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Barreiras protecionistas: o grande entrave à circulação de produtos

2. REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, REFORMA AGRÁRIA E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O CAMPO.

2.4 Barreiras protecionistas: o grande entrave à circulação de produtos

As políticas agrícolas, para o século XXI, assumem novos paradigmas. Vive-se num tempo de Estado mínimo e crescimento de iniciativas privadas, do grande capital e dos acordos internacionais. A discussão sobre a necessidade da criação de estoques reguladores mundiais de alimentos, como combate aos mercados especuladores, tem ocupado as pautas de reuniões dos países ricos como alternativa de evitar crises de produção agrícola no mundo.

Os países mais vulneráveis à flutuação do mercado agrícola, por ser grandes importadores ou exportadores de alimentos, são os grandes defensores de estoques reguladores. O liberalismo não tem como garantir a sobrevivência das nações numa escala mundial. É necessária a atuação de órgãos internacionais democráticos na regulação e regulamentação de estoques e preços para manter os mercados mais estáveis e evitar especulações monopolistas.

Tem ocorrido uma agressiva competição alimentar entre as principais nações do mundo e estas podem como sempre ocorreu na história da humanidade, serem beneficiada num mercado regulador em detrimento das nações mais pobres. Para que isso não ocorra à regulamentação de normas e preços devem ser feitas de forma a contemplar todos sem favorecimento. Essa questão merece todo cuidado, pois os agricultores dos países pobres não dispõem das mesmas condições produtivas dos países ricos, são muito mais vulneráveis. A pauta de negociações em políticas dessa natureza deve priorizar populações com sérios problemas alimentares e não os interesses de grandes empresas vinculadas ao mundo agrícola. À medida que os estoques de alimentos diminuem, os preços sobem, é a lei da oferta e procura, e isso atinge fortemente as nações menos desenvolvidas.

No caso brasileiro, a soja foi o produto que mais ocupou área, mas, qualquer produto pode estar na mesma lógica de acumulação. A produção da cana sempre esteve fortemente ligada à produção agrícola brasileira, o país ainda é um grande produtor de álcool e cada vez mais esta atividade tem atraído o interesse de grupos internacionais que dominam grande parte dos investimentos. Tradicionalmente, a produção de cana ocupou principalmente grandes áreas do Nordeste brasileiro, hoje continua em expansão e predominando como atividade monocultora.

Muitas empresas agroindustriais tem se inserido no mercado e influenciado a agricultura mundial. São empresas que possuem capacidade tecno-científica e financeira para definir produtos agrícolas que serão priorizados nesses mercados. São decisivos na política

agrícola de vários países e tem ocorrido, no Brasil, a exemplo da Monsanto (Empresa de químicos dos EUA), na produção de soja transgênica.

No Brasil, também houve a fusão de grandes empresas agropecuárias do ramo de fertilizantes, ração, agroindústria, entre outros. O objetivo dessas grandes empresas é controlar a cadeia produtiva de determinado produto e dominar o mercado, transferindo serviços ou etapas produtivas para países com vantagens em mão de obra ou fiscais. As principais empresas vinculadas a estas cadeias produtiva são produtoras de sementes, fertilizantes e inseticidas, a exemplo da Monsanto, Dupont, Syngenta, Bayer, Dow Chemical, entre outras. Como enfatiza Porto-Gonçalves,

[...] essa geografia desigual do uso desses insumos no mundo revela o modo desigual como se valorizam os lugares, as regiões, os países e seus povos e suas culturas. E, insistimos, é preciso ver aqui a mesma lógica moderno- colonial que vem comandando o processo de globalização desde 1492. Há, com se vê, uma injustiça ambiental de fundo comandando a geopolítica mundial. Até mesmo as maiores fábricas de agroquímicos vêm se transferindo para os países pobres tendo, inclusive, o acidente mais sério com milhares de vítimas fatais ocorrido em Bhopal, na Índia, na fábrica da Union Carbide. Há, até mesmo, um cálculo de que a indenização de uma provável vítima de contaminação na Ásia, na África, no Caribe ou na América Latina é um custo menor de que uma vítima na Europa, nos EUA ou no Japão (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 267).

Este tem sido o papel das grandes indústrias ligadas ao setor agrícola, ou seja, dominar a produção, a comercialização e o consumo dos produtos no mundo todo. A agricultura familiar tem outra proposta, inclusive tem garantido o abastecimento do mercado interno e, em alguns casos, tem sido parceira das grandes indústrias, quando estas terceirizam parte da produção, e, com isso, não precisam empregar o capital, a terra, nem contratar e nem pagar trabalhadores. Ficam livres de impostos e de riscos naturais na produção. Tais práticas são garantias de lucros para as grandes empresas.

Com o aproveitamento da soja e do milho na produção dos bicombustíveis houve uma elevação nos preços desses grãos que comprometeu os estoques alimentares, justificado inclusive como uma alternativa aos problemas ambientais. Segundo Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO 2009), as estimativas apontam que mais de um bilhão de pessoas estão passando fome atualmente no mundo e que nas próximas décadas estes números serão maiores e o número de subnutridos será correspondente ás décadas anteriores. Um dos fatores responsáveis por esta situação tem sido o avanço dos agronegócios em detrimento a retração da agricultura familiar. Porto-Gonçalves (2006) considera que esse

modelo agrário-agrícola que se apresenta como o que há de mais moderno, sobretudo por sua capacidade produtiva,

Na verdade, atualiza o que há de mais antigo e colonial em termos de padrão de poder ao estabelecer uma forte aliança oligárquica entre as grandes corporações financeiras internacionais, as grandes indústrias-laboratórios de adubos e de fertilizantes, de herbicidas e de Semente, as grandes cadeias de comercialização ligadas aos supermercados e os grandes latifúndios exportadores de grãos (PORTO-GONÇALVES, 2006 p. 243).

Há muito que as nações desenvolvidas protegem-se mutuamente frente aos processos produtivos, é como se houvesse um “código de ética” entre elas para manter a posição que ocupa no cenário internacional e não comprometer o futuro econômico. Atualmente ainda é comum práticas dessa natureza, em razão disso, constata-se a dificuldade de romper a desigualdade entre as nações. O comum é que cada país tome para si a defesa de seus interesses econômicos e isto não está rompendo as diferenças econômicas entre países ricos e pobres.

Em tempos de revoluções tecnológicas, as nações mais desenvolvidas tem se tornado também grandes produtoras e exportadoras agrícolas, principalmente de grãos como soja e milho, que por sua vez tem sido grande fonte de alimento para o gado. As nações menos desenvolvidas não têm acompanhado o mesmo ritmo produtivo e se tornou mais vulnerável numa articulação de mercado internacional.

A soja e o trigo têm sido os grãos mais estratégicos no cenário produtivo internacional e dominado progressivamente os territórios das nações mais articuladas do mundo produtivo, além de alimentos servem também de matéria-prima a uma série de produtos como cosméticos e biodiesel e são de grande auxílio na alimentação humana e animal. Esses grãos, em particular a soja, com o advento das sementes transgênicas, tem aumentado sua produtividade num tempo cada vez mais curto.

Os mercados emergentes favoreceram e foram favorecidos por esta nova dinâmica macroeconômica que redimensionou os mercados mundiais, antigos paradigmas produtivos foram reestruturados numa alteração conjuntural na distribuição das exportações. Grandes produtores de grãos sofreram queda na produção como Canadá e Austrália, enquanto outros como Rússia aumentaram consideravelmente a participação no comércio mundial. É necessária uma instituição de abrangência mundial que possa coordenar essa política. A crise alimentar é a melhor ilustração para comprovar a ineficiência desses modelos monopolistas.

Tudo isso é fruto da revolução tecnológica que significou também a grande abertura de mercados para a produção e circulação industrial e agrícola atingindo a todos e

beneficiando poucos. Como sempre os países ricos levam vantagens sobre os agrícolas e agora também são fortes produtores dos produtos que importavam. Nesse contexto possuem dupla ou tripla vantagem, continuam forte na indústria, na agricultura e nos acordos internacionais de comércio. Em decorrência disso tem se tornado comum o discurso da FAO em estipular uma taxa de aumento da produção agrícola nos países em desenvolvimento maior que o crescimento demográfico e uma ajuda dos países ricos em estimular políticas públicas para estes países. Segundo Porto-Gonçalves,

Os preços internacionais dos produtos agrícolas só resultaram vantagens para uma maioria de agricultores que podem deste modo, continuar investindo, avançando e ganhando porções do mercado; são insuficientes e desfavoráveis para a maioria dos agricultores do mundo; insuficientes em geral para que possam investir e progredir; frequentemente insuficientes para que possam viver dignamente de seu trabalho, renovar seus meios de produção e conservar suas porções de mercado; e, inclusive, insuficiente para que a metade menos equipada, menos dimensionada e pior situada dos camponeses do mundo possa se alimentar corretamente. (PORTO- GONÇALVES, 2006, p. 236).

As barreiras protecionistas têm sido o grande entrave à circulação de produtos com ressalvas que frequentemente afetam economias em desenvolvimento que não conseguem atender às exigências internacionais ou promover a infraestrutura necessária à produtividade eficiente.

Nos últimos anos, o aumento dos preços tem sido o responsável pela crise mundial de alimentos principalmente em regiões com histórico de carência alimentar. O grande problema é que os produtos básicos da alimentação são produzidos por grandes empresas, uma alta de preços ou uma crise global pode atingir a todos. Essa situação tem afetado principalmente as economias mais pobres da África e da Ásia, os que mais sentem o impacto, pois a maior parte do orçamento dessas famílias é comprometida com a alimentação.

Esta situação mostra a necessidade de um planejamento estratégico como uma política de preços mínimos, controle de estoques num plano internacional e incentivos a autonomia produtiva regional. Segundo a FAO (2008), os alimentos subiram mais de 35%, em 2007 e mais de 70%, em 2008. O leite e seus derivados tiveram um aumento de 80% e os cereais em torno de 42%. O aumento dos preços dos alimentos também está condicionado a outros setores da economia, uma vez que grande parte da produção está sendo destinada a indústria de combustíveis, de ração animal, fertilizantes, cosméticos, entre outros.

No entanto, num momento de intensos mercados no mundo, uma questão localizada oferece riscos a todos. A agricultura mundial está trilhando caminhos que podem ser

desastrosos tanto ao ambiente quanto aos desafios sociais. Tem-se efetuado grandes campanhas, inclusive pelo governo em defesa dos biocombustíveis sem discutir os efeitos disso para o meio ambiente, os estoques alimentares, a política de preços, o combate a fome e a segurança alimentar. São questões sérias e com forte rebatimento nas nações mais pobres.