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1.2 Problemática

1.2.1 Barragens na bacia amazônica

Atualmente, os governos da região estão planejando a construção de 151 barragens para a geração de energia elétrica (Finer e Jenkins, 2012) em todos os principais afluentes andinos do rio Amazonas (Caquetá/Japurá, Madeira, Napo, Marañon, Putumayo/Iça e Ucayali) (Figura 1.3), abrangendo cinco países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador e Peru.

Como sabemos, o rio Amazonas está intimamente ligado à cordilheira dos Andes. Os Andes fornecem a grande maioria dos sedimentos, nutrientes e matéria orgânica para o curso principal do Amazonas, alimentando um ecossistema de várzea. Finer e Jenkins (2012) analisaram o impacto causado por estas barragens de maneira global, no curso da bacia, considerando os impactos no local e os causados, na planície da bacia. Das 151 barragens projetadas 71 delas são de alto impacto ecológico, 51 delas de impacto moderado e 29 de baixo impacto ecológico.

8 Figura 1.3. Localização e nível de impacto ecológico das barragens na bacia amazônica. Adaptada de Finer e Jenkins (2012)

O rio Madeira é um dos principais afluentes do rio Amazonas, em termos de vazão líquida (30 %) e sólida (50 %). Atualmente, neste rio estão sendo realizadas as obras de duas barragens (Santo António e Jirau), na região da fronteira Brasil/Bolivia. O fato de o rio Madeira trazer a metade do fluxo de sedimentos, transportado pelo Rio Amazonas, gera diferentes questionamentos sobre as mudanças nos processos de transporte de sedimentos na bacia amazônica. Percebe-se que a maioria das usinas planejadas, na região, está nos rios com forte carga de sedimentos. Assim, questionamos qual percentagem e quais tipos de sedimentos ficarão depositados nas barragens. Outro questionamento é se os processos de assoreamento afetarão de maneira grave o funcionamento e a vida útil das usinas planejadas.

O monitoramento do transporte de sedimentos representa uma ferramenta fundamental para poder responderessas perguntas e ajudar no planejamento regional da instalação de usinas hidroelétricas.

9 1.2.2 Mudança de uso do solo e o impacto sobre a hidrologia

A bacia amazônica é coberta por grandes extensões de florestas densas. O desmatamento raso é o método mais comum de desenvolvimento que tem sido utilizado, e, é a principal causa de distúrbios na natureza na região Amazônica, pois interfere em ciclos naturais, como os da água e do carbono. Essa prática altera, rapidamente, as características hidrológicas e físicas dos solos e, consequentemente, pode alterar os processos de transporte de sedimentos nos rios da região.

A erosão e a perda de solo são as consequências mais óbvias do desmatamento, assim como, a perda da capacidade de infiltração e retenção da água. Isso influi, diretamente, nas condições hídricas das bacias. As funções da bacia hidrográfica são alteradas, quando a floresta é desmatada. A precipitação nas áreas desmatadas escoa rapidamente, formando as cheias, seguidas por períodos de grande redução ou interrupção do fluxo dos cursos d’água. Os padrões regulares das cheias são importantes para o funcionamento do ecossistema natural do rio e das regiões arredores.

No Brasil, a Amazônia Legal vem sendo desmatada a partir da década de 1960. A fronteira agropecuária, com incentivo do Governo Federal, se expandiu para o oeste da bacia. Tal expansão continua ocorrendo e resultará em taxas elevadas de desmatamento, na bacia do rio Amazonas (Achard et al., 2002; Fearnside e Graça, 2006; Kaimowitz et al., 2004). Aproximadamente, 17% da bacia amazônica (excluindo Tocantins) foram desmatadas até 2007 (INPE, 2011), As principais zonas desmatadas estão na região leste e sul da bacia (Fearnside, 1993, Nepstad et al., 1999; Skole e Tucker, 1993). A pecuária é a maior responsável pelo desmatamento na Amazônia, cobrindo cerca de 75% da área total desflorestada (Faminow, 1998; Margulis, 2003). No entanto, a produção de soja, principalmente, como ração animal para exportação para a Europa e China (Nepstad et al., 2006), tornou-se mais importante na última década, utilizando outras áreas, como o cerrado e bosques, principalmente, no sul da bacia.

A pecuária, na região, vem crescendo, desde a década de 1970, passando de cerca de 18,7 milhões de unidades em 1985, para 35 milhões em 1995 e 56 milhões em 2006. Esse crescimento ocorreu, devido à melhoria das condições sanitárias de produção, permitindo a exportação para outras regiões do país e, também, para os mercados internacionais (Nepstad et al., 2006).

10 Sobre as rodovias existe certo consenso na literatura de que a abertura ou a pavimentação, das já existentes, facilitam o acesso dos agentes econômicos (como os agricultores) à áreas, até então, isoladas, diminuindo, assim, os custos de transporte e ampliando a área destinada à agropecuária, causando, então, mais desmatamento. Entre todas as variedades de culturas, a da soja é apontada pelos especialistas como a grande responsável pelo avanço do desmatamento na região amazônica. O cultivo da soja na região não é recente. Ele data de meados da década de 1950, quando o, então, Instituto Agronômico do Norte realizou alguns experimentos com essa cultura em áreas de várzea em Belém. Em 1982, foi registrada a primeira área para o cultivo comercial da soja, totalizando 60 hectares no Estado de Rondônia. No ano de 1984, a Embrapa Soja recomendou o plantio dessa cultura em Rondônia (Homma, 2006). A partir dessa época, a área ocupada pela soja foi crescente.

A Figura 1.4 mostra a área desmatada na Amazônia Legal no período de 1988 a 2011, alcançando o pico máximo em 1995 com mais de 29.000 km² desmatados e nos anos 2003 e 2004 com mais de 25.000 km². Depois de 2004 observa-se que a área de desmatamento, por ano, vai diminuindo, e, no ano de 2011 foi o de menor desmatamento, sendo de 6.400 km² (INPE 2011). A área desmatada até o 1988 é estimada em 355.000 km² e a média estimada de desmatamento é de 21.050 km²/ano.

Figura 1.4. evolução temporal do desmatamento. No ano 1988 a área desmatada era já de 355.000 km²

Fonte: http://www.obt.inpe.br/prodes/prodes_1988_2011.htm

Entre os estados pouco desmatados encontram-se o Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Roraima e Tocantins. Esses estados responderam, em média, por

0 5000 10000 15000 20000 25000 30000 35000 19 88 19 89 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 20 11 D e sm at am e n to a n u al (k m ²) ano

11 aproximadamente 16% de todo o desmatamento na região amazônica. Os estados desmatados de maneira mais intensa na Amazônia Legal são Mato Grosso, Pará e Rondônia.

Na Figura 1.5 são mostrados os diferentes cenários da cobertura vegetal da bacia Amazônica. O primeiro cenário (Control- CTL) mostra a bacia em um estado natural com suas condições potenciais. O segundo cenário mostra o ambiente “atual” (ano 2000), cenário (Modern- MOD) estimado por Eva et al., (2002) onde a quantidade de desmatamento é de, aproximadamente, 10% da área total. E dois cenários futuros (ano 2050) , em um extremo, o cenário “negócio como o habitual” (business-as-usual- BAU), que assume que: as tendências recentes de desmatamento continuarão; as rodovias, atualmente, programadas para a pavimentação serão feitas; a legislação que exige reservas florestais, em terras privadas, permanecerá baixa, e novas Unidades de Conservação, não serão criadas. O cenário BAU assume que até 40% das florestas no interior de Unidades de Conservação estão sujeitas ao desmatamento. No outro extremo, o cenário de "governança" (Governance-GOV) assume que a legislação ambiental brasileira é implementada, em toda a bacia amazônica, através do refinamento e multiplicação de experiências atuais. Essas experiências incluem a aplicação de reservas florestais obrigatórias, em propriedades privadas, através de um sistema de licenciamento baseado em satélites, zoneamento agroecológico do uso da terra, e a expansão da rede de Unidades de Conservação.

Para o ano 2050 o desmatamento chegaria a 30%, segundo o cenário GOV, e, de 49% ,segundo a análise BAU.

Coe et al., (2009) usou dois tipos de modelagem com os cenários futuros GOV e BAU estimando a precipitação e vazão das principais sub-bacias amazônicas. O primeiro é um modelo hidrológico físico, que integra uma variedade de processos em um modelo mecânico, basicamente, de balanço de massa e energia (Integrated Biosphere Simulato -IBIS). O segundo é um modelo hidrológico de circulação atmosférica global, de grande escala, que considera a retroalimentação causada pela floresta (evapo- transpiração) (Community Climate Model version 3 -CCM3) que é aplicado no primeiro modelo. Os resultados dos modelos foram comparados com as modelagens para o cenário CTL.

12 Figura 1.5. Cobertura vegetal da bacia amazônica, com três classes: florestas tropicais sempre verdes (verde), Cerrado (bege) e agricultura (amarelo). Cenarios da vegetação potencial (CTL) como reconstruído por Ramankutty e Foley (1998); distribuição da vegetação do ano de 2000 (MOD), estimado por Eva et al. (2002); e os cenários para o ano de 2050 por Soares-Filho et al. (2006) com forte governança do desmatamento (GOV) e governação relativamente fraca (BAU)

Fonte Coe et al., 2009

A precipitação estimada com o segundo método mostra uma diminuição que varia, dependendo da região, entre 5 e 15% para o cenário GOV e ente 5 e 20% para o cenário BAU. Os resultados da vazão estimada mediante o primeiro e segundo modelo encontram-se na Figura 1.6a e 1.6b respetivamente.

A Figura 1.6a mostra os resultados do modelo IBIS, indicando um incremento da vazão em todas as sub-bacias, sendo o incremento maior, para o cenário BAU. O modelo CCM3-IBIS, que considera a dinâmica atmosférica, mostra como resultado, uma diminuição da vazão em todas as sub-bacias, excluindo as bacias de Tapajós e Tocantins. Em termos gerais, a diminuição da vazão é mais forte para o cenário BAU. Observando a Figura 1.6 pode-se notar a importância da vegetação no ciclo

13 hidrológico. Com uma diminuição da precipitação entre 5% para a região do alto Solimões (a montante da foz do rio Iça) no cenário de BAU e GOV, a diminuição da vazão é de 1 e 0% para os cenários de BAU e GOV, respectivamente.

Figura 1.6. Mudança relativa da vazão média anual em várias sub-bacias para os cenários futuros GOV (azul) e BAU (vermelho), com respeito à CTL. A vazão é estimada mediante as simulações IBIS (a) e o modelo integrado CCM3 -IBIS (b).(Adaptada de Coe et al., 2009)

No entanto, como as observações indicam (Bradshaw et al., 2007), é razoável esperar que uma mudança no meio ambiente resultará num aumento da amplitude da vazão entre as enchentes e as secas. Nestes trabalhos não são consideradas outras mudanças causadas pelo desmatamento, como a perda de solo e suas influências bioquímicas e morfológicas que afetam as águas dos rios. Como as simulações apresentadas preveem uma variação significante das condições hidrológicas, nas próximas décadas, é razoável esperar variações consideráveis nos níveis de descarga de sedimentos nas sub-bacias Amazônicas, impactadas pelos processos de

14 desmatamento. Para analisar e compreender esses fenômenos é fundamental contar com ferramentas adequadas para monitorar a qualidade das águas dos principais rios da Amazônia e as suas variações, no tempo e no espaço.