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1.2 Problemática

1.2.3 Difusão dos metais pesados nos rios Amazônicos Exemplo do Mercúrio

De modo geral, o monitoramento dos sedimentos tem sido objeto de crescente interesse, tendo em vista, que os sedimentos constituem um veículo para a difusão dos contaminantes e dos nutrientes. Os impactos danosos à saúde causados pela contaminação por metais pesados, tal como mercúrio, são objetos de amplos estudos ao redor do mundo. Os riscos toxicológicos e ecotoxicológicos deste metal decorrentes da biodisponibilização no meio ambiente são preocupantes (Hacon e Azevedo, 2006). Neste quadro, a região Amazônica é considerada uma região de amplo risco e, consequentemente, tem sido alvo de estudos nas últimas três décadas, uma vez que se constatou uma elevada descarga de mercúrio proveniente de garimpos.

A descarga de mercúrio na Amazônia, proveniente de atividades garimpeiras que se estenderam, em maior escala, do final da década de 1970, a meados da década de 1990, foi estimada em mais 2000 toneladas (Malm et al., 1998; Mallas e Benedito, 1986; Cleary, 1990; Lacerda, 1990). Hacon (1991) estimou que, somente, na região sul da Amazônia brasileira ao norte de Mato Grosso, houve uma utilização superior a 15 toneladas anuais de mercúrio, no pico da atividade garimpeira na década de 1980, calculando que houve uma descarga superior a 100 toneladas até meados da década de 1990. Outros autores também exemplificam esta maciça utilização do mercúrio nesta região na década de 1980. (Mallas e Benedito, 1986; Pfeiffer e Lacerda, 1988, Pfeiffer et al., 1989, Nriagu et al., 1992).

A lixiviação e a erosão de solos contendo mercúrio são processos que os transferem para a água e o sedimento, tanto em ambientes marinhos como d’água doce. Este fluxo envolve o mercúrio inorgânico, mas, grande parte, está associada com matéria orgânica particulada e dissolvida. Nos corpos d’água, o mercúrio pode ser lançado, diretamente, através de efluentes líquidos ou ser depositado na forma de particulado inerte ou reativo (Hg+2). O íon mercúrico (Hg+2) pode estar presente complexado ou quelado com ligantes, sendo esta, provavelmente, a forma predominante de mercúrio presente nas águas superficiais (Lindqvist et al., 1991).

Em águas e sedimentos, o Hg+2 dissolvido é convertido em metilmercúrio por processos químicos e, principalmente, microbiológicos, quando se trata de ambientes

15 aeróbicos e anaeróbicos (D’Itri, 1992). As taxas de metilação parecem variar em função de alguns parâmetros ambientais, como temperatura, pH, carbono orgânico dissolvido e particulado, cálcio e concentrações de sulfeto (Compeau e Bartha, 1985; Bjornberg et al., 1988; Lechler et al., 2000; Miller et al., 2003;). O metil-mercúrio, ao contrário da forma metálica, é facilmente assimilado pela biota, tem a tendência de se acumular nos organismos (bioacumulação) e magnificar-se através da cadeia alimentar (biomagnificação) (Bache et al., 1971, Barak e Mazon 1990, Meili 1997; Bidone et al., 1997; Barbosa et al., 1995).

Os fatores morfológicos e químicos têm um importante papel na determinação da taxa de adsorção e sedimentação do mercúrio no sistema aquático. A distribuição do mercúrio é fortemente correlacionada com conteúdo de carbono orgânico, e complexos solúveis em água, tais como humatos e fulvatos que podem quelar as espécies solúveis e insolúveis à água; os últimos precipitam-se diretamente da solução para o sedimento. Grande quantidade de mercúrio é adsorvido no húmus, em pH muito baixo (como no rios Negro ou Tapajós). Em valores de pH alto (caso dos rios descendo dos Andes), maior proporção de mercúrio é adsorvido pela fração mineral. Os complexos solúveis de mercúrio são adsorvidos pelo material particulado orgânico e inorgânico, e removidos pela sedimentação, em recursos hídricos aeróbicos. Enquanto, nos sedimentos anaeróbicos os compostos de mercúrio precipitados geralmente, são convertidos à sulfeto mercúrio (HgS), o que, pela sua elevada insolubilidade, reduz a possibilidade de serem reciclados para a coluna d’água (D’Itri, 1992 e Queiroz, 1995).

A matéria fina em suspensão tem grande capacidade de adsorver o mercúrio dissolvido. Foi detectada concentração de 34 mg de mercúrio por 1 kg de peso seco de sedimento, ligada ao material particulado. A capacidade de adsorção do mercúrio é, exponencialmente, proporcional à média da área superficial especifica das partículas em suspensão, com tamanho menor que 60 µm (Queiroz, 1995). Verifica-se que a quantidade de mercúrio que pode transportar um rio está diretamente ligada à quantidade de argilas transportadas por eles (Maurice Bourgoin et al., 2002). Assim, o monitoramento dos sedimentos nos rios pode servir para quantificar, de forma indireta, os fluxos de mercúrio nas bacias hidrográficas.

16 1.2.4 Estudosdo fluxo de Sedimentos na bacia Amazônica

O transporte de sedimentos na bacia amazônica situa-a na terceira colocação no mundo, depois do rio Huang- He (rio Amarelo) na China e Ganges-Bamaputra na India- Bangladesh. (Walling e Webb, 1996; Chakrapani, 2005), depositando 800 x 106 toneladas, por ano, de material em suspensão (MES) (Guyot et al., 2005). A bacia amazônica mostra altas taxas de erosão, sendo que, a grande maioria dos sedimentos provém dos Andes. Estes sedimentos são transportados para a planície de inundação onde podem ser depositados ou arrastrados em diferentes escalas de tempo (Meade et al., 1985).

Considerando o tamanho da bacia amazônica e sua importância, são relativamente poucos os trabalhos de pesquisa realizados para o entendimento dos fluxos de sedimentos nos rios. Estes trabalhos começaram nos anos de 1960: Gibbs (1967) com 74 amostras, coletadas durante duas campanhas, nos períodos de enchente e seca, estimou uma vazão de sedimentos de 500 x 106 ton/ano (mas não considerou as variações da concentração com a profundidade). Oltman (1968), durante três campanhas em enchente, vazante e seca, coletou amostras pontuais em diferentes profundidades das verticais , na estação de Óbidos, estimando uma descarga de 600 x 106 ton/ano. Meade et al. (1979) estimaram um fluxo sólido de 900 x 106 ton/ano. Meade (1985) com mais de 300 amostras integrais e pontuais de concentração de sedimentos, faz uma descrição dos fluxos laterais e estima o fluxo de sedimentos entre 1.100 e 1.300 x 106 ton/ano. Estas estimações foram calculadas, apenas, multiplicando a concentração de sedimentos com a descarga líquida do rio, assumindo uma relação simples, entre a concentração e a vazão.

Richey et al. (1986) dentro do programa CAMREX (Carbon in the Amazon River Experiment), adicionaram 200 amostras aos dados de Meade (1985) e obteve resultados parecidos aos anteriores. Bordas et al. (1988) e Bordas (1991), usando dados das entidades brasileiras, estimaram uma descarga sólida similar àquela estimada por Meade et al. (1979). Nittrouer et al. (1986 e 1995), usando uma sonda para medir a concentração em diferentes perfis no estuário do Amazonas, estimaram uma descarga ao oceano, entre 550 e 1.000 x 106 ton/ano.

No ano 2003 foi formado o Projeto HIBAM (Hidrologia da Bacia Amazônica –www.ore- HIBAM.org) em colaboração e a participação de instituições de diferentes países como:

17 França. Institut de recherche pour le développement (IRD), Géosciences Environnement Toulouse (GET), Institut National Des Sciences De L'univers - Centre National de la Recherche Scientifique (INSU-CNRS), L’Observatoire Midi Pyrénées (OMP), Laboratoire d’Etudes en Géophysique et Océanographie Spatiales (LEGOS) e HydroSciences Montpellier (HSM) e Expertise et spatialisation des connaissances en environnement (L'UMR ESPACE-DEV)

Brasil. Agência Nacional de Águas (ANA), Universidade de Brasilia (UnB), Universidade do Estado de Amazonas (UEA), Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Peru. Servicio Nacional de Meteorología e Hidrología (SENAMHI) e Universidad Nacional Agraria la Molina (UNALM)

Colombia. Instituto de Hidrología, Meteorología y Estudios Ambientales (IDEAM) e a Universidad Nacional de Colombia (UNC)

Bolivia. Servicio Nacional de Meteorología e Hidrología (SENAMHI) e a Universidad

Mayor de San Andrés (UMSA)

Venezuela. Universidade Central de Venezuela (UCV) e a Universidad Nacional Experimental de Guayana (UNEG) e,

Equador Instituto Nacional de Meteorología e Hidrología (INAMHI).

Entre essas institiçoes foi criada uma rede de amostragem multitemporal, de coletas a cada 10 dias, em vários rios da bacia amazônica e em todos os países amazônicos (Guyot et al.,1996; Filizola 1999 e 2003; Guyot et al., 2005; Filizola e Guyot 2004 e 2009). Usando os dados da rede HIBAM (mais de oito anos de dados) e os dados da ANA (Agência Nacional de Águas) e outras instituições no Brasil, Guyot et al., 2011 estima um fluxo de sedimentos entre 600 e 900 x 106 ton/ano na estação de Óbidos (última estação antes do oceano sem influência da maré).

O trabalho da equipe HIBAM se diferencia dos trabalhos anteriores porque coleta dados, a cada 10 dias, para suas estimativas. Essa resolução temporal permitiu demostrar, pela primeira vez, a não-unicidade da relação vazão liquida – concentração em sedimentos como mostra a Figura 1.7 onde ficam exibidas as variações, a cada 10 dias, dos dois parâmetros, por vários ciclos hidrológicos consecutivos (Martinez et al., 2009). Assim, fica demonstrada a importância de monitorar conjuntamente a

18 concentração de sedimentos e a vazão do rio Amazonas para poder acessar de maneira robusta a vazão sólida do maior rio do mundo.

Figura 1.7. Concentração de sedimentos em suspensão de superfície na estação de Óbidos, em função da vazão na mesma estação. Dados do projeto HIBAM coletados, a cada 10 dias, desde 1995. (adaptado de Martinez et al., 2009)

Martinez et al. (2009), relacionaram os dados do sensor MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer) com os dados de concentração de sedimentos em superfície (dados HIBAM), estimando um fluxo de sedimentos de 800 x 106 ton/ano. Juntando os dados HIBAM e de satélite, os autores conseguiram gerar, pela primeira vez, uma série de descarga sólida, achando um incremento de 20% na descarga sólida do ano 1996 até 2007 (Figura 1.8).

A produção de sedimentos em suspensão do rio Amazonas no Peru (alto Solimões) é estimada à 450x106 ton/ano, 12% provenientes da bacia do rio Napo, 40% do rio Marañón e 48% da bacia do rio Ucayali (Guyot et al., 2007a). Essa contribuição corresponde a 56% do fluxo estimado a jusante em Óbidos.

19 Figure 1.8. Descarga anual de sedimentos em suspensão na estação de Óbidos entre os anos 1996 e 2007. (adaptado de Martinez et al., 2009)

O rio Madeira é o outro grande transportador de sedimentos, representado 50% dos sedimentos carregados ao oceano (Guyot et al., 1996) pelo rio Amazonas. Filizola (2003) com dados de campanhas estima o fluxo de sedimentos do rio Madeira em 371 x 106 ton/ano e com dados da rede ORE-HIBAM estima 406 x106 ton/ano. Posteriormente, com dados da rede da ANA (Agencia Nacional de Águas) Filizola e Guyot (2009) estimam um fluxo de 285x106 ton/ano, representando 53% do fluxo sedimentar estimado na estação de Óbidos.