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Barreiras relacionadas com o doente

Desafios no controlo eficaz da dor oncológica no domicílio

II. Barreiras relacionadas com o doente

A literatura escassa revela que os doentes oncológicos em fase terminal encontram-se irritados com vários aspetos da permanência em ambiente hospitalar, dando preferência à permanência no próprio domicílio, especialmente devido à possibilidade de continuar a vida quotidiana junto da família e dos amigos. Além disso, doentes com cancro em estadio avançado querem estar no controlo da sua própria vida, dos cuidados de saúde prestados e de tudo relacionado com aqueles que amam. (Luijkx e Schols, 2011; Raynes et al., 2000)

O doente com cancro em fase avançada vê-se diante da situação de ter que enfrentar a perda progressiva das suas funções, lidar com as novas limitações impostas pela doença e tornar-se progressivamente dependente dos cuidados dos familiares e/ou

dos profissionais de saúde para as atividades rotineiras, como banho e higienização, alimentação, mobilização, administração de medicações, etc. Essa perda da autonomia pode desencadear sentimentos de frustração e humilhação, por vezes demonstrados em atitudes de rebeldia e recusa desses cuidados oferecidos.

Algumas pessoas têm o conceito cultural de que sentir dor pode estar relacionado à expiação de culpa ou ser parte natural do processo de ficar doente. Essa aceitação da dor como normal pode determinar o insucesso do seu alívio.

Os doentes cuja doença causa uma deformação ou uma mudança marcante na aparência são levados, muitas vezes, à recusa de contacto com os seus amigos e os seus familiares, numa tentativa de manter a própria imagem corporal, para que possam ser lembrados como eram previamente à doença. Assim, o doente acaba por procurar o isolamento, tornando-se deprimido e solitário. (Infante, 2006) Esse isolamento dificulta a comunicação com a equipa de saúde e por consequência, impede uma avaliação eficaz e um controlo adequado da dor e de outros sintomas.

Para o doente terminal, os cuidados domiciliários só são possíveis se existirem familiares ou amigos, os cuidadores informais, que queiram assumir a tarefa de o cuidar durante esse período. Além desse apoio, os doentes necessitam da assistência da equipa de saúde em decisões importantes relacionadas com o uso e titulação de medicamentos e com as técnicas práticas, tais como ter os horários das dosagens escritos, fazer registos do uso de auto administração dos medicamentos, além de receber da equipa as orientações necessárias à escolha dos medicamentos. (Berger et al., 2002; Barbosa e Neto, 2010)

O controlo ineficaz dos sintomas associados à progressão da doença ou aos efeitos secundários da terapêutica leva o doente ao internamento, como: dor persistente não controlada com opióides fortes no domicílio; alteração do estado de consciência; disfagia, dispneia, tosse produtiva, hemoptise, náuseas e vómitos persistentes, obstipação, oclusão intestinal, anorexia/caquexia, desidratação, xerostomia, mucosite e crises convulsivas.

Quando há instabilidade do quadro clínico, em virtude do aparecimento de novas intercorrências de difícil controlo no ambiente domiciliário, como hemorragias maciças, casos de delírio exacerbado, causando insegurança nos cuidadores, o doente deve ser

encaminhado ao setor de urgências em unidades de internamento hospitalar. Outras limitações relacionadas com os cuidados paliativos domiciliários seriam: recusa de alguns doentes a passar os últimos dias de vida em casa, solicitando internamento hospitalar para não incomodar os familiares e proteger os filhos pequenos; falta de confiança nos familiares e na equipa de saúde de que receberá todos os recursos necessários para um controlo adequado da dor e de outros sintomas e para que não sofra nos momentos finais e por último negação do agravamento da doença e da morte, solicitando internamento hospitalar para continuidade na terapêutica de objetivo curativo. (Santos, 2011)

Em ambiente hospitalar, o doente recebe atenção continuada. No domicílio, entretanto, dificilmente o doente será atendido 24 horas por dia, sete dias por semana. No hospital o doente sente-se tecnicamente mais amparado, enquanto no domicílio recebe maior apoio afetivo. No hospital, não há qualquer custo financeiro com medicamentos, alimentação ou outros utensílios. Só há custos com a deslocação dos seus familiares. Em ambiente domiciliário, todas as despesas ficam ao seu cargo. Contudo, no domicílio há maior privacidade, maior autonomia e poder de decisão, preservação da intimidade e o respeito pelas regras e costumes próprios do doente. (Gómez-Batiste et al., 1996)

Os cuidados ao doente oncológico no domicílio tornam-se um desafio maior quando o doente tem mais de 80 anos e outras comorbilidades como cardiopatia, hipertensão, diabetes, osteopatias, demências e já faz uso de muitos medicamentos. (Berger et al., 2002)

Ao aproximarem-se do momento da morte, alguns doentes podem sentir-se mais seguros em internamentos institucionalizados (casas de repouso, hospitais), particularmente se há dificuldades na prestação dos cuidados no domicílio em termos de apoio e de recursos para doentes ou cuidadores. Nessas situações, é ainda mais importante responder a tais preocupações e procurar a melhoria nos cuidados paliativos domiciliários, para que as pessoas possam alcançar a escolha inicial. (Gomes et al., 2012)

O doente com cancro em estadio avançado tem direito, seja no domicílio, seja em ambiente hospitalar a cuidados de saúde que atendam às necessidades específicas e

adaptadas às condições da sua doença, nomeadamente ao alívio da dor e de outros sintomas. O doente tem direito a que o seu comportamento, ainda que hostil, seja aceite e entendido pelos cuidadores formais e informais, a receber cuidados individualizados e a participar desses cuidados de acordo com as suas possibilidades e tem direito a ser respeitado na sua individualidade e nas suas escolhas. (Navalhas et al., 2000)

III. A família, o sistema de saúde e o cuidado ao doente paliativo no

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