• Nenhum resultado encontrado

2. REESTRUTURAÇÃO DO PAPEL DO ESTADO E A CENTRALIDADE DAS

2.2 Políticas de avaliação externa da educação básica no Brasil e o foco no currículo

2.2.2 A Base Nacional Comum Curricular (BNCC): (con)formar um determinado tipo de sujeito

Em 2017 a BNCC foi aprovada, em meio a um Golpe político, jurídico, parlamentar e midiático que abalou os sustentáculos da república brasileira, com drásticas consequências até os dias atuais. Desde então, vários Estados e municípios tem se dedicado a adequar seus sistemas, o que demonstra que o currículo também está no centro da atual reforma educacional, juntamente com a gestão e com a avaliação. A

Seduc/CG tem se preocupado e realizado reuniões, formações e acompanhamento da implementação da base na rede municipal de ensino.

Ao pensar a avaliação externa em larga escala e a BNCC como um conjunto de estratégias que buscam alterar a organização e o funcionamento das escolas e intervir no trabalho dos profissionais que nela atuam, no sentido de exercer maior controle sobre o que e como ensinar, percebe-se que o currículo esta no centro da atual reforma educacional.A que se deve essa centralidade? A esse respeito, Silva (1999) observa que no currículo

(...) se entrecruzam práticas de significação, de identidade social e de poder. (Nele) se travam lutas decisivas por hegemonia, por predomínio, por definição e pelo domínio do processo de significação. Como política curricular, como macrodiscurso, o currículo tanto expressa as visões e os significados do projeto dominante quanto ajuda a reforçá-las, a dar-lhes legitimidade e autoridade. Como microtexto, como prática de significação em sala de aula, o currículo tanto expressa essas visões quanto contribui para formar identidades sociais que lhes sejam convenientes (SILVA, 1999, p. 29).

Prevista na Constituição de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996 e no Plano Nacional de Educação de 2014, segundo o documento que regula a BNCC, a base foi preparada por especialistas de cada área do conhecimento, com a valiosa participação crítica e propositiva de profissionais de ensino e da sociedade civil. No entanto, sabe-se que a versão aprovada em 2017 difere muito das versões anteriores, as quais haviam sido minimamente debatidas pela comunidade educacional.

A BNCC, que tem por objetivo estabelecer um conjunto de orientações para nortear os currículos das escolas públicas e privadas do Brasil, define competências e habilidades a serem trabalhadas com os alunos durante a educação infantil, ensino fundamental e médio. Dessa forma, a noção de competências deverá orientar todo o fazer pedagógico das escolas, como mostram as proposições para a organização curricular. Nesse sentido, o currículo e a escola são tratados de forma descontextualizada.

Nessa lógica, ocorre a padronização do que deve ser ensinado na escola, sem considerar a diversidade cultural e os diferentes níveis de aprendizagem dos alunos. Além disso, problematiza-se a forma como o currículo e a avaliação tem disso impostos, assemelhando-se mais como estratégias de controle da escola e do trabalho das professoras.

Hypolito (2019) aponta que, em termos de padronização, “basicamente está prescrito um currículo nacional que estabeleça padrões de qualidade, a partir de avaliações nacionais com metas e padrões de aprendizagem alcançáveis” (HYPOLITO, 2019, p. 189). Ao mesmo tempo, “advoga-se a transferência de competências e de responsabilidades para os níveis locais de administração do sistema escolar, de modo que as avaliações nacionais sirvam para responsabilizar e controlar as autoridades em seus diferentes níveis de competência” (idem).

Nessa perspectiva, a meta seria responsabilizar as equipes diretivas e as escolas pelo desempenho dos alunos nas avaliações e, assim, os sistemas de avaliação seriam utilizados como um governo a distância por meio de uma gestão por resultados (HYPOLITO, 2019). Para ele, “o tema do currículo nacional está associado com processos de avaliação e testes padronizados e diretamente vinculado a essas políticas sedimentadas como programa de uma reforma global” (p. 189).

Cabe ressaltar que, no atual contexto de acirramento do neoconservadorismo e em que se fabricam crises para justificar processos de reforma, as políticas educacionais buscam intensificar os modos de regulação dos sistemas de ensino, de tal forma que tanto a BNCC quanto as avaliações externas da educação básica tem se constituído estrategicamente para exercer maior controle das escolas e do trabalho docente.

De acordo com Costa, Farias e Souza (2019), a BNCC “apresenta aspectos que impactam no campo não somente da formação, mas do trabalho docente, aqueles que impactam no campo da subjetividade docente, na autonomia docente enquanto um intelectual da educação” (p. 94). Sendo assim, compreender o trabalho docente dentro dessa complexa conjuntura, nos permite afirmar que algumas relações precisam ser conservadas para que o capitalismo e a lógica neoliberal possam se reproduzir.

É necessário problematizar essa realidade, principalmente quando se trata da função social da escola, que cidadãos queremos formar para transformar a nossa sociedade. É preciso um olhar atento para o/a professor/a que segue ou é obrigado a seguir, tais imposições. Esse professor é um profissional que tem um saber já adquirido, que possui experiências e vivências a serem compartilhadas com os alunos, muitos dos quais não são considerados na prova.

É preciso lembrar ainda que, desde o início, a discussão acerca da BNCC vem sendo disputada pelos “reformadores empresariais”, grupos de empresários organizados para interferir na agenda da educação. No caso da BNCC, é evidente principalmente o papel da Fundação Lemann, a qual tem investido na implantação da Base em diferentes estados e regiões do país e, certamente, não o faz sem o objetivo de obter retorno. De acordo com Freitas,

É esta contradição entre ter que qualificar um pouco mais e ao mesmo tempo manter o controle ideológico da escola, diferenciando desempenhos, mas garantindo acesso ao conhecimento básico para a formação do trabalhador hoje esperado na porta das empresas, que move os reformadores a disputarem a agenda da educação, responsabilizando a escola pela falta de equidade no acesso ao conhecimento básico, ou seja, responsabilizando a escola por não garantir o domínio de uma base nacional e comum a todos (2014) .

De acordo com Hypolito (2019), a terceira versão da BNCC passa a ter mais influência e controle de grupos neoconservadores e populistas -autoritários.

Praticamente todo o grupo vinculado à academia retirara -se ou fora excluído. A versão resultante, além dos problemas advindos de qualquer ideia de base nacional, apresenta ainda conteúdos muito retrógrados e conservadores, pois, mesmo que grupos alinhados com a política neoliberal ocupassem cargos no Ministério da Educação, não conseguiram barrar a influência de grupos mais conservadores, como o movimento Escola sem Partido. O tema em torno de gênero, por exemplo, foi retirado completamente (p. 196).

Em Campina Grande é evidente a presença da Fundação Lemann, como também de grupos neoconservadores que influenciam diretamente na política educacional do município. Dessa forma, na busca de obter uma compreensão mais ampla acerca da realidade da rede municipal de ensino de Campina Grande/PB, tornou-se necessário compreender as avaliações externas e o Sama nos marcos das políticas neoliberais e neoconservadoras que vêm sendo encaminhadas na rede municipal de ensino.

2.3 Novos modos de regulação das políticas educativas e acirramento do controle