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Cuidados paliativos no domicílio: um desafio

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Academic year: 2021

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(1)  . Bioética.  .    .  .    . ISABELLA  DE  ANDRADE  ARRUDA  .    . ISABELLA  DE  ANDRADE  ARRUDA  .    .      . CUIDADOS  PALIATIVOS  NO  DOMICÍLIO:     UM  DESAFIO   CUIDADOS  PALIATIVOS  NO  DOMICÍLIO:      . UM  DESAFIO  .  .  .    .  .      .  .        . Trabalho  de  Projeto  apresentado  para  a   obtenção  do  grau  de  Mestre  em  Cuidados   Paliativos,  sob  a  orientação  da  Professora   Doutora  Rosa  Begonha.   Trabalho  de  Projeto  apresentado  para  a   obtenção  do  grau  de  Mestre  em  Cuidados   Paliativos,  sob  a  orientação  da  Professora   Doutora  Rosa  Begonha.  . 2º  CURSO  DE  MESTRADO  EM  CUIDADOS  PALIATIVOS   FACULDADE  DE  MEDICINA  DA  UNIVERSIDADE  DO  PORTO   2º  CURSO  DE  MESTRADO  EM  CUIDADOS  PALIATIVOS   PORTO,  2012  . FACULDADE  DE  MEDICINA  DA  UNIVERSIDADE  DO  PORTO   1    . PORTO,  2012  .

(2) Isabella de Andrade Arruda1.           CUIDADOS  PALIATIVOS  NO  DOMICÍLIO:     UM  DESAFIO  . Trabalho  de  Projeto  apresentado  para  a   obtenção  do  grau  de  Mestre  em  Cuidados   Paliativos,  sob  a  orientação  da  Professora   Doutora  Rosa  Begonha.  . 1. Faculdade de Medicina da Universidade do Porto  .  .

(3) DEDICATÓRIA. ¬ minha mãe, Lígia Andrade (in memoriam)..  .

(4) AGRADECIMENTOS. A Deus, em primeiro lugar, fonte inesgotável de amor, minha força e refúgio. Aos meus pais, por todo amor, formação, compreensão, confiança e apoio incondicional de todas as horas. ¬ minha família, pelo apoio na superação dos obstáculos que a distância e a saudade impuseram durante este percurso. À Professora Doutora Rosa Begonha pela disponibilidade, dedicação e orientação necessárias à concretização deste Trabalho de Projeto. Aos bibliotecários que se dispuseram a ajudar na busca de livros e artigos relacionados ao tema, com enorme contribuição para a realização deste trabalho. A todos os doentes que tive o privilégio de acompanhar nos momentos finais das suas vidas e que tornaram-se a razão deste projeto. Aos amigos que acreditaram em mim, mesmo à distância, e que não me deixaram desistir. Ao meu pai e primeiro médico, Flávio Arruda, que pelo seu exemplo, ensinou-me o amor à prática da medicina e a ética no exercício da profissão. ¬ minha mãe, Lígia Andrade, que mesmo ao ausentar-se tão precocemente deste mundo, pôde deixar seu exemplo de força e superação diante das dificuldades impostas pelo cancro..    .

(5) Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta sem ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a branca, tão pegada, aconchegada em meus braços, Que rio e danço e invento exclamações alegres, Porque a ausência, essa ausência assimilada, Ninguém a rouba mais de mim. “Ausência” – Carlos Drummond de Andrade    .

(6) RESUMO Os cuidados paliativos domiciliários são referenciados como os cuidados que asseguram maior qualidade de vida ao doente oncológico em fim de vida em países onde estão implantados no sistema de saúde desde 1960. A prestação desses cuidados, segundo alguns autores, seria a mais desejável porque traria vantagens quer para o doente, quer para a família, quer para o sistema nacional de saúde. Surgem no entanto, algumas limitações de ordem social, psíquica, física e dificuldades familiares. Esses cuidados prestados no ambiente domiciliário são uma realidade relativamente recente em Portugal, quando comparados a outros países europeus e ainda representam uma área pouco considerada e de pouco investimento por parte dos serviços de saúde em Portugal. O cancro assume uma importante posição no âmbito dos cuidados paliativos domiciliários, seja pela preocupação com o controlo inadequado dos sintomas, especialmente o controlo da dor, seja pela insegurança e receios gerados no doente e sua família. São condições consideradas indispensáveis para a permanência do doente com cancro em estadio avançado no domicílio: o desejo do próprio doente, a presença da família e de cuidadores qualificados para os cuidados domiciliários prestados, boas condições de habitação, o adequado controlo dos sintomas, boa estrutura de apoio social e de recursos comunitários e suporte profissional da equipa de saúde em cuidados paliativos comunitários. O presente estudo pretende, através de extensiva revisão da literatura, enumerar os desafios relacionadas com os cuidados paliativos no domicílio, com ênfase no controlo da dor e de outros sintomas, reconhecendo as barreiras relacionadas com o doente, os profissionais de saúde, a família e o sistema de saúde na implementação desses cuidados. Tem também como objetivo apresentar um trabalho de projeto tentando identificar os receios dos doentes e dos seus familiares nos cuidados paliativos domiciliários, com a intenção de contribuir para a melhoria desses cuidados. Palavras-chave: Assistência domiciliária; cuidados paliativos; controlo da dor oncológica..    .

(7) ABSTRACT Palliative home care is referred as the care that ensures higher quality of life to oncologic patients at the end of their lives in countries where it’s established in the health system from 1960 to now. The provision of such care, according to some authors, would be the most desirable in order to bring more benefits either for the patient, for the family and for the national health system. However, some social, psychological, physical limitations and family difficulties may take place during the process. Palliative care at home is a recent reality in Portugal, when compared to other European countries and it represents an area yet poorly considered and with little investment from the health services in Portugal. Cancer takes an important position in the context of palliative home care, either by concern for the inadequate control of symptoms, especially pain control, either by insecurity and fears generated in the patient and his family. Some conditions are considered indispensable for the patient with advanced cancer to stay at home: the desire of the patient himself, the presence of family and qualified caregivers for the home care provided, good housing conditions, adequate control of symptoms, good structure of social support and community resources and professional support from the palliative care team at home. The present study aims, through extensive literature review, to list the challenges related to palliative care at home, emphasizing the control of pain and other symptoms, recognizing the barriers related to the patient, family, health professionals and health system in the implementation of this care. It also aims to present a project work trying to identify the concerns of patients and their families in home-based palliative care, intending to contribute to the improvement of this care.. Keywords: Home care; palliative care; cancer pain control..  .

(8) ÍNDICE. INTRODUÇÃO. 9. Cuidados Paliativos. 13.   OBJETIVOS. 19.   METODOLOGIA. 20.   REVISÃO DA LITERATURA. 21. Dor e controlo da dor. 21. Dor e sofrimento. 24. A dor no doente com cancro. 26. Desafios no controlo eficaz da dor oncológica no domicílio. 34. I. Barreiras relacionadas com os profissionais de saúde. 36. II. Barreiras relacionadas com o doente III. A família, o sistema de saúde e o cuidado ao doente paliativo no domicílio. 40 43. Intervenções de informação e de apoio às famílias nos cuidados domiciliários ao doente com cancro. 53. Espiritualidade, luto e medo de morrer. 54.   CONSIDERAÇÕES FINAIS. 57.     ANEXOS. 60. QUESTIONÁRIO. 61.   REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 64. ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1: Termos utilizados em controlo da dor.    . 23.

(9) SIGLAS E ABREVIATURAS. AINES - Anti-inflamatórios não esteroides. AECP - Associação Europeia de Cuidados Paliativos. ANCP - Associação Nacional de Cuidados Paliativos. APCP - Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos. APED - Associação Portuguesa para o Estudo da Dor. EVA - Escala Visual Analógica. EUA - Estados Unidos da América. IASP - Associação Internacional de Estudos da Dor. IPO - Instituto Português de Oncologia. OMS - Organização Mundial de Saúde. PIB PPA - Produto Interno Bruto em Paridade de Poder Aquisitivo. PGE - Prostaglandinas. RNCCI - Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. RNCP - Rede Nacional de Cuidados Paliativos. UCC - Unidade de Cuidados Continuados. UCP - Unidade de Cuidados Paliativos. UE - União Europeia.. 8    .

(10) INTRODUÇÃO No início do século passado, a maioria dos doentes enfrentava o fim da vida em casa, com apoio dos cuidados dos seus familiares e do suporte domiciliário do médico de família. Entretanto, essa realidade mudou a partir de 1950 e a morte no domicílio decorrente de uma doença crónica ou progressiva tornou-se menos comum. O aumento da prevalência do cancro nas últimas décadas, o empobrecimento das redes de suporte social de apoio ao doente, associados à incapacidade dos hospitais em abranger o número crescente de doentes e, finalmente, com objetivo de reduzir os custos relativos ao sistema de saúde, observa-se uma tendência à transferência dos cuidados hospitalares para os cuidados domiciliários prestados pela comunidade. Essa tendência vem sido acolhida pela sociedade, visto que a maioria das pessoas expressa o desejo por morrer em casa. (McWhinney e Stewart, 1994; Barbosa, 2012) Atualmente, com o progresso científico da medicina, o aparecimento de novas abordagens de intervenção e de novas tecnologias, Portugal tem evidenciado profundas alterações sócio demográficas, entre as quais o aumento na longevidade e na expectativa de vida da população, e portanto, um crescimento rápido do número de idosos e de doentes com doenças crónicas e progressivas. Com o aumento da sobrevida, há uma elevada percentagem de doentes cuja dor é o principal sintoma perturbador, causando impacto na sociedade e mobilizando os profissionais de saúde para a solução deste problema. (Capelas et al., 2009) Nesse contexto, destaca-se a atuação dos cuidados paliativos, que são cuidados específicos na doença avançada, incurável e progressiva e que buscam assegurar a melhor qualidade de vida possível a esses doentes, principalmente através da prevenção do sofrimento gerado pelos sintomas durante o processo da doença. Cuidados esses que idealmente deveriam ser dispensados no domicílio, o que não acontece com certa frequência em Portugal. (Neto, 2005; Barbosa e Neto, 2010) O atendimento domiciliário consiste no conjunto de atividades sociais e de saúde prestado em nível comunitário, que ocorre na casa do indivíduo, com a finalidade de identificar, avaliar e acompanhar os problemas de saúde do indivíduo e de sua família, promovendo o suporte, a autonomia e a melhoria na qualidade de vida. Essa definição, voltada para o atendimento domiciliário em geral, é aplicada aos cuidados paliativos ao 9    .

(11) se destacar a importância da equipa multidisciplinar ao atuar na complexa situação de uma doença em fase terminal. (Gómez-Batiste et al., 1996) O suporte domiciliário em cuidados paliativos exige uma rede de assistência disponível e flexível, que possa oferecer um controlo efetivo dos sintomas e uma morte digna ao doente, num ambiente onde as suas preferências sejam tidas como prioritárias, fazendo parte dessa organização o acesso fácil e rápido a medicamentos, em especial aos opióides. Além disso, deve haver disponibilidade de interconsultas com as Unidades de Cuidados Paliativos (UCP) e hospital de referência, para suprir eventual necessidade de internamento ou para realização de quaisquer procedimentos técnicos de terapêutica. O atendimento domiciliário em cuidados paliativos exige uma equipa multidisciplinar com profissionais treinados para aliviar os sintomas do doente; oferecer conforto e reforçar a sua autonomia; gerir as relações interpessoais entre o doente, sua família e a rede prestadora de cuidados, manter a integralidade da assistência e a continuidade de comunicação, informação, ensino e apoio aos cuidadores primários. (Abarshi et al., 2011; Santos, 2011) Em Portugal os cuidados paliativos tiveram início nos anos 90 e em 1997, no Centro de Saúde de Odivelas, a primeira equipa domiciliária de cuidados continuados e cuidados paliativos iniciou o seu trabalho na comunidade. Esse modelo de trabalho mostrou melhoria na dignidade e qualidade de vida dos doentes paliativos e das suas famílias, além de contribuir para a racionalização dos custos associados ao sistema de saúde. (Neto, 2005) Em 2006, com a criação da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) que contemplava também os Cuidados Paliativos, foram definidos os requisitos de reestruturação e funcionamento das equipas de cuidados paliativos a serem desenvolvidos neste campo de atuação (unidades de internamento em cuidados paliativos e equipas intra-hospitalares e domiciliárias de suporte em cuidados paliativos). (Henriques e Oliveira, 2011; Capelas et al., 2009) Os cuidados paliativos domiciliários são referenciados como os cuidados que asseguram maior qualidade de vida ao doente em fim de vida e a sua família em países onde estão implantados no sistema de saúde desde 1960. A ausência do risco de complicações oriundas do meio hospitalar, como as infeções nosocomiais, manutenção dos padrões socioculturais da pessoa e da família, promoção da autonomia, independência e autoestima do doente, entre outros benefícios, podem ser citados como 10    .

(12) fatores provedores de conforto a serem assegurados pela equipa de cuidados paliativos no domicílio. (Navalhas et al., 2000) Esses cuidados prestados no ambiente domiciliário ainda representam uma área pouco considerada e de pouco investimento por parte dos serviços de saúde em Portugal. Poderia tornar-se um ambiente onde ocorresse a resolução da maior parte dos problemas, propiciando ao doente oncológico uma morte digna no local desejado, com controlo adequado dos sintomas e apoio afetivo da família. (Neto, 2005) Apesar da proliferação de serviços de cuidados paliativos, as equipas multidisciplinares especializadas nesses cuidados ainda são distribuídas de forma desigual em algumas regiões, entre os grupos de doentes e em todos as unidades de cuidados e, quando presentes, as necessidades do doente e de sua família, o conhecimento médico insuficiente ou seus conceitos erróneos, e as políticas de assistência social e de saúde existentes poderiam determinar os limites sobre a frequência e a extensão do seu uso. (Abarshi et al., 2011; Henriques e Oliveira, 2011) Um estudo de âmbito nacional realizado em 2008 pela Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP), acerca do conhecimento dos portugueses sobre o que são os cuidados paliativos, revelou que apenas um terço da população mostrava espontâneo conhecimento sobre o assunto. Além da falta de informação, ainda há um nível baixo do consumo de opióides em Portugal, em grande parte devido à dificuldade de acesso a esses medicamentos, principalmente pelos doentes que se encontram sob cuidados paliativos domiciliários, fora das unidades de dor e de cuidados paliativos. (Capelas et al., 2009) Para a família, o cuidar do doente oncológico em fase terminal no domicílio, na ausência de suporte adequado e da elaboração de um plano de ensino e formação ajustados à realidade de cada domicílio por parte da equipa de cuidados paliativos, pode traduzir-se numa experiência solitária e angustiante. A família passa a confrontar-se com o sentimento de perda próprio da doença e com a insegurança de cuidar no domicílio. O cancro assume uma grande relevância nos cuidados domiciliários, seja pelos mitos e crenças gerados pela doença, seja pela insegurança, pelo medo irracional e pela imprevisibilidade que gera no doente e no seu meio familiar. Pode-se afirmar que a dor 11    .

(13) é para os familiares o sintoma mais preocupante da doença, sendo interpretada como algo terrífico e maléfico perante o qual os cuidadores não sabem como atuar, gerando um sentimento de impotência no contexto familiar. A dor é um sintoma comum no cancro, afetando aproximadamente 30% dos doentes no momento do diagnóstico e cerca de 70% dos doentes oncológicos em estadio avançado da doença. A persistência da dor traz sofrimento desnecessário e está diretamente relacionada com a perda da qualidade de vida desses doentes, quando não controlada adequadamente. Numerosos estudos realizados para avaliação da prevalência da dor oncológica revelam que um terço dos doentes com cancro em terapêutica ativa e dois terços dos doentes com doença avançada experimentam dor que necessita de controlo com analgésicos opióides potentes. Mostram ainda que pelo menos metade dos doentes em tratamento continua a sentir dor, apesar do aumento no investimento no controlo da dor nos últimos anos, evidenciando que o sintoma continua a ser frequentemente ignorado em favor da busca por terapêuticas curativas. (Diamond e Coniam, 1997; Foley, 2011) O controlo inadequado e ineficaz da dor gera grande sofrimento, o que origina e perpetua outros sintomas, tais como irritabilidade, depressão, insónia, astenia, anorexia, dispneia, em todas as abrangências inter-relacionadas: física, emocional, social e espiritual. O sintoma de dor, além de causar grande impacto negativo na qualidade de vida dos doentes, pode levar indivíduos independentes a serem obrigatoriamente internados em unidades hospitalares de cuidados, quando não há possibilidade de atendimento domiciliário. Além da dor, o doente tem outros sintomas associados à progressão da doença ou aos efeitos secundários da terapêutica que levam o doente ao internamento, como: alteração do estado de consciência; disfagia, dispneia, tosse produtiva, hemoptise, náuseas e vómitos persistentes, obstipação, oclusão intestinal, anorexia/caquexia, desidratação, xerostomia, mucosite e crises convulsivas associadas às metástases cerebrais.. 12    .

(14) Cuidados Paliativos O conceito de cuidado paliativo teve origem no movimento hospice, organizado por Cicely Saunders e seus colegas, em 1967, que difundiu mundialmente a ideia sobre o cuidar com dois elementos fundamentais: o controlo efetivo da dor e de outros sintomas, presentes na fase avançada das doenças progressivas, e o cuidado com as dimensões psicológicas, sociais e espirituais dos doentes e das suas famílias, inclusive no período de luto. A palavra hospice deriva do latim hospes, que significa estranho e depois anfitrião; hospitalis significa cordial, amigável, ou seja, “boas vindas ao estranho”, o que leva ao significado de hospitalidade. Em 1840, na França, os hospices tinham origem religiosa e funcionavam como abrigo aos peregrinos durante seus percursos, além de local para cuidado dos moribundos no processo do morrer. Em 1900, outro hospice surgiu em Londres e, em 1967 surgiu o St. Cristopher’s Hospice, que deu início a outros hospices independentes e revolucionou o conceito dos cuidados aos doentes terminais. No hospice, o centro de interesse desloca-se da doença para o doente e sua família. (Pimenta et al., 2006; Santos, 2009) O termo paliativo deriva do latim pallium, palavra latina que significa capa, manto, abrigo, proteção, dando uma excelente imagem para os cuidados paliativos: um manto protetor e acolhedor, que ocultaria o que está subjacente; no caso, os sintomas decorrentes da progressão da doença. A Organização Mundial da Saúde (OMS), em conceito definido em 1990 e atualizado em 2002, descreve os cuidados paliativos como “uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida dos doentes e dos seus familiares, que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável e/ou grave e com prognóstico limitado, através da prevenção e alívio do sofrimento, com recurso à identificação precoce, avaliação e tratamento rigoroso da dor e de outros problemas físicos, psicossociais e espirituais”. Os Cuidados Paliativos são cuidados intensivos de conforto. São prestados de forma sistemática por uma equipa multidisciplinar, cuja prática e método de tomada de decisões são baseados na ética clínica. Os cuidados paliativos têm como objetivo central o bem-estar e a qualidade de vida do doente, e deve-se, por meio de medidas vigorosas, combater os sintomas mais 13    .

(15) significativos que acometem o doente, para, a partir deste controlo, minimizar o sofrimento e oferecer os meios apropriados para que o processo da morte possa ser considerado mais digno. (Santos, 2009; Barbosa e Neto, 2010) Os cuidados paliativos afirmam a vida e reconhecem a morte como um processo natural; não aceleram nem prolongam a morte; integram os aspetos psicológicos, sociais e espirituais aos cuidados com o doente. Oferecem suporte para que o doente possa participar ativamente do processo decisório acerca de sua vida, se assim o desejar ou estiver em condições de fazê-lo, preservando, desta maneira, sua competência ou capacidade autónoma e auxiliando-o, ativamente e de um modo abrangente, na fase final de sua doença, a ter o que tem sido designado como “boa morte”. Promovem um sistema de apoio à família para lidar com a doença do seu ente afetado e durante o seu próprio período de luto. (Pimenta et al., 2006; Santos, 2009; Barbosa e Neto, 2010) A Organização Mundial de Saúde (OMS), em estudo realizado em 2003, revelou que das 56 milhões de mortes por ano no mundo, 33 milhões necessitavam dos cuidados paliativos. (Santos, 2011) Os cuidados paliativos estão indicados aos doentes diagnosticados como em fase de final de vida, ou seja, fase em que há esgotamento dos recursos médicos que sejam eficazes na terapêutica para fins curativos da doença ou para melhoria de sua condição clínica. A indicação dos cuidados paliativos é consequente a uma decisão multidisciplinar, com base na evolução clínica do doente e no prognóstico de sua doença, com participação do próprio doente e dos seus familiares. (Costa e Fernandes, 2007) Algumas situações clínicas podem ser indicativas no diagnóstico de doentes em fase final de sua doença, tais como: ausência de melhora após os diversos tratamentos específicos para sua doença; perda da capacidade de locomover-se e de alimentar-se sozinho; perda da capacidade laboral, de cuidar de si próprio; presença de anorexia, caquexia e baixa condição clínica; presença de sintomas perturbadores como dor, dispneia, náuseas, desorientação, diminuição do nível de consciência; incapacidade de desenvolver as funções fisiológicas. Nenhuma dessas situações deve ser analisada e compreendida separadamente. (Costa e Fernandes, 2007). 14    .

(16) Entretanto, o alívio dos sintomas perturbadores deve começar assim que eles surgem e não ser reservado para a fase terminal. Com a aproximação do fim da vida, o atendimento ao doente concentra-se mais na qualidade de vida - e controlo sintomático, especialmente da dor, tornando-se mais importante do que o controlo da própria doença. Os cuidados paliativos propostos devem atender à pessoa como um todo. Para que a assistência da equipa de cuidados paliativos seja efetiva e eficaz, é necessária uma equipa qualificada, interessada e empenhada no seu próprio crescimento, com objetivos comuns, com liderança motivada e aceite pelos demais membros, humanizada e de excelência técnica. A equipa multidisciplinar deve estar disponível diariamente, durante 24 horas, ser capaz de reconhecer sinais de emergência, identificar problemas e individualizar as queixas, responder às dúvidas e angústias apresentadas tanto pelo doente como pelos seus familiares, aliviar o sofrimento e, acima de tudo, escutar o doente. (Navalhas et al., 2000; Pimenta et al., 2006) A Associação Europeia de Cuidados Paliativos (AECP) foi criada em dezembro de 1988, com 42 membros fundadores, após uma iniciativa importante do professor Vittorio Ventafridda e da Fundação Floriani. O objetivo da AECP é promover os cuidados paliativos na Europa e de agir como um foco para todos aqueles que trabalham ou têm interesse, no campo dos cuidados paliativos nos níveis científico, clínico e social. Desde 1990, a sede da AECP tem sido baseada na Divisão de Reabilitação e Cuidados Paliativos no Instituto Nacional do Cancro, em Milão, Itália. Em 2004, a AECP contava com membros individuais em 40 países, com membros coletivos a partir de 30 associações nacionais em 20 países europeus, representando um movimento de cerca de 5000 profissionais de saúde e voluntários que trabalham ou se interessam por cuidados paliativos. (Bruera et al., 2006) Em Portugal os cuidados paliativos surgiram apenas no início dos anos 90, com a necessidade, por parte dos profissionais de saúde, da continuidade de cuidados aos doentes nos estadios mais avançados das doenças incuráveis e irreversíveis, com atenção especial ao doente oncológico. O Serviço de Medicina Paliativa do Hospital do Fundão (Centro Hospitalar Cova da Beira) teve origem na Unidade de Tratamento da Dor Crónica D. Eva Nunes Corrêa, fundada no Serviço de Anestesiologia, em 20 de Novembro de 1992, com camas de internamento para doentes em estadio avançado de doença oncológica. Posteriormente, em 1996, foi inaugurada a Unidade de Cuidados 15    .

(17) Continuados do Instituto Português de Oncologia do Porto, atual Serviço de Cuidados Paliativos. No ano de 1997, no Centro de Saúde de Odivelas, surgiu a primeira equipa domiciliária de cuidados continuados e cuidados paliativos. (Capelas et al., 2009; Barbosa e Neto, 2010) A atual Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP) foi fundada em 21 de Julho de 1995, com a designação de Associação Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), conforme se pode verificar no Diário da República, III Série, N.º 223, de 26 de Setembro de 1995. A Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos define cuidados paliativos como: “uma resposta ativa aos problemas decorrentes de doença prolongada, incurável e progressiva, na tentativa de prevenir o sofrimento que ela gera e de proporcionar a máxima qualidade de vida possível a estes doentes e às suas famílias. São cuidados de saúde ativos, rigorosos, que combinam ciência e humanismo.” (Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, 2012) O Decreto-Lei nº 101/2006 de 6 de Junho, no âmbito dos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade Social, cria a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, define a constituição e funções das equipas de Cuidados Paliativos que integram esta rede em Portugal. Assim, conforme as suas estruturas e áreas de intervenção, instituíram-se os modelos organizativos (Henriques e Oliveira, 2011): 1) Unidades de Cuidados Paliativos – centrada em instalações e lugares de internamento próprios, especificamente dedicadas a cuidados paliativos. São constituídas por equipas multidisciplinares/ interdisciplinares em que intervêm médicos, enfermeiros, psicólogos, técnicos de serviço social, assistentes espirituais, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, e outros profissionais cuja prestação possa servir às finalidades. 2) Equipa intra-hospitalar de suporte em cuidados paliativos - direcionada a doentes internados em hospitais ou outras unidades de internamento. 3) Equipa comunitária de suporte em cuidados paliativos - direcionada a doentes externos, em cuidados domiciliários ou internados em Unidades de Cuidados Continuados (UCC). 16    .

(18) De acordo com o Programa Nacional de Cuidados Paliativos, “Os cuidados devem ser prestados com base nas necessidades dos doentes com intenso sofrimento e/ou doença avançada, incurável e progressiva, através de um conjunto de serviços: desde estruturas de internamento ao apoio domiciliário, passando por equipas de suporte no hospital e na comunidade. Estes cuidados requerem especificidade e rigor técnico, e devem estar acessíveis a todos os que deles carecem, estando inseridos no sistema de saúde.” (Direcção Geral Saúde, 2004) Foi publicado recentemente no Diário da República, no âmbito do Ministério da Saúde, o Decreto-Lei nº 52/2012 de 5 de setembro, que “consagra o direito e regula o acesso dos cidadãos aos cuidados paliativos, define a responsabilidade do Estado em matéria de cuidados paliativos e cria a Rede Nacional de Cuidados Paliativos (RNCP).” Esta lei entrará em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua publicação (1 de Janeiro de 2013). De acordo com este Decreto-Lei, encontramos no capítulo 3, base 5, que trata do direito dos doentes, a seguinte referência: “O doente tem direito a: receber cuidados paliativos adequados à complexidade da situação e às necessidades da pessoa, incluindo a prevenção e o alivio da dor e de outros sintomas; escolher o local de prestação de cuidados paliativos e os profissionais, exceto em casos urgentes, nos termos dos princípios gerais da Lei de Bases da Saúde.” (Ministério da Saúde, 2012) A RNCP tem como objetivo global “A prestação de cuidados paliativos a doentes que, independentemente da idade e patologia, estejam numa situação de sofrimento decorrente de doença grave ou incurável, com prognóstico limitado e em fase avançada e progressiva.” E, dentre os objetivos específicos, destacamos, por relevância neste trabalho: “A manutenção dos doentes no domicílio, desde que seja essa a vontade da pessoa doente, sempre que o apoio domiciliário possa garantir os cuidados paliativos necessários à manutenção de conforto e qualidade de vida.” (Ministério da Saúde, 2012) No âmbito dos cuidados paliativos domiciliários, a RNCP regulamenta: “A equipa comunitária de suporte em cuidados paliativos: 1 - Presta cuidados paliativos específicos a doentes que deles necessitam e apoio às suas famílias ou cuidadores, no domicílio, para os quais seja solicitada a sua atuação; presta apoio e aconselhamento 17    .

(19) diferenciado, em cuidados paliativos, às unidades de cuidados de saúde primários, nomeadamente às unidades de cuidados na comunidade e às unidades e equipas da rede nacional de cuidados continuados e integrados; assegura formação em cuidados paliativos dirigida às equipas de saúde familiar do centro de saúde e aos profissionais que prestam cuidados continuados domiciliários. 2 - A equipa comunitária de suporte em cuidados paliativos pode estar integrada numa unidade funcional de cuidados de saúde primários ou na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, dispondo de recursos específicos.” (Ministério da Saúde, 2012) Com a implementação desta lei e a criação da Rede Nacional de Cuidados Paliativos, pretende-se dar maior autonomia aos cuidados paliativos em Portugal, retirando-os da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), criada em 2006. Espera-se que haja uma atenção mais centralizada às deficiências existentes na área dos cuidados paliativos, especialmente relativa aos cuidados domiciliários e um maior desenvolvimento técnico-científico com ganhos práticos nesta área.. 18    .

(20) OBJETIVOS Baseado no que já foi referido anteriormente e com o propósito de conhecer a realidade dos cuidados paliativos domiciliários em Portugal, propusemo-nos fazer um trabalho que tem os seguintes objetivos: 1.. Conhecer, através de exaustiva revisão da literatura, as barreiras e dificuldades no controlo sintomático em doentes com cancro em estadio avançado, a receberem os cuidados paliativos no domicílio;. 2.. Identificar os receios dos doentes a serem seguidos no serviço de cuidados paliativos e dos seus familiares na permanência no domicílio, apesar de haver controlo sintomático e sem a necessidade de procedimentos invasivos. De forma a contribuir para melhorar soluções para a assistência aos doentes, foi elaborado um questionário a ser distribuído ao doente/familiar na população de doentes que são seguidos no serviço de cuidados paliativos do IPO – Porto. (Em anexo). 19    .

(21) METODOLOGIA Revisão bibliográfica de artigos científicos publicados em versão online nas seguintes bases de dados digitais: Pubmed, Ebsco e Repositórios das Universidades do Porto e de Lisboa, biblioteca digital do IPO e busca de livros de texto que abordam o tema sobre cuidados paliativos domiciliários, seus desafios, controlo da dor e de outros sintomas relacionados com o cancro em estadio avançado. Elaboração de um questionário a aplicar ao grupo de doentes que frequentam a consulta de cuidados paliativos do IPO – Porto e seus familiares.. 20    .

(22) REVISÃO DA LITERATURA Dor e controlo da dor A dor é o sintoma que mais frequentemente leva o indivíduo a uma consulta médica, tratando-se ainda de um dos sintomas mais relevantes para o estabelecimento do diagnóstico médico correto. Com o objetivo de elevar a conscientização entre os profissionais de saúde sobre o controlo eficaz da dor, James Campbell (Presidente da Sociedade Americana de Dor), em 1996, mostrou a necessidade do reconhecimento da dor como 5° sinal vital. De acordo com James Campbell (1996), “Se a dor for avaliada com o mesmo zelo como outros sinais vitais são, haveria uma possibilidade muito maior de ser tratada adequadamente.” (Direcção Geral Saúde, 2008) O conceito de dor usado mundialmente hoje é o da Associação Internacional de Estudos da Dor (IASP) e afirma que a dor é uma “experiência sensorial e emocional desagradável, associada a dano real ou potencial, ou descrita em termos de tal dano”. Significa que a dor é uma experiência única e individual, modificada pelo conhecimento prévio de um dano que pode ser existente ou presumido. A dor, como um fenómeno fisiológico protetor do organismo, funciona com um sintoma de alerta para ocorrência de injúria ou dano tecidual, de fundamental importância para a manutenção da nossa integridade física e sobretudo da nossa vida. Entretanto, para além da função vital de sinal de alarme, a dor não representa qualquer outra vantagem fisiológica para o organismo. A dor crónica, por exemplo, não tem esse valor biológico e é uma importante causa de incapacidade do indivíduo. Além de causar sofrimento e redução da qualidade de vida, provoca alterações fisiopatológicas dos sistemas imunitário, endócrino e nervoso, contribuindo para o aparecimento de comorbilidades orgânicas e psicológicas que podem perpetuar o fenómeno doloroso. (Morgan et al., 2006; Foley, 2011) A perceção da dor é uma experiência complexa associada à nocicepção ou a uma alteração na atividade do sistema neurológico. Tal experiência pode ser gradualmente regulada por estímulos aferentes, alterações prolongadas da função neuronal e uma mistura complexa de atividades cognitivas e comportamentais. (Diamond e Coniam, 1997) É importante ressaltar que o mesmo estímulo pode gerar diferentes padrões de. 21    .

(23) resposta dolorosa em diferentes indivíduos, mesmo que constitucionalmente semelhantes. Em termos de utilidade clínica, especialmente para orientar a escolha da modalidade terapêutica apropriada, podemos dividir a dor em duas categorias: dor aguda, relacionada fundamentalmente aos componentes nociceptivos; e dor crónica, a qual pode ser devida à nocicepção, mas em que os componentes psicológicos e comportamentais desempenham um importante papel na perceção dolorosa. A dor também pode ser classificada de acordo com a fisiopatologia (nociceptiva ou neuropática), etiologia (dor pós-operatória, dor oncológica), localização e intensidade. (Morgan et al., 2006) A dor aguda pode ser diferenciada, de acordo com a origem e características próprias, em dor somática e dor visceral. A dor somática, por sua vez, pode ser classificada em superficial ou profunda. Do ponto de vista clínico, dores nociceptivas (especialmente a dor somática) geralmente apresentam boa resposta ao uso de analgésicos opióides ou a intervenções de denervação ou atenuação da lesão periférica. (Berger et al., 2002; Morgan et al., 2006) Dor crónica é definida como uma dor que persiste por pelo menos 3 meses além do curso normal de uma doença aguda ou de lesões, por um padrão de intermitência em intervalos ao longo de meses ou anos, ou por associação com um processo patológico crónico. A dor crónica pode ser nociceptiva, neuropática ou mista. O sistema nervoso autónomo se adapta, e os doentes portadores de dor crónica não apresentam os sinais objetivos comuns àqueles com dor aguda. Doentes portadores de dor crónica frequentemente apresentam resposta diminuída ou ausente ao stress neuro-endócrino, alterações fisiopatológicas do sistema imunitário, notáveis distúrbios no sono e efetivas alterações de humor. (Berger et al., 2002; DeVita et al., 2005; Morgan et al., 2006). 22    .

(24) Tabela 1: Termos utilizados em controlo da dor Termo. Descrição. Alodinia. Perceção de dor à estimulação tátil cutânea.. Analgesia. Ausência de sensação de dor.. Anestesia. Ausência de todas as sensibilidades.. Anestesia dolorosa. Perceção de dor numa região sem sensibilidade.. Disestesia. Sensação anormal ou desagradável com ou sem estímulo.. Hipoalgesia. Resposta de dor reduzida a um estímulo nocivo.. Hiperalgesia. Resposta de dor aumentada a um estímulo nocivo.. Hiperestesia. Resposta de dor aumentada a um estímulo moderado.. Hiperpatia. Presença de hiperestesia, alodinia e hiperalgesia geralmente associadas a uma perceção excessiva da dor e persistência da sensação após o estímulo.. Hipoestesia. Sensação cutânea reduzida (ao toque, pressão ou temperatura).. Nevralgia. Dor na região do corpo inervada por um nervo periférico sensitivo ou por alguns dos seus ramos.. Parestesia. Sensação cutânea subjetiva anormal na ausência de um estímulo aparente.. Radiculopatia. Anomalia funcional de uma ou mais raízes nervosas. (Morgan et al., 2006). 23    .

(25) Dor e sofrimento Dor e sofrimento são sensações inerentes à condição humana e surgem inevitavelmente no percurso da vida de qualquer pessoa, sobretudo ao ter-se em consideração a nossa fragilidade como seres biológicos e a nossa sensibilidade como seres psicológicos. A sobreposição dos conceitos de dor e sofrimento encontra-se inconscientemente muito enraizada na nossa cultura. O sofrimento é a luta a que a vida nos obriga e que faz de nós o que somos, após suplantar os desafios impostos. É o sofrimento que nos põe à prova, que nos faz refletir e nos dá a resistência de que necessitamos para crescermos. A dor é uma sensação física desagradável, geralmente localizável e normalmente decorrente de uma lesão orgânica ou de uma alteração funcional neurofisiológica; o sofrimento é um sentimento generalizado, que surge na maioria das vezes relacionado com fatores que têm um impacto desagradável sobre o nosso lado psíquico. O termo dor é geralmente associado a sensação física, enquanto o sofrimento é considerado como de natureza psicológica. Entretanto, na prática, é função difícil separar dor e sofrimento, uma vez que a dor origina sofrimento e este último pode originar ou perpetuar a sensação de dor, devido ao carater indivisível das dimensões física e psicológica do ser humano, sendo a pessoa uma unidade integral. (Pacheco, 2004) A perceção dolorosa nunca é puramente fisiológica ou interpretada como um simples mecanismo de estímulo-resposta, mas reconhecida como um complexo fenómeno que se prolonga através de emoções, atitudes e comportamentos que traduzem a extensão do sofrimento. (Barbosa, 2012) A dor é um conceito de difícil interpretação e compreensão. Pode ser definida como a resultante do conflito entre um estímulo sensorial associado a uma lesão tecidular concreta ou potencial e o indivíduo no seu todo, nas suas vertentes biológicas, fisiológicas, psicológicas, sociais, culturais, comportamentais e espirituais. Trata-se portanto de uma experiência dinâmica, íntima, completamente subjetiva e de envolvimento multidimensional. A dor no doente em fase avançada de uma doença progressiva é geralmente de forte intensidade, persistente e acompanhada de grande sofrimento, tornando-se portanto o centro da atenção do doente, interferindo em todas as modalidades do ser da 24    .

(26) pessoa, que por vezes passa a limitar a própria existência à vivência da dor, ignorando a realidade circundante. A dor, então, vai além dos componentes físico e psíquico, englobando toda a pessoa e consequentemente transformando-se num sofrimento profundo. (Pacheco, 2004) A sensação constante de dor retira grande parte de qualquer prazer, originando a depressão. Dor e depressão interferem com o sono, causando ansiedade, que por si só perpetua o sofrimento causado pela dor e aumenta a sensação dolorosa, causando um ciclo progressivo e vicioso. A presença ou simples perspetiva da dor origina medo, ansiedade, alterações de comportamento, pensamentos inapropriados e depressão. A ansiedade gera muitos dos seu efeitos através do aumento do tónus muscular e da libertação de neurotransmissores simpáticos, como a noradrenalina. A estimulação do sistema nervoso simpático leva a uma sensação fisiológica de indisposição ou malestar, gerando ansiedade por ação das aminas simpaticomiméticas, caraterizando o mecanismo cíclico autossustentável e progressivo da ansiedade. O aumento do tónus muscular provoca fadiga, rigidez muscular e consequente dor nos músculos e articulações. (Diamond e Coniam, 1997) Normalmente, o medo e a ansiedade relacionados com o processo de morrer causam mais sofrimento do que o medo da morte em si. A persistência da dor afeta decisivamente na atitude negativa do doente perante a doença e tem grande influência na perda do bem-estar, na diminuição da sociabilidade e no detrimento da qualidade de vida. As pessoas com dor são deprimidas, ansiosas e apresentam maior irritabilidade, pouca colaboração com a equipa e até mesmo recusa ao tratamento, sendo mais difíceis de serem cuidadas, o que aumenta a tensão nos cuidadores. A depressão interfere na vontade e disposição para o autocuidado, traz sentimento de abandono e desejo de isolamento. (Pimenta et al., 2006) Existem atualmente estratégias altamente eficazes para o controlo da dor, inclusive sendo esta reconhecida como 5º sinal vital. Cabe a cada profissional de saúde fazer uma correta interpretação da mesma e valorizá-la, reconhecendo que o seu alívio é não só uma necessidade, mas também um imperativo ético.. 25    .

(27) A dor no doente com cancro “Perda de amor, de liberdade, de habilidades, de autorrespeito e paz mental são todas formas de sofrimento que nos acomete na doença e no enlutamento” Cicely Saunders Dame Cicely Saunders, assistente social, enfermeira e médica britânica, foi a precursora dos cuidados paliativos e idealizadora do conceito de dor total. A dor oncológica é descrita como dor total, que encerra em si diferentes tipos de dor, como: dor física (dor e outros sintomas, limitações funcionais e físicas), dor emocional (solidão, isolamento, medo, ansiedade, depressão, negação, impotência, luto antecipatório), dor espiritual (culpabilização, propósitos e significados, relações com Deus e a transcendência, sentimento de vazio, incapacidade de comunicação) e dor social (roturas, tensões, crises familiares, questões financeiras e profissionais). (Santos, 2009) A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 5,5 milhões de pessoas no mundo não recebem tratamento ou recebem mínimo tratamento adequado para a dor relacionada com o cancro. Esta estimativa é somente baseada em suposições, assim como em alguns dados epidemiológicos existentes. A realidade é que a epidemiologia do cancro não é totalmente conhecida devido à falta de registos das neoplasias existentes e à ausência de informações estatísticas sobre causas de morte, particularmente em países com recursos limitados. Dados recentemente publicados no relatório sobre cancro revelam que existem 12,7 milhões de novos casos de cancro diagnosticados em cada ano. Há anualmente 7,6 milhões de doentes cuja causa de morte está associada ao cancro e suas consequências e há 28 milhões de pessoas no mundo vivendo com cancro. (Foley, 2011) A frequência de aparição da dor no cancro depende fundamentalmente de duas variáveis objetivas: estadiamento da doença e tipo tumoral. Quando se consideram todos os tipos tumorais e todos os estadios, a prevalência da dor está em torno de 50%, mas quando se consideram apenas os estadios avançados, esta chega a 75% de todos os doentes. Numerosos estudos realizados para avaliação da prevalência da dor oncológica revelam que um terço dos doentes com cancro em terapêutica ativa e dois terços dos doentes com doença avançada vivenciam dor que requer controlo com analgésicos 26    .

(28) potentes. Mostram ainda que pelo menos 50% dos doentes em tratamento continuam a sentir dor, apesar do aumento no investimento no controlo da dor nos últimos anos, evidenciando que o sintoma continua a ser frequentemente. (Diamond e Coniam, 1997; Foley, 2011; Gómez-Batiste et al., 1996) Apesar de as consequências do não controlo da dor serem desencorajadoras, a dor no doente com cancro ainda é mal diagnosticada e mal tratada por muitas razões, mas principalmente pela falta de avaliação adequada desse sintoma. Frequentes avaliações do doente são fundamentais para um controlo eficaz da dor. O doente deve ser considerado sempre como a primeira fonte de informação. Muitos estudos têm indicado que as observações consideradas objetivas acerca dos sintomas do doente, recolhidas de enfermeiros, médicos e cuidadores frequentemente não coincidem com o relato de dor do próprio doente. (Holzheimer, 2000; Bruera et al., 2006) A avaliação da dor oncológica é complexa, devido aos diferentes aspetos que compõem o quadro álgico. Além da importância do diagnóstico da sua etiologia, é importante também a identificação dos componentes cognitivos, emocionais e socioeconómicos que podem influenciar a experiência da dor, de forma a elaborar uma proposta terapêutica e fazer uma estimativa dos resultados obtidos. (Pimenta et al., 2006) Por se apresentar como uma resposta individual, a dor expressa pelo doente é aquela que ele sente e não há como medi-la de maneira objetiva ou através de recursos laboratoriais. Para uma correta avaliação da dor é fundamental que o profissional de saúde acredite na sensação que o doente refere e descreve. Quando não houver condições de o doente a descrever, as mudanças de comportamento e de humor do doente, observadas pela equipa e cuidadores, são importantes instrumentos para identificar a presença de dor. É de importância fundamental obter uma história clínica, história psicossocial e exame físico completos, com ênfase nos sintomas do doente. Deve-se dar atenção especial às informações vindas diretamente do doente, incluindo os elementos relacionados com a localização, intensidade, frequência, início e duração da dor; presença ou não de irradiação à distância; fatores de agravamento e fatores de alívio do sintoma; qualidade e significado da dor; presença de outros sintomas que acompanham 27    .

(29) a dor; e por último, grau de satisfação com o plano de terapêutica proposto. (Holzheimer, 2000; Perron e Schonwetter, 2001) A dor num doente com cancro pode estar relacionada ao cancro, seja por invasão direta do tumor (65 - 75% dos casos) ou secundária à terapêutica antineoplásica (15 25% dos casos); mas também pode não ter qualquer relação com o tumor (5 - 10% dos casos), proveniente, por exemplo, de doença músculo-esquelética prolongada. (GómezBatiste et al., 1996; Diamond e Coniam, 1997) Os tumores que se desenvolvem em espaços limitados, como os tumores de cabeça e pescoço e as neoplasias cerebrais têm maior probabilidade de causar dor desde o início da doença, do que aqueles que se desenvolvem em órgãos extensos, como pulmão e cólon. (Pimenta et al., 2006) Quanto à duração, a dor associada ao cancro é crónica, acompanhada de outras características abrangentes às síndromes de dor crónica, onde geralmente há mais dificuldade para resolver. Verifica-se um comprometimento psicológico do doente e pode existir uma lesão irreversível do tecido nervoso. O cancro, com caráter progressivo e contínuo, produz dor por lesão tecidular, deformidade e inflamação. (Diamond e Coniam, 1997) Aliviar a dor oncológica é um trabalho delicado, que exige diálogo acurado e agradável entre o profissional da saúde, o doente e os seus cuidadores e exige contactos frequentes para constantes avaliações e redefinições, ajustes terapêuticos e conduta diante dos efeitos secundários aos medicamentos. O doente e o seu cuidador precisam ser estimulados a relatar qualquer nova alteração no padrão de dor. Para um controlo eficaz, a avaliação da dor deve ser pormenorizada quanto à sua intensidade (ligeira, moderada, severa); duração (constante, intermitente); características físicas; frequência, fatores exacerbadores e fatores atenuantes. Deve-se utilizar uma escala de avaliação da intensidade da dor para não haver quaisquer dúvidas relativamente à avaliação efetuada no domicílio em cada visita. Podese utilizar uma das escalas validadas internacionalmente: Escala Visual Analógica (convertida em escala numérica para efeitos de registo), Escala Numérica, Escala Qualitativa ou Escala de Faces. O fator mais importante na escolha de qual instrumento deve ser usado é a capacidade do doente para compreendê-lo. Assim, os instrumentos de 28    .

(30) avaliação devem ser adequados à faixa etária, à capacidade cognitiva e aos aspetos culturais dos indivíduos avaliados. (Associação Portuguesa para o Estudo da Dor, 2012; Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, 2012) Uma das versões dessas escalas (EVA - Escala Visual Analógica) compreende uma linha horizontal de 10 cm com as extremidades indicando “sem dor” e “dor máxima”, em que o indivíduo a ser avaliado deverá assinalar no ponto que representa a intensidade de sua dor. Mede-se, posteriormente e em centímetros, a distância entre o início da linha e o local assinalado, obtendo-se, assim, uma classificação numérica. A escala numérica consiste numa régua dividida em partes iguais e numeradas de 0 a 10. Pretende-se que o doente faça a equivalência entre a intensidade da sua dor e uma classificação numérica, classificando 0 (zero) como “sem dor” e 10 (dez) como “dor máxima”. Na escala qualitativa solicita-se ao doente que classifique a intensidade da sua dor de acordo com os seguintes termos: “sem dor”, “dor ligeira”, “dor moderada”, “dor intensa” ou “dor máxima”. Outros instrumentos estão disponíveis para a avaliação da dor como as escalas de faces de sofrimento, que podem ser úteis para os doentes que apresentam dificuldades em compreender as escalas numéricas ou qualitativa. (Associação Portuguesa para o Estudo da Dor, 2012) Os objetivos e expectativas do controlo da dor devem ser estabelecidos através da comunicação direta entre equipa, doente e família, e deve-se esclarecer que talvez não seja possível aliviar toda a dor no doente com cancro, mas é quase sempre possível aliviar os sintomas mais perturbadores e assim melhorar a qualidade de vida. Grande parte dos doentes requer inicialmente o alívio da dor que perturba o sono, a fim de conciliar o repouso noturno; a seguir o alívio da dor em repouso durante o dia e por último, atividades diárias livres de dor, melhorando a mobilidade e a autonomia do doente. (Diamond e Coniam, 1997; Diamond e Coniam, 1999) O controlo bem-sucedido da dor é definido como um eficaz controlo da dor, com intervenções farmacológicas ou não farmacológicas, enquanto minimizando a toxicidade.. Com. a. identificação. podem fornecer melhor. controlo. da. correta dor,. intervenções apropriadas.. 29    . da síndrome utilizando. de. dor,. terapêuticas. os. médicos. adjuvantes e.

(31) A dor no doente oncológico pode estar associada a uma doença subjacente crónica como osteoartrite, neuropatia ou insuficiência vascular que podem agravar a dor do cancro. Identificar e quantificar as diferentes causas de dor que afetam o doente oncológico torna-se um recurso indispensável para determinar a terapêutica apropriada para cada situação. (Perron e Schonwetter, 2001) A invasão do osso é uma das causas mais frequentes de dor no doente com cancro e resulta do envolvimento de prostaglandinas, principalmente PGE2. Os ossos mais acometidos são os corpos vertebrais, cintura escapular e pélvica, cabeça do úmero e do fémur. (Gómez-Batiste et al., 1996) A compressão ou destruição do tecido nervoso resulta em dores intensas, ou dor tipo queimadura, geralmente associada a disestesia e alodinia (vide tabela 1). Para uma melhor resposta pode ser necessário o uso de um anticonvulsivante ou de um antidepressivo tricíclico. Quando há comprometimento do sistema nervoso central ou das meninges, a cefaleia torna-se parte da síndrome de hipertensão craniana; o comprometimento do plexo nervoso braquial (típica do tumor apical pulmonar ou do cancro de mama) ou lombo-sagrada (tumores ginecológicos) provoca dores intensas, frequentemente associadas a um componente de afeção simpática, de difícil terapêutica. (Gómez-Batiste et al., 1996; Diamond e Coniam, 1997) O comprometimento visceral surge da estimulação direta dos nervos aferentes devido à infiltração tumoral no tecido mole ou vísceras. Alongamento, distensão ou isquemia das vísceras pode causar dor visceral. Esta dor tende a ser mal localizada e muitas vezes mal definida. Pode ser profunda, persistente ou em cólicas. Em doentes com cancro, a dor visceral pode ser causada não só por infiltração tumoral direta, mas também por diversas condições, tais como obstipação. (Perron e Schonwetter, 2001) A terapêutica utilizada para o controlo da dor oncológica abrange as medidas farmacológicas, físicas, psicológicas, cognitivo-comportamentais e educacionais. Múltiplas abordagens terapêuticas são recomendadas para uma melhor resposta analgésica, visando a possibilidade de interferirem simultaneamente na produção do estímulo nociceptivo, nos processos de transmissão e interpretação do fenómeno doloroso e na estimulação do sistema supressor de dor. (Pimenta et al., 2006) Outras intervenções disponíveis para o controlo da dor oncológica, que podem ser utilizadas 30    .

(32) em associação à terapêutica farmacológica, incluem a radioterapia, a cirurgia paliativa e o bloqueio neuronal. (Mehta et al., 2011) O controlo eficaz da dor depende da escolha da medicação correta, da via de administração, da dosagem e do intervalo entre as doses. Os principais grupos de analgésicos utilizados para o controlo da dor consistem nos não-opióides (incluindo os anti-inflamatórios não esteroides), opióides e adjuvantes. (Holzheimer, 2000) A Organização Mundial de Saúde selecionou um regime analgésico baseado na intensidade da dor, descrita como a escada analgésica. A escada analgésica é constituída por três degraus. No primeiro degrau os analgésicos são não opióides, que incluem o paracetamol e os fármacos anti-inflamatórios não esteroides (AINES) e salicilatos. Neste degrau a dor é considerada ligeira, os analgésicos têm ação analgésica, antipirética e anti-inflamatória. No segundo degrau, para alívio da dor moderada, são utilizados opióides fracos, sendo incluídos o tramadol e a codeína. No terceiro e último degrau, para o controlo da dor intensa, entram os opióides fortes, como a morfina, o fentanil e outros. Em todos os degraus são considerados o uso de adjuvantes, se necessários. (Hanks et al., 2010) A escolha correta de analgésicos é aquela que alivia a dor, a dose correta é aquela que o consegue fazer e o intervalo correto entre as doses é aquele que evita o aparecimento da dor. (Diamond e Coniam, 1997) Os opióides devem ser prescritos em horários fixos e em dosagens simples, de fácil entendimento para o doente e os seus cuidadores, não devem ser administrados somente quando o doente apresentar a queixa de dor. Deve-se prescrever dose extra dos fármacos em caso de dor irruptiva durante o intervalo das doses de base. O conhecimento dos efeitos adversos, assim como prevenção e tratamento destes sintomas (náuseas, vómitos, obstipação) são essenciais para a segurança na prescrição, a confiança e adesão do doente à terapêutica. É importante definir e avaliar frequentemente as necessidades analgésicas de base do doente e as doses do fármaco de resgate para as dores irruptivas. Embora a terapêutica farmacológica padronizada possa controlar eficazmente os componentes sensoriais da dor, pode-se considerar as abordagens não-farmacológicas para tratar outras dimensões da dor, nomeadamente os componentes sensoriais, 31    .

(33) cognitivos, afetivos e funcionais. As estratégias não farmacológicas de controlo da dor não substituem as terapêuticas farmacológicas, mas tornam-se ferramentas assistenciais essenciais para uma completa e adequada abordagem da dor oncológica. Algumas medidas físicas devem ser tomadas no estadio terminal do doente, além da manutenção eficiente do controlo dos sintomas, tais como dor e agitação, com o objetivo de proporcionar o menor incómodo possível ao doente. Intervenções inadequadas, incluindo exames de sangue e avaliação frequente de sinais vitais, devem ser interrompidas. Apesar de poucas evidências, sugere-se pouco benefício na continuidade de infusão de fluidos artificiais no doente terminal e deve, na maioria dos casos, ser descontinuada. Cuidados com a boca são essenciais para o conforto no doente terminal. Os cuidadores devem ser estimulados a umidificar os lábios do doente e oferecer goles de água sempre que possível. Em caso de retenção urinária, uma sonda vesical pode ser necessária. (Ellershaw e Ward, 2003) Em relação à ação do fisioterapeuta, os objetivos são direcionados de acordo com as necessidades e condições do doente e do cuidador. Em caso de maior independência do doente, o campo de ação da fisioterapia volta-se para proporcionar uma maior mobilidade no ambiente, estimulação do autocuidado e de manutenção das atividades rotineiras e favorecimento da funcionalidade. No doente totalmente dependente, a fisioterapia tem o seu papel de atuação na orientação quanto às mudanças de decúbito, transferências e mobilização global, prevenção de deformidades e de complicações respiratórias. (Sera e Izzo, 2008) Com o objetivo de controlo da dor, o fisioterapeuta pode utilizar técnicas como: terapias manuais, alongamentos, exercícios motores e mobilizações, posicionamentos adequados, técnicas de relaxamento. Os exercícios respiratórios, higiene brônquica, entre outras manobras diminuem a ansiedade, evitam complicações, reduzem sintomas desconfortantes. Manter a mobilidade dos membros, tentar fazer o doente levantar-se da cama, estimular a marcha, são todas medidas que podem proporcionar melhoria na autonomia, autoestima e qualidade de vida. (Hanks et al., 2010; Müller et al., 2011) O doente oncológico, além dos sintomas perturbadores e das frustrações vivenciadas, tem ainda de enfrentar as perdas decorrentes da evolução da doença, nomeadamente: perda de segurança, das funções físicas, mutilações, mudanças na imagem corporal, independência, autonomia, autoestima, e dos seus projetos para o 32    .

(34) futuro. Ao aproximar-se da morte, o que se impõe é lidar com sintomas, desconforto, dor e incapacidade; preparar-se para a morte, despedir-se; preservar autoconceito; preservar relações apropriadas com família e amigos; encontrar significado para a vida e para a morte. (Franco, 2008) O psicólogo, ao ser capaz de desenvolver em si e nos demais membros da equipa multidisciplinar de cuidados uma atitude de respeito pela pessoa total do doente, pelos seus problemas de dor e de desconforto, pelas suas necessidades, em adição à manutenção da sua autonomia, em muito colaborará para procurar uma comunicação honesta e aberta entre o doente, a família e a equipa de saúde. Vale ressaltar que as ações da psicologia em cuidados paliativos não estão restritas somente ao doente, mas devem incluir a família, como parte da indivisível unidade de cuidados, mesmo que cada indivíduo tenha que ser observado em sua especificidade. As abordagens psicológicas do controlo da dor fazem parte do programa multidisciplinar dos cuidados paliativos, entre as quais podemos citar as técnicas de relaxamento, reestruturação, aconselhamento familiar, grupos de suporte, educação e psicoterapia, incluindo a terapia cognitiva e comportamental. Os métodos podem ser aplicados em todas as situações em que exista dor, seja para o doente acometido, seja para o núcleo familiar e os cuidadores. O conhecimento técnico não é condição suficiente para a construção de uma identidade profissional em cuidados paliativos. Cada profissional integrante da equipa de saúde deve ser capaz de garantir ao doente e sua família, ao longo de todo o acompanhamento, disponibilidade para ouvir, conversar, dar atenção, sustentar os seus desejos, atender às necessidades, mostrar-se presente frente ao momento do fim da vida, enfim, permitir que o doente chegue ao momento de morrer, vivo, não antecipando o momento dessa morte a partir do abandono e isolamento. Promover uma morte tranquila e digna para os doentes é uma experiência desafiadora, enriquecedora e gratificante.. 33    .

(35) Desafios no controlo eficaz da dor oncológica no domicílio Um controlo eficaz da dor requer a sua avaliação e uma constante monitorização dos efeitos dos analgésicos prescritos pelos profissionais de saúde. O doente deve ter participação ativa e fundamental no processo de avaliação da própria dor, transmitindo os resultados através de comunicação aberta e eficiente com os seus familiares e com a equipa de saúde responsável pelos cuidados prestados. A base da qualidade dos cuidados prestados reside sempre na compreensão e preocupação com tudo aquilo que envolve o doente, o seu cuidador e a família na qual o doente está inserido. A prestação de cuidados pressupõe a ligação e o estabelecimento de relações interpessoais entre cuidador, doente e equipa de saúde. As barreiras a um controlo eficaz da dor oncológica podem ser divididas em barreiras relacionadas com os profissionais de saúde; barreiras relacionadas com os doentes e as suas famílias e barreiras relacionadas com o sistema de saúde. (Pargeon e Hailey, 1999). Devemos destacar como uma das mais importantes barreiras, a má comunicação entre os doentes, os seus cuidadores e os provedores de saúde. (Oliver et al., 2008) Tendo como referência Foley, na secção sobre controlo da dor oncológica “Management of Cancer Pain” (DeVita et al., 2005) e os estudos de alguns autores (Pargeon e Hailey, 1999), (Chang et al., 2002), (Oliver et al., 2008) e com intenção somente de introduzir o assunto deste capítulo, faço a descrição a seguir, para posteriormente individualizar e pormenorizar cada um dos desafios relacionados com um controlo eficaz da dor associada ao cancro, com maior ênfase aos desafios encontrados no acompanhamento ao doente oncológico em estadio avançado no domicílio.. I.. Barreiras relacionadas com os profissionais de saúde: − Conhecimento insuficiente dos mecanismos de dor; − Conhecimento insuficiente sobre avaliação da dor; − Conhecimento insuficiente do uso apropriado de analgésicos; − Equívocos e preconceitos sobre o uso da morfina; − Receio com o desenvolvimento de tolerância e dependência física; 34  .  .

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