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3. AVALIAÇÃO, GERENCIALISMO E AVANÇO DO NEOCONSERVADORISMO

3.3 Medidas neoliberais e neoconservadoras na política educacional no município de Campina

Ao longo dos últimos anos e em consonância com os ajustes neoliberais, a Seduc/CG tem adotado uma série de medidas na rede municipal de ensino, as quais têm

alterado as relações entre os profissionais e as escolas. Esse processo de ajuste começou nos anos 2000 na rede, porém a intensificação das políticas tem se tornado mais perceptível a partir dos anos de 2013.

Dentre as medidas já estabelecidas no município existe a Lei n° 072, de 10 de abril de 2013, que criou o 14° salário para os profissionais da educação da rede pública municipal que atuam no ensino fundamental e a Lei n° 5.372, de 03 de dezembro de 2013, que tornou obrigatória a divulgação do Ideb pelas escolas do município. Além disso, houve a criação do Sama, no ano de 2015.

De acordo com Silva e Lira (2015), ao implantar o pagamento do décimo quarto salário, tendo como referência a elevação dos resultados do Ideb, o município de Campina Grande/PB adotou um mecanismo de responsabilização com consequências fortes, ao vincular o pagamento de um bônus aos resultados obtidos nas avaliações estandardizadas e institui uma diferenciação de rendimentos entre trabalhadores da educação de sua rede (SILVA; LIRA, 2015).

Tal modelo se fundamenta nos princípios do gerencialismo no qual a bonificação supõe que os profissionais se sintam motivados e se comprometam com o desempenho dos alunos nos testes. No entanto, a educação pública não pode ser administrada como uma empresa, sob o risco de negar os princípios democráticos de uma escola pública universal e não excludente. Além do exposto, os resultados de desempenho não contemplam todas as dimensões constitutivas de uma educação de qualidade.

A referida Lei n° 5.372, de 03 de dezembro de 2013, que tornou obrigatória a divulgação do Ideb pelas escolas do município estabeleceu que cada escola municipal é obrigada a expor no âmbito escolar, em local visível e acessível a todos, a nota do Ideb da escola. Ao analisar essa Lei, Lira e Silva (2015) afirmam que as informações que devem constar na placa objetivam permitir a comparação entre o índice alcançado pela escola, a meta prevista e a média das escolas da rede municipal de ensino, possibilitando a identificação de sua situação. Para as autoras, a exposição dos resultados do Ideb, definida na lei, certamente objetiva, ao tornar público o desempenho das instituições de ensino, mobilizar a comunidade local e a sociedade mais ampla para o acompanhamento e a cobrança dos profissionais da escola para assegurar a elevação dos índices obtidos. A divulgação dos resultados por meio de placas nas instituições, apresentando somente os

dados quantitativos, fortalece a competição entre as escolas e a responsabilização dos docentes e gestores pelos baixos resultados.

É importante destacar que as leis têm sido questionadas por seu caráter contraditório e inválido. Ao mesmo tempo em que se estabelece que o pagamento do 14º salário deve ser feito com base no Ideb aos profissionais das escolas que obtiveram acréscimo nas notas, houve o caso de uma creche que foi contemplada com a bonificação e que não poderia estar incluída, já que não atende as etapas de ensino avaliadas. Além disso, a lei só foi cumprida nos anos de 2013 e 2014, o que gerou um conflito com os profissionais das escolas que cumpriram com a elevação das notas. A Seduc/CG alega que o descumprimento da lei se deve à crise na arrecadação do município.

A intensificação desses mecanismos de cunho gerencial e neoliberal vem acompanhada pelo avanço de propostas neoconservadoras na rede, tal como a aprovação da Lei nº 7.280/2019, que propõe a leitura bíblica nas escolas públicas e privadas do município, a qual busca legitimar uma determinada forma de pensar hegemônica, baseado em pressupostos morais e cristãos. Os ensinamentos religiosos no ambiente de escolas públicas provocam um debate sobre o papel do Estado, que deveria zelar pelo respeito à diversidade de religiões e credos. Entende-se que com essa medida o Estado comete proselitismo, visto que a bíblia se refere apenas a uma religião (Cristianismo), portanto fere o princípio constitucional da laicidade, pois sendo o Estado laico, este não possui religião oficial nem pode difundir ou privilegiar apenas uma tendência religiosa34.

A aprovação da Lei nº 6.950/2018, que proíbe o ensino de “ideologia de gênero” na rede municipal, projeto de autoria do vereador Pimentel Filho (PMDB), que proibiu a discussão de qualquer tipo de conteúdo acerca das questões de gênero nas escolas do município consiste em outra estratégia do projeto de governo neoconservador. O projeto foi aprovado por unanimidade dos vereadores presentes (dos 23 parlamentares, 16 estavam presentes durante a votação), em meio a protestos de manifestantes que foram ao Legislativo municipal. Sabe-se que a aprovação de uma lei como esta se relaciona a

34 Restritos apenas ao âmbito constitucional, evidenciam-se suspeitas de inconstitucionalidade, tais como, ao art.

5º, segundo o qual “é inviolável a liberdade de consciência e de crença [...]” (VI); “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa [...]” (VIII); bem como, ao art. 19, segundo o qual o estabelecimento de cultos religiosos são vedados aos entes da federação.

um movimento mais amplo, denominado “Escola sem Partido”, criado oficialmente em 2004 e cujos membros se declaram abertamente conservadores, com o intuito de atacar a escola pública e seus profissionais, criminalizando a atividade docente. Ambas essas medidas se relacionam ao acirramento do neoconservadorismo e do fundamentalismo religioso que avança na sociedade brasileira e em todo o mundo, presentes também na elaboração do PNE e da BNCC.

Na eleição de 2018, o prefeito Romero Rodrigues (PSDB), que declarou amplo apoio a candidatura de Jair Bolsonaro, aderiu ao projeto das Escolas cívico-militares, proposto pelo Governo Federal, o que se configura como mais uma medida de acirramento do controle ideológico das escolas e afronta ao princípio da gestão democrática do ensino público.

Outra estratégia adotada pela Seduc/CG na rede municipal de ensino foi a criação do Sama, que tem se configurado como mais uma estratégia de controle sobre o trabalho docente, “bem como mais um mecanismo a serviço do apelo aos resultados numéricos sem, contudo, apresentar ações efetivas na melhoria da qualidade da educação da rede municipal campinense” (OLIVEIRA, 2018, p. 104).

Dessa forma, o Sama tem sido instalado e consolidado em meio a essas medidas neoconservadoras, e, junto ao esforço da Seduc/CG em implantar a BNCC, com a parceria da Fundação Lemann, colocam-se como estratégias de controle sobre o sistema de ensino e seus profissionais, na tentativa de formar um determinado tipo de sujeito e de sociedade nos moldes conservadores, condizente com os interesses de um projeto de governo que impera nesse contexto e que pretende inviabilizar qualquer tipo de educação crítica, reflexiva e emancipatória, que possa elevar o grau de consciência da população acerca das mazelas e das opressões que sofre cotidianamente, em um município com índices de desigualdade crescentes e alarmantes.

Ao mesmo tempo em que privilegia a interlocução com atores do mundo empresarial (como a Fundação Lemann) e permite que grupos religiosos influenciem nas políticas educacionais do município, a rede municipal se afasta das universidades e dos centros de produção do conhecimento, se alinhando a lógica do atual governo de Jair Bolsonaro, que aposta no fundamentalismo de mercado, beneficiando com suas políticas os setores rentistas, utilizando-se de um discurso ultraliberal, moralista e obscurantista.

Contudo, o município não vem prestando ações efetivas para melhorar a qualidade social da educação nas escolas. Atualmente, as atitudes de alinhamento a certas tendências das políticas educacionais estão favorecendo a dominância das orientações para uma concepção de sociedade e de avaliação, reforçando o gerencialismo na rede e despolitizando quase que completamente a prática educacional, ou seja, buscando eliminar qualquer possibilidade de que esta venha a ser um elemento ativo no processo de transformação social.