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2. Arquitetura Normativa e Jurisprudencial: vozes e atores

2.3 Caso das privatizações

2.3.2 O STF e o PROES

Em 2005, o STF se pronunciou sobre a constitucionalidade de determinados dispositivos da MP 2.192-70/01. Isso ocorreu em decisão de medida cautelar da ADI 3.578/DF – ADI da privatização do BEC –, proposta pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B). O Plenário se reuniu para decidir a matéria um dia antes do leilão de privatização do Banco do Estado do Ceará (BEC). Mais uma vez não se escutou a Presidência da República, nem o Congresso Nacional – réus da lide –, devido à urgência do caso.

Uma das alternativas para a privatização dos bancos estaduais era a União adquirir o controle acionário da instituição financeira estadual, já com o fim de privatizá-la. No caso do Banco do Estado do Ceará foi isso que aconteceu, em consonância com o art. 3º, I, da MP 2.192-70/01: “Para os fins desta Medida Provisória,

poderá a União, a seu exclusivo critério: I – adquirir o controle da instituição financeira, exclusivamente para privatizá-la ou extinguí-la”.

Ocorre, contudo, que a Medida Provisória do PROES (lei federal) também previa a possibilidade das disponibilidades de caixa serem depositadas em bancos privados. A instituição financeira que adquirisse a maior parte do capital social do banco estadual poderia gerir os recursos das disponibilidades de caixa, além dos depósitos judiciais (até o seu levantamento), até o final do exercício de 2010, de acordo com os arts. 4º, §1º; e 29, caput, da MP 2.192-70/0161.

No que coube, o Plenário do STF aplicou alguns argumentos dos precedentes descritos no tópico anterior. Porém, neste caso, o STF estava diante de instrumento legislativo federal disciplinando a matéria e o vício de competência para criar a ressalva constitucional não poderia ser aplicado.

Alguns Ministros argumentaram pela inconstitucionalidade do texto normativo, afirmando que a ressalva ao texto constitucional possui um limite que deve ser ponderado, o que não se verificou no prazo estipulado pelo art. 4º, §1º, da MP 2.192- 70/01: até o exercício financeiro de 2010. No entanto, vale destacar que nenhum dos votos, e nem a decisão colegiada, indicam padrões para identificar qual seria esse limite. Isso pode ser verificado, inclusive, na ementa a ser transcrita adiante. O entendimento predominante sobre essa questão é que, segundo alguns votos: esse prazo criou uma exceção demasiadamente ampla ao texto constitucional e não poderia ser tolerado, sendo, por isso, inconstitucional.

Outro argumento utilizado, dessa vez, valendo-se dos precedentes, foi o princípio da moralidade administrativa. Uma vez que os recursos públicos devem ser geridos em conformidade com os princípios da Administração, eles não poderiam ser depositados em bancos privados, os quais não devem obediência a esses princípios. Voltou a figurar nos votos, também, o aspecto da gestão dos recursos públicos e a

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Segue a redação dos artigos citados: “Art. 4º (...) § 1º As disponibilidades de caixa dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos órgãos ou das entidades do poder público e empresas por eles controladas poderão ser depositadas em instituição financeira submetida a processo de privatização ou na instituição financeira adquirente do seu controle acionário, até o final do exercício de 2010. (...) Art. 29. Os depósitos judiciais efetuados em instituição financeira oficial submetida a processo de privatização poderão ser mantidos, até o regular levantamento, na própria instituição financeira privatizada ou na instituição financeira adquirente do seu controle acionário. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se às instituições financeiras oficiais cujo processo de privatização tenha sido concluído, bem assim às instituições financeiras oficiais em processo de privatização.”

necessidade de esses valores serem geridos de acordo com os princípios da administração, aplicáveis somente aos sujeitos de natureza jurídica pública.

Sendo assim, o princípio da moralidade estaria sendo, mais uma vez, desrespeitado, agora por parte dos artigos da medida provisória do PROES, que estavam sendo impugnados, aplicando-se os precedentes das ações descritas no item anterior, conforme se vê na ementa do julgamento:

EMENTA: I. Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade: caso de excepcional urgência, que autoriza a decisão liminar sem audiência dos partícipes da edição das normas questionadas (LADIn, art. 10, § 3º), dada a iminência do leilão de privatização do controle de instituição financeira, cujo resultado poderia vir a ser comprometido com a concessão posterior da medida cautelar. II. Desestatização de empresas públicas e sociedades de economia mista: alegação de exigência constitucional de autorização legislativa específica, que - contra o voto do relator - o Supremo Tribunal tem rejeitado; caso concreto, ademais, no qual a transferência do controle da instituição financeira, do Estado-membro para a União, foi autorizada por lei estadual (conforme exigência do art. 4º, I, a, da MPr 2.192-70/01 - PROES) e a subseqüente privatização pela União constitui a finalidade legal específica de toda a operação; indeferimento da medida cautelar com relação ao art. 3º, I, da MPr 2.192-70/01, e ao art. 2º, I, II e IV, da L. 9.491/97. III. Desestatização: manutenção na instituição financeira privatizada das disponibilidades de caixa da administração pública do Estado que detinha o seu controle acionário (MPr 2.192-70/01, art. 4º, § 1º), assim como dos depósitos judiciais (MPr 2.192-70/01, art. 29): autorização genérica, cuja constitucionalidade - não obstante emanada de diploma legislativo federal - é objeto de questionamento de densa plausibilidade, à vista do princípio da moralidade - como aventado em precedentes do Tribunal (ADIn 2.600-MC e ADIn 2.661-MC) - e do próprio art. 164, § 3º, da Constituição - que não permitiria à lei, ainda que federal, abrir exceção tão ampla à regra geral, que é a de depósitos da disponibilidade de caixa da Administração Pública em instituições financeiras oficiais; aparente violação, por fim, da exigência constitucional de licitação (CF, art. 37, XXI); ocorrência do periculum in mora: deferimento da medida cautelar para suspender ex nunc a eficácia dos arts. 4º, § 1º, e 29 e parágrafo único do ato normativo questionado (MPr 2.192/70/01). (ADI 3578 MC, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 14/09/2005, DJ 24-02-2006 PP-00006 EMENT VOL-02222-01 PP-00182)

Isto posto, o resultado da votação foi unânime para declarar inconstitucionais os arts. 4º, §1º; e o art. 29, caput, da MP 2.192-70/01, deferindo a medida cautelar para suspender a eficácia desses artigos. As disponibilidades de caixa não poderiam ser depositadas em bancos privados, nem mesmo pela ressalva de legislação federal, para o período até 2010, medida válida para os depósitos judiciais, também.