –, as quais condicionavam um padrão de renda muitas vezes compatível meramente com a subsistência dessas pessoas (MELLO, 2009; MANTEGA, 1998, p. 19).

Já nos centros urbanos, pode-se dizer que vivia uma pequena parcela da população, composta por uma considerável massa excluída e uma pequena elite econômica. Esta concentrava grande parte da rentabilidade da agro-exportação que movia a economia do país, sendo ela “dividida” entre as elites políticas e as agroexportadoras, que, por vezes, se confundia, principalmente na zona rural (BRESSER PEREIRA, 2001, p. 227).

Celso Furtado (1972) verifica que o diagnóstico da expansão da industrialização estrangeira, e a cada vez maior exportação dos seus produtos, trouxe consigo uma “modernização dos hábitos de consumo”. Aqueles que detinham a grande parte da renda nacional, além de concentrá-la, ainda a utilizavam de modo a perpetuar a amarra estrutural determinada pelos novos padrões de consumo, uma vez que alimentavam os ciclos de demanda e as condições de “deterioração dos termos de troca”93.

Diante dessa contextualização histórico-estrutural da economia brasileira, surgiram indagações sobre como alcançar a industrialização e, a partir dela, o desenvolvimento econômico. Para tanto, algumas soluções e teorias foram pensadas.

Uma das propostas se baseava em um aumento substancial da capacidade de exportação, de modo a angariar os recursos necessários para o financiamento da indústria. Essa alternativa trazia consigo a vantagem de se inspirar no sucesso do modelo liberal: de que os recursos estariam disponíveis pelos próprios mercados.

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Por exemplo, a indústria têxtil brasileira empregava por volta de três mil funcionários no início do século XX, um número expressivo para a época, segundo Werner Baer (2008, p. 27-28). Complementar a isso, Guido Mantega (1998, p. 19) estuda essa questão, falando da abundância de mão-de-obra disponível no campo, que era subutilizada e contribuía para manter a condição de subdesenvolvimento. Esse fato também colaborava à facilidade de retornar ao campo em caso de uma possível estagnação da economia industrial, como levantou Thomas Skidmore (1998). Em suma, era essa a situação da mão-de-obra brasileira quando se pensava sobre a industrialização do país.

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Para um melhor entendimento dessa ideia da dependência através da modernização dos hábitos de consumo, leia-se: “Se, nos países desenvolvidos, o fluxo de novos produtos e o complexo de inovações tecnológicas que os acompanham são essenciais ao funcionamento da economia capitalista, no âmbito mundial tais fatores operam no sentido de preservar as relações de dominação de dependência que caracterizam a atual economia internacional”. (FURTADO, 1972, p. 13)

Seriam os mecanismos de mercado os responsáveis pelo financiamento da indústria, tal como ocorreu na Inglaterra. Todavia, caso essa alternativa fosse adotada, o Brasil continuaria tendo os mesmos problemas com os termos de troca e as demandas cíclicas da indústria estrangeira. Ou seja, os mecanismos endógenos – de financiamento, inovação e lucratividade – do mercado não seriam suficientes para gerar a capacidade financeira necessária para o financiamento da indústria em um local com as características brasileiras. (AMSDEN, 2001)

Ao seguir esse raciocínio e somando-se a ele a questão da renda da população assalariada brasileira, surge outro problema sobre como reunir o capital disponível para o financiamento da atividade econômica: qual seria a possibilidade de poupar de um trabalhador rural sub-remunerado? Assim sendo, de onde surgiriam os recursos necessários, já que o mercado não era um agente capaz de reuni-los e disponibilizá-los para a instalação da indústria?

Algumas teorias apresentaram a tese de que a resposta estaria na criação de alternativas institucionais exógenas ao mercado, como opção para o financiamento e desenvolvimento industrial. Isso ocorreria a partir de uma forma heterodoxa dos modelos de captação e investimento de recursos das economias mais desenvolvidas. O Estado deveria assumir a função de angariar esses recursos e investi-los estrategicamente determinados em setores industriais. Ele funcionaria como esse fator exógeno ao mercado, proporcionando o big push94 (o grande impulso) do desenvolvimento econômico brasileiro.

Uma vez que o primeiro desafio do Brasil era conseguir se industrializar, anterior a qualquer fator, seriam necessários vultosos investimentos em obras de infraestrutura, como rodovias, ferrovias, telecomunicações, etc. O parque industrial deveria possuir consideráveis atrativos para se instalar, que deveriam ir desde incentivos fiscais até o escoamento da sua produção. Entretanto, esses empreendimentos, ainda que proporcionem elevado retorno de capital esperado, dependem de um longo período de

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Nesse sentido: “Rosenstein-Rodan claimed that the barriers to growth could be overcome, but this required active state involvement in education of the workforce and in the planning and organising of large-scale investment programmes. And they had to be large-scale in order to set a self-perpetuating growth process in motion. Rosenstein-Rodan compared the ‘big push’ with an aeroplane’s take-off from the runway. There is a critical ground speed which must be passed before a craft can become airborne. A similar condition applied to the growth process: launching a country into self-sustaining growth required a critical mass of simultaneous investments and other initiatives” (MARTINUSSEN, 1997, p. 57). Para uma visão complementar da teoria do big push, ver MANTEGA, 1998, pp. 27-33.

maturação de investimentos, que envolvem custos irreversíveis altíssimos – levando em consideração, também, os altos índices de inflação vividos pela economia brasileira até um passado recente (SUZIGAN, 1976, p. 86).

É difícil acreditar, diante desses fatores, se algum outro ator além do Estado teria interesse em arcar com as obras de infraestrutura industrial. Estas demandavam investimentos que, à época, serviriam para integrar regiões lucrativas a locais menos atrativos para o capital privado. Não haveria, portanto, economia de escala o suficiente para suportar os investimentos. O financiamento privado não conseguiria arcar com a demanda por empréstimos de longo prazo e assumir esses compromissos. Por isso, não se poderia contar com os investidores e bancos privados para assumir esses custos (SCHAPIRO, 2010).

Em um país como o Brasil, com inúmeras falhas em seu mercado95; mão-de-obra desqualificada; necessidade de grandes obras de infraestrutura, e etc., restava ao poder estatal assumir a responsabilidade dessas atividades, desde o financiamento, até a sua execução e funcionamento. Um exemplo de toda essa contextualização da realidade brasileira foi a criação da rede telefônica nacional, através da empresa estatal Telebrás, criada a partir de financiamento público:

A ausência de mercado e de capitais e de alternativas de financiamento de longo prazo, bem como a elevada incerteza quanto à manutenção das regras do jogo, principalmente no que se referia à recomposição tarifária, tornaram inviável que o empresariado nacional assumisse o papel de controlador em um setor como a telefonia. Por isso, atividades intensivas em capital como esta podiam ser lideradas apenas pelo governo ou por empresas estrangeiras (o que não era desejável). Em outras palavras, a concentração de poupança no governo e a inexistência de mercados de capitais e de financiamento privado decorrentes dessa concentração levaram a mais intervencionismo estatal e à ampliação de justificativas para a existência de bancos oficiais, em uma profecia auto-realizadora (HADDAD, 2007, p. 274).

Diante desse cenário, em um primeiro momento, o Estado deveria buscar o que Guido Mantega (1998, p. 28-29) denomina de lucro social, para criar atrativos ao setor privado. O poder público deveria assumir determinados ramos de investimento que não eram de interesse dos atores de mercado, mas que, depois de estatuídos, se tornariam atrativos economicamente para a iniciativa privada. O primeiro passo em direção ao desenvolvimento de determinadas atividades, muitas vezes, se vê amarrado a um

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investimento deficitário. No entanto, em uma análise do todo para o país, este é estrategicamente importante ao seu futuro, para que ele possa auto sustentar o seu modelo de desenvolvimento.

Sendo assim, caberia ao Estado assumir o financiamento e manutenção de empreendimentos de longo prazo de maturação, que seriam feitos através de empréstimos de bancos públicos a empresas estatais, principalmente (SCHAPIRO, 2010).

Aliada à questão da construção do parque industrial, a atração da mão-de-obra é outro fator a ser considerado. Vale ressaltar que, até 1950, a população urbana no Brasil era somente de 40% (quarenta por cento) (SKIDMORE, 1998, p. 195-196). A indústria deveria ser amparada por uma quantidade significativa da massa da população trabalhadora ativa, que, em grande parte, residia no campo. Para que isso se concretizasse, o salário pago pela indústria deveria ser necessariamente maior do que a baixa rentabilidade do trabalho rural. A partir da transferência dessa mão-de-obra para as cidades, isso levaria à maior utilização de instituições financeiras e maior capacidade de poupar da população, considerando um salário maior a ser pago pela indústria; ambos são fatores que, posteriormente, aumentariam o montante de capital para investimento disponível (MELLO, 2009).

Nesse cenário, caberia ao Estado reunir esse aumento da disponibilidade de recursos e investi-los estrategicamente – aumentar a eficiência alocativa da economia como um todo. O sucesso em congregar e destinar esses recursos estaria nas mãos do Estado, devido à sua maior expertise (naquele momento) para coordenar e selecionar de maneira estratégica os setores mais importantes para o desenvolvimento econômico.

Desse modo, se a saída para o crescimento e o desenvolvimento econômico era a indústria, no Brasil ela dependeria, em grande medida, de estratégias de investimento diferenciadas das experimentadas pelos países desenvolvidos. Isso ocorreria a partir de uma participação também distinta do Estado, angariando e disponibilizando recursos no sistema financeiro para o financiamento da atividade econômica, e criando condições de mão-de-obra e infraestrutura suficientes para o desenvolvimento industrial. Essas são (algumas) justificativas que levam o Estado a coordenar a economia como um todo, desde o setor financeiro ao industrial:

A intervenção estatal no setor financeiro também se justifica por sua importância para o bom funcionamento da economia como um todo e, em especial, para promover o desenvolvimento. Há farta evidência empírica de que sistemas financeiros “profundos” e eficientes alavancam o crescimento econômico (Beck, Levine e Loyaza 2000; Watchel 2003). O sistema financeiro promove o investimento e o crescimento da produtividade por diversos meios: reduz custos de informação e de transação; permite a transferência, a diversificação e o compartilhamento do risco, estimulando a realização de atividades arriscadas, mas com elevado retorno esperado; aloca recursos para os projetos mais produtivos; monitora os gerentes e reduz os problemas de agência na gestão das empresas; estimula a poupança; e facilita a negociação de bens e serviços por meio do acesso ao sistema de pagamentos (Levine 1997; Pagano, 1993). (PINHEIRO, 2007, p. 160).

A análise dos fatores aqui descritos, junto aos apresentados por Armando Castelar Pinheiro (2007), levam à seguinte conclusão: os modelos de intervenção econômica adotados pelos países desenvolvidos e responsáveis pelo sucesso do seu desenvolvimento econômico, não necessariamente seriam os condutores do desenvolvimento da economia brasileira.

Ainda que o mercado de capitais tenha sido primordial para a industrialização inglesa, como os bancos foram para a economia alemã, nota-se que a aplicação prática desses modelos, de forma copiada, em uma economia como a brasileira encontraria dificuldades de se efetivar. Passo então, à descrição de como o Estado se organizou institucionalmente, criando mecanismos de coordenação para intervir na economia na tentativa de superar os entraves econômicos do Brasil e alcançar o desenvolvimento econômico; tudo isso a partir da predominância dos bancos oficiais brasileiro nesse processo.

3.3 Coordenação pública da economia de mercado: bancos públicos e mecanismos compulsórios de financiamento e desenvolvimento da economia

Ainda que vivendo uma realidade extremamente distinta, a adoção de padrões de intervenção estatal na economia de países desenvolvidos era um curso natural a ser seguido por economias retardatárias. Isso foi vivido tardiamente pelo Brasil, também. Por exemplo, inspirado no liberalismo, até 1930, o começo da industrialização (o setor têxtil, basicamente) foi fundado sem grande participação estatal. Em outro momento, o pós-intervencionismo, com maior presença do Estado na economia também pautou o

modelo de desenvolvimento brasileiro. Mesmo assim, com diferenças substanciais em relação aos modelos em que se espelhavam96 (SKIDMORE, 1998).

Em decorrência das condições contextuais históricas e estruturais do Brasil, a industrialização tardia não poderia ser alcançada nos moldes do liberalismo clássico, como ocorreu com a Inglaterra, ou como a coordenação econômica alemã, mesmo que a economia brasileira apresentasse eventuais semelhanças com esses sistemas. Preceitos como a garantia do funcionamento do sistema de preços (getting the prices right) deveriam ser substituídos por modelos alternativos de intervenção na economia, permitindo mecanismos de coordenação mais adequados (getting the control mechanisms right97) ao cenário de industrialização tardia do Brasil (AMSDEN, 2001, p. 11).

Diante das especificidades da história brasileira, para utilizar a expressão de Alice Amsden (2001), o sneaking ahead não deveria ser buscado através da cópia dos modelos já estatuídos pelos países desenvolvidos, unicamente. O Estado deveria proceder à criação de alternativas institucionais adequadas para coordenar os investimentos necessários ao desenvolvimento do país, não descartando as teorias e modelos econômicos dos países industrializados, mas utilizando os seus preceitos e aplicando-os às respectivas especificidades da economia brasileira98. Para Ricardo Bielschowsky (2000, p. 25): “os países subdesenvolvidos mereciam uma formulação teórica independente ou pelo menos adaptada, porque em aspectos relevantes funcionavam de forma diferente dos desenvolvidos”.

Após o estabelecimento da indústria têxtil no Brasil, sem grande participação estatal (SKIDMORE, 1998), foi a partir da década de 1930 que o Estado passou a atuar por meio de um intervencionismo consciente. No primeiro Governo Getúlio Vargas, foi

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Thomas Skidmore (1998, p. 118-119) descreve o começo da industrialização brasileira a partir da Escola Liberal de Manchester. Quanto ao pós-intervencionismo, Vinícius Marques de Carvalho (2007, p. 54) descreve as diferenças entre o Estado Social anglo-saxão e o nacional-desenvolvimentismo brasileiro. 97

Para um melhor entendimento do termo leia-se: “A control mechanism is a set of institutions [arranjo