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O eixo histórico do Direito brasileiro é pouco analisado pela doutrina, importando-se muito com a construção dos institutos em sua base – romanística, normalmente –, mas deixando de analisar como se deu a construção dos mesmos em território brasileiro.

Entretanto, a presente análise histórica não se justifica somente pela conhecida importância do estudo histórico em matéria jurídica. No presente estudo, a análise histórica serve como elemento justificador da análise comparada que se propõe entre Brasil e Portugal. Isso porque a relação política de exploração colonial e a construção jurídica inicial brasileira se deu pelo Direito português.

73 Desta feita, deve-se entender que, como explica Antônio Chaves, a história do Direito brasileiro tem em sua relação com Portugal um paradoxo, posto que a legislação brasileira é mais antiga que o próprio país. Nas palavras do pesquisador:

Tem-se assinalado que a história do Direito brasileiro oferece dois paradoxos: 1. é muito mais antiga que a própria história do Brasil, pois sendo as nossas instituições jurídicas uma sequência das instituições lusitanas, é em Portugal que se situa a origem do Direito brasileiro.

2. determinadas leis prevaleceram aqui depois de terem sido revogadas em seu país de proveniência.

Com isso, não se nega a evidente evolução emancipatória do Direito brasileiro segundo suas especificidades. O decurso do tempo tratou de construir para o país institutos próprios e afetos às questões próprias de pacificação da nação. Entretanto, o Direito Civil se mantém muito próximo de sua raiz lusitana, fato facilmente comprovável pela proximidade das legislações.

É esse espaço, entre a raiz lusitana e a evolução da legislação brasileira, que se pretende explorar, demonstrando que o Direito (em especial o sucessório), tomou caminhos diversos da ordem jurídica portuguesa, não deixando, todavia, de tocá-la em certos pontos. Pontos estes que se pretende aproveitar para a construção de uma teoria própria da imputação no Direito sucessório brasileiro.

Não se pretende, entretanto, aprofundar-se, aqui, em toda história do Direito português – mesmo sendo essa a base do Direito brasileiro. Acreditamos ser suficiente clarear o fato de que Portugal, tendo conseguido a total codificação de seu Direito – iniciada ainda em 1211 – preocupou-se, desde então, com a codificação de natureza civil, inclusive destinando livro especialmente a esse fim, presente nas Ordenações Afonsinas de 1446, bem como nas Ordenações Manuelinas de 1514117.

De maneira a sintetizar essa evolução, propõe-se um salto geográfico para se verificar que, no Brasil, não se predominava uma ordem jurídica clara, estando o país submetido à norma eclesiásticas e aos costumes, dentro outras normatizações escritas – porém, sem clara vinculação civilista. O que se altera com as cartas régias trazidas ao Brasil em 1532 por Martin Afonso, que, enfim, tratavam do Direito brasileiro118.

117CHAVES, Antônio. FORMAÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO. In: Revista da

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. v. 95. ano 2000. p. 62.

118 CHAVES, Antônio. FORMAÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO. In: Revista da

74 O salto que se propõe agora é temporal, para 1750, quando a legislação passa a se desenvolver em um caráter mais específico. Buscava-se, primordialmente, tratar de matérias como “casamento, pátrio poder, tutela e curatela, direito sucessório e contratos”119.

Observa-se, assim, o germinar de um Direito Civil individualizado que se fortaleceu pela independência, e posterior criação de cursos jurídicos que permitiram a avaliação crítica do que estava posto, bem como o que estava por se legislar, normalmente sobre a égide do Direito eclesiástico.

Ponto fundamental da história que se relaciona com o presente estudo foi a opção do Imperador, diante das dificuldades de se elaborar um código civil nacional, de buscar em Portugal, António Luís Seabra, autor do projeto do Código Civil português. Importa-nos essa menção pois ela demonstra a proximidade das legislações civilistas. Ocorre, porém, que a comunidade jurídica não aceitou de maneira concisa a necessidade de um estrangeiro a elaborar uma codificação nacional. Assim, vários outros anteprojetos foram criados, passando pelos mais diversos juristas brasileiros da época120.

Foi nesse momento jurídico que se iniciou, sob a égide de Clóvis Beviláqua uma verdadeira maratona de desafios para a instituição de uma codificação civilista à altura do amadurecimento jurídico do país, o que se deu de maneira muito custosa para que, enfim, em 01.01.1917 passou a vigorar o Código Civil dos Estados Unidos do Brasil.

O referido código não só se aproximava das diretrizes europeias do Direito, mas na parte que toca esse trabalho – qual seja os Direitos das sucessões – existe uma verdadeira identidade de institutos, como a legítima, a inoficiosidade, a partilha, o inventário, dentre outros.

Essa proximidade demonstra um preenchimento de um binômio possibilidade/necessidade pelo qual a comparação de codificações nos possibilita beber da fonte do Direito português – dentre outros ordenamentos europeus –, e, ao mesmo tempo, cria a necessidade de entendermos os institutos à luz desses ordenamentos, e não de maneira isolada e particular, como se os mesmos tivessem sido originariamente

119CHAVES, Antônio. FORMAÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO. In: Revista da

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. v. 95. ano 2000. p. 72.

120Nomeadamente contribuíram com suas tentativas de elaboração: Teixeira de Freitas; Nabuco de

Araújo; Felício dos Santos; Coelho Rodrigues e Campos Salles. Conforme CHAVES, Antônio. FORMAÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. v. 95. ano 2000. p. 100-103.

75 criados na legislação brasileira. Ou o instituo é o que sua fonte o criou para ser, ou temos um instituto diferente daquele que se propôs.

Passamos, então, à análise do Direito Civil brasileiro moderno, em especial o perfil do fenômeno sucessório e sua relevância jurídica para o Direito brasileiro.