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1.2 A CONSTITUIÇÃO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL

1.2.2 Bases da estrutura organizacional do SUAS

No âmbito de todos os avanços no âmbito dos direitos sociais, traduzidos pelas regulamentações mencionadas, salienta-se que a instituição do SUAS representou a materialização teórica da possibilidade de superar a cultura assistencialista brasileira e a ideologia da caridade e do primeiro-damismo, por meio de parâmetros técnicos e da profissionalização da execução da assistência social (MOTA; MARANHÃO, SITCOVSKY, 2010). A lógica implementada pelo SUAS como uma rede de proteção com normativas e processos orientados por uma perspectiva alinhada aos propósitos de um sistema público, contraria o raciocínio programático neoliberal (SILVEIRA, 2017).

Em relação aos serviços que compõem o SUAS, em 2009, foi aprovada a normatização dos seus conteúdos pela Resolução 109, a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, que estabeleceu as funções principais dos serviços, tipos, nomenclaturas, entre outros (CHIACHIO, 2011). Essa normativa padronizou, em território nacional, os serviços socioassistenciais de proteção social básica e especial e organizou em fichas as matrizes para os serviços, delineando para cada um deles: nome do serviço, descrição, usuários, objetivos, provisões, ambiente físico, recursos materiais, materiais socioeducativos, recursos humanos, trabalho social essencial ao serviço, aquisições dos usuários, segurança de acolhida, segurança de convívio familiar e comunitário, segurança de desenvolvimento da autonomia, condições e formas de acesso, unidade, período de funcionamento, abrangência, articulação em rede, impacto social esperado e abrangência (BRASIL, 2009a).

Em síntese, a tipificação atribuiu à proteção social básica: o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF); Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV); e Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas. Na proteção social especial, de média complexidade, foram atribuídos os seguintes serviços: Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias Indivíduos (PAEFI); Serviço Especializado em Abordagem Social; Serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias; e Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua. Na proteção social especial, de alta complexidade, foram atribuídos: Serviço de Acolhimento Institucional; Serviço de Acolhimento em República; Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora; e Serviço de proteção em situações de calamidades públicas e de emergências (BRASIL, 2009a).

Tais serviços devem ser desenvolvidos em diferentes espaços, sendo eles territoriais ou institucionais. As unidades socioassistenciais elencadas no texto da tipificação para operacionalizar os serviços são: Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro da criança, adolescente, juventude e idosos referenciados ao CRAS, Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), Centro dia, Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop) e Unidades de Acolhimento (institucional, república, família acolhedora, abrigo, casa lar e residência inclusiva). Estas unidades são compreendidas como:

O CRAS é uma unidade pública municipal, de base territorial, localizada em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social, destinada à articulação dos serviços socioassistenciais no seu território de abrangência e a prestação de serviços programas e projetos socioassistenciais de proteção social básica às famílias (de acordo com a “Lei 12.435, de 06 de julho de 2011). (BRASIL, 2011a, s/página).

O Centro de Convivência [do idoso] caracteriza-se como um espaço destinado ao desenvolvimento de atividades socioculturais e educativas, dando oportunidade à participação do idoso na vida comunitária, prevenindo situações de risco pessoal e contribuindo para o envelhecimento ativo. O serviço a ser oferecido nos Centros de Convivência do Idoso se encontra tipificado como Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, no âmbito da Proteção Social Básica. (SÃO PAULO, 2014, p. 10).

ou regional, destinada à prestação de serviços a indivíduos e famílias que se encontram em situação de risco pessoal ou social, por violação de direitos ou contingência, que demandam intervenções especializadas da proteção social especial (de acordo com a “Lei 12.435, de 06 de julho de 2011). (BRASIL, 2011a, s/ página).

Centro Dia de Referência [para pessoas com deficiência] se caracteriza como uma Unidade Especializada de oferta do serviço de proteção social especial para pessoas com deficiência e suas famílias. Podendo ser uma unidade pública estatal, quando o serviço for ofertado diretamente pelo município ou Distrito Federal ou não estatal, quando ofertado pelo município em parceria com entidades sociais com vínculo SUAS. (BRASIL, 2012, p. 32).

O Centro POP é uma “unidade de referência da proteção social especial de média complexidade, de natureza pública e estatal. (...) o Centro POP se volta, especificamente, para o atendimento especializado à população em situação de rua, devendo ofertar, obrigatoriamente, o Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua (de acordo com as orientações técnicas do Centro POP). (BRASIL, 2011b, p. 41).

[Unidades de acolhimento] “unidades que executam os serviços especializados que oferecem acolhimento e proteção a indivíduos e famílias afastados temporariamente do seu núcleo familiar e/ou comunitários e se encontram em situação de abandono, ameaça ou violação de direitos. Esses serviços funcionam como moradia provisória até que a pessoa possa retornar à família, seja encaminhado para família substituta, quando for o caso, ou alcance a sua autonomia”. (BRASIL, 2015b, s/p)26.

A seguir, o Quadro 1 apresenta a síntese dos níveis de proteção, unidades e serviços, descritos na Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (BRASIL, 2009a).

26 Sitio eletrônico do Ministério do Desenvolvimento Social. Disponível em: http://mds.gov.br/assuntos/assistencia-social/unidades-de-atendimento/unidades-de-acolhimento. Acesso em novembro de 2018.

Quadro 1 – Síntese sobre o nível de proteção, unidades e serviços de acordo com a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais

NÍVEL DE PROTEÇÃO SOCIOASSISTENCIAIS UNIDADES SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS

PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA (PDB)

CRAS; CENTRO DA CRIANÇA/ ADOLESCENTE/ IDOSO REFERENCIADO NO CRAS;

DOMICÍLIO.

Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF); Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos; Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio

para Pessoas com Deficiências e Idosas.

PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL (PSE) MÉDIA COMPLEXIDADE CREAS; UNIDADES REFERENCIADAS AO CREAS;

DOMICÍLIO; CENTRO DIA E CENTRO POP.

Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias Indivíduos (PAEFI); Serviço Especializado em

Abordagem Social; Serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de

Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); Serviço de Proteção Social Especial

para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias; Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua.

ALTA COMPLEXIDADE

ABRIGOS; CASA DE PASSAGEM; CASA LAR; ILPI; REPÚBLICA; RESIDÊNCIA INCLUSIVA; ETC.

Serviço de Acolhimento Institucional; Serviço de Acolhimento em República; Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora; Serviço de proteção em situações de

calamidades públicas e de emergências.

Fonte: BRASIL, 2009a. Elaboração própria.

Identifica-se, na rede de equipamentos da assistência social, instituições tanto de natureza pública como serviços privados e organizações sociais vinculadas ao SUAS. Jaccoud, Bichir e Mesquita (2017) destacam que a responsabilidade pública em relação aos serviços socioassistenciais se desenvolveu simultaneamente para a regulação da ação privada, somada a esforços para fortalecer as ofertas públicas nos CRAS e CREAS. Em decorrência da construção histórica que sustentou a oferta da assistência social a partir de entidades de caráter privado e/ou sem fins lucrativos, o SUAS se estruturou contemplando estas organizações sociais e instituições privadas como pilares, juntos às unidades públicas, para oferecimento de ações, serviços e programas.

Chiachio (2011) comentou que a prestação dos serviços da assistência social por entidades de caráter privado foi estruturalmente construída na sociedade brasileira e as proposições das políticas sociais partiram deste respaldo para sua implementação, conforme a própria Constituição de 1988, afirmou o estabelecimento da parceria público-privado para a oferta dos serviços socioassistenciais.

O artigo 204 estabelece como diretrizes governamentais na área da assistência social a “descentralização político administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como às entidades beneficentes de assistência social. (CHIACHIO, 2011, p. 114).

Resgata-se que a PNAS também orientou a composição da Rede Socioassistencial a partir dos serviços estatais e aqueles prestados por entidades, indicando que “as entidades prestadoras de assistência social são vistas como parceiras estratégicas e corresponsáveis na luta pela garantia de direitos sociais” (CHIACHIO, 2011; STUCHI, 2012; BRASIL, 2004). De acordo com Stuchi (2012), há níveis de pertencimento das entidades de assistência social no SUAS, sendo estes:

1) estar inscrita nos Conselhos Municipais de Assistência Social, conforme Resolução CNAS 16/2010: deve ser prévia ao seu funcionamento; 2) estar

cadastrada no Cadastro Nacional de Entidades de Assistência Social de que

trata o art. 19 da LOAS, cujo preenchimento é feito pelo órgão gestor municipal nos parâmetros estabelecidos nacionalmente pelo MDS 3) estar

certificada como entidade beneficente pelo MDS, conforme Lei 12.101/2009,

com base na inscrição e no Cadastro; e 4) estar vinculada ao SUAS, na forma do art. 6 da LOAS, conforme relação da entidade com a rede socioassistencial do Município. (STUCHI, 2012, p. 11, grifo nosso).

Neste sentido, evidencia-se, além das regulamentações anteriormente mencionadas, que na última redação da LOAS (Lei no. 12.435), aprovada em 2011, foi criado o “vínculo

Suas” e o Cadastro Nacional de Entidades de Assistência Social, com objetivo de integrar a rede privada às normativas e à fiscalização pública (JACCOUD; BICHIR; MESQUITA, 2017).

Na continuidade do desenvolvimento do SUAS, em 2012 houve a aprovação de uma nova NOB, que se configurou como um instrumento regulatório que substituiu o documento de 2005 e incorporou a normatização da LOAS, reformulada com a Lei 12.435 de 2011. A NOB de 2012 apresentou o planejamento como um instrumento essencial de gestão para qualificar o SUAS (SILVEIRA, 2017).

Para além dos serviços socioassistenciais, cabe destaque aos avanços em relação à regulamentação, ampliação da capacidade institucional/administrativa e incremento das pactuações entre os entes federados na esfera da garantia de renda, particularmente no Benefício de Prestação Continuada (BPC)27 e no Programa Bolsa Família (PBF)28

27 O BPC constitui o “repasse mensal de um salário mínimo à pessoa idosa com 65 anos ou mais e à pessoa com

deficiência de qualquer idade e que tenha renda familiar per capita inferior a 1/4 de salário mínimo” (BRASIL, 2018a, p. 7).

28 Instituído pela Lei Número 10.836, de 9 de janeiro de 2004, e regulamentado pelo Decreto Número 5.209 de

17 de setembro de 2004, o Programa Bolsa Família, “tem por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal e do Cadastramento Único do Governo Federal” (BRASIL, 2004b, p. 1).

(JACCOUD; BICHIR; MESQUITA, 2017).

Desta forma, constata-se nas últimas três décadas avanços das responsabilidades protetivas e das ofertas da política de assistência social, além da consolidação de seus arranjos institucionais e operacionais. A assistência social brasileira, materializada no SUAS, passou a ter um papel estratégico no sistema de proteção social. A implementação do SUAS, permeada por conflitos e disputas, tem operado expressivo volume de benefícios monetários e ampla rede de serviços (JACCOUD; BICHIR; MESQUITA, 2017).

No bojo destes resultados positivos operados pelo SUAS, na continuidade do processo de implementação do sistema, revela-se também tendências regressivas que se utilizam de fragilidades ainda persistentes na assistência social para, por exemplo, justificar a cristalização da agenda do sistema. Segundo Silveira (2017, p. 488) nos reveses destes caminhos, em um contexto de contrarreformas neoliberais, o Programa Criança Feliz29,

implementado em 2016, ganha destaque e priorização, como programa de governo, e representa a racionalidade tecnicista da gestão pública “centrada nos resultados e na lógica da focalização”, ou seja, embora abarque uma temática importante, o Programa se mostra bastante específico e seletivo quando se observa a amplitude de demandas sociais da população brasileira.

Nesse contexto político, retoma-se a Emenda Constitucional número 95, de 2016, que instituiu um regime fiscal de congelamento dos gastos nos próximos vinte anos e projetou redução real dos gastos nas políticas sociais, configurando um movimento de transformações concretas na saúde, educação, previdência social e assistência social. Projetos em tramitação no âmbito previdenciário colocam também em cena alteração nas regras de acesso à previdência social e ao BPC (JACCOUD; BICHIR; MESQUITA, 2017).

Como consequência de ações que anunciam um desmonte da proteção social pública, os movimentos de defesa do SUAS exprimem tensões entre projetos em disputa na esfera pública. Os trabalhadores inseridos neste contexto, junto aos usuários, organizações populares e movimentos sociais “podem fortalecer processos de resistência em defesa do SUAS, no contexto atual de fragilização de suas bases”. Entretanto, deve-se considerar elementos que prejudicam o protagonismo dos trabalhadores do SUAS, como: inserção frágil nas organizações sociais e fóruns, precariedade nas condições e vínculos de trabalho, atuações

29 O Decreto n. 8.869, em outubro de 2016 institui o Programa Criança Feliz, [Art.1] “de caráter intersetorial,

com a finalidade de promover o desenvolvimento integral das crianças na primeira infância, considerando sua família e seu contexto de vida, em consonância com a Lei n. 13.257, de 8 de março de 2016” (BRASIL, 2016c,

com concepções centradas em prescrições normativas e institucionalistas e pequeno engajamento no desenvolvimento de projetos de luta pelos direitos dos cidadãos e pela dignidade humana (SILVEIRA, 2017, p. 498).

Desta forma, como executores da política de assistência social, os trabalhadores do SUAS requerem bases fortalecidas para continuidade da implementação do sistema, para que possam trabalhar de acordo com os pressupostos legais em voga. Contudo, para tanto, é necessário combater a política de não investimento no SUAS, porque esta o inviabiliza.

A partir do contexto legislativo e político rapidamente apresentado, nosso interesse se direciona a uma categoria de trabalhadores específica no contexto do SUAS, os terapeutas ocupacionais. Esses profissionais são reconhecidos pela normatização da área para integrarem formalmente as equipes técnicas e de gestão na rede de serviços do SUAS desde 2011, podendo se constituírem como importantes atores na composição e fortalecimento deste setor, juntamente com as demais categorias.