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Quando se trata de qualquer estudo sobre as plataformas de mídias sociais – um objeto que se caracteriza por sua mutação intensa – o cenário é especialmente dinâmico e os métodos de coleta e análise de dados não apenas se desenvolvem constantemente, como enfrentam novas e diversas barreiras em velocidade crescente. Isso se deve a fatores tais como a quantidade de dados, a contenção e administração constante desses por parte das plataformas de mídias sociais, o desenvolvimento das ferramentas de análise, de categorias a softwares: todos esses elementos configuram um terreno peculiar, no qual estabelecer um escopo adequado para os diversos tipos de análise se torna um desafio. Esse novo terreno, porém, mostra-se fértil a ponto de possibilitar novas análises, próprias de um novo contexto.

Com isso, pensar metodologicamente sobre este tema é parte fundamental desta investigação e se insere no debate em torno do qual uma gama de pesquisadores/as está empenhada em oferecer reflexões sobre as possibilidades de coleta, análise e visualização de dados relacionais em mídias sociais em nível nacional (FRAGOSO, 2013; RECUERO, 2015; CAMPANELLA e BARROS, 2016; SILVA e STABILE, 2016) e internacional (BOYD e CRAWFORD, 2012; COULDRY, 2016; ROGERS, 2015; SLOAN e QUAN-HAASE, 2017).

Um termo muito utilizado nos últimos anos e que está impondo novas formas de realizar a pesquisa, principalmente no campo das humanidades, é o de big data. Particularmente no campo dos estudos sobre mobilizações, protestos e movimentos sociais, principalmente após a Primavera Árabe, o Occupy e o 15M, muito esforço vem sendo utilizado para que os pesquisadores sociais se apropriem de ferramentas

capazes de capturar as novas dinâmicas sociais. Mais que aprender a utilizar programas capazes de capturar dados ou realizar bons grafos que demonstrem as conexões (seja elas de qual tipo forem: grau de entrada, grau de saída, grau médio), cabe a nós pesquisadores oferecer explicações e análises mais densas sobre o impacto da internet em processos contestatórios e o que este tipo de dado (maior parte das vezes) não estruturado pode nos dizer sobre essas novas dinâmicas.

O big data é entendido como “o processamento algorítmico de conjuntos muito grandes de "traços" de atividades de usuários coletados por plataformas digitais43” (LATZKO-TOTH, BONNEAU e MILLETTE, 2017, p. 323). boyd e Crawford

vão além nesta definição e chamam a atenção para o caráter multidimensional do termo, que envolve aspectos culturais, tecnológicos e acadêmicos nos quais a tecnologia vai maximizar o poder da computação e utilizar “a precisão algorítmica para reunir, analisar, vincular e comparar grandes conjuntos de dados44” (BOYD e

CRAWFORD, 2012, p. 663). Com isso, o desenho de pesquisa precisa considerar os “grandes conjuntos de dados para identificar padrões, a fim de fazer reivindicações econômicas, sociais, técnicas e legais45” (BOYD e CRAWFORD,

2012, p. 663).

Essa perspectiva de poder reunir um grande volume de dados em pouco tempo e com um investimento de recursos relativamente simples, já que atualmente existem muitos scrips e programas disponíveis aos pesquisadores para coleta e visualização de dados em plataformas de mídias sociais (APIs para Facebook e Twitter, Netvizz, IssueCrawler, Gephi, NodeXL etc.), tem mobilizado um número significativo de estudos baseados nesse tipo de metodologia46. No entanto, corre-se

o risco da “euforia” provocada pela “crença generalizada de que grandes conjuntos de dados oferecem uma forma mais elevada de inteligência e conhecimento que pode gerar insights anteriormente impossíveis, com aura de verdade, objetividade e precisão47” (BOYD e CRAWFORD, 2012, p. 663).

43 Tradução de: “The algorithmic processing of very large sets of ‘traces’ of user activities collected by digital platforms”.

44 Tradução de: “algorithmic accuracy to gather, analyze, link, and compare large data sets”.

45 Tradução de: “large data sets to identify patterns in order to make economic, social, technical, and legal claims”.

46 Como, por exemplo, a produção acadêmica realizadas por pesquisadores do LABIC/UFES, com destaque para a do pesquisador Fábio Malini.

47 Tradução de: “the widespread belief that large data sets offer a higher form of intelligence and knowledge that can generate insights that were previously impossible, with the aura of truth,

É nesse contexto que a construção da proposta metodológica deste trabalho se dá. Ela surge de uma inquietação e curiosidade sobre o que uma análise qualitativa e de âmbito micro permitiria avançar em termos de novos desenhos de pesquisa e discussão teórica para os estudos sobre política e internet no país.

Um dos desafios que se colocavam para mim enquanto pesquisadora era o de me inserir no mundo do big data para entender o que os “grafos estavam dizendo” sobre os protestos a partir de 2013. A revisão da literatura brasileira em periódicos da área de Ciências Sociais (SILVA et al., 2017) mostrou que somente um percentual pequeno dos estudos combinam técnicas consideradas tradicionais da pesquisa social qualitativa (entrevistas, etnografia, grupos focais) com as técnicas de coleta de dados digitais (big data ou thick data). Aliás, se comparada com a literatura internacional ou outras áreas como a Comunicação Social, o uso de coleta de dados baseados em big data nas pesquisas sociológicas é muito pequeno.

Outra lacuna identificada foi que a maior parte dos estudos se debruçava sobre a plataforma de mídia social Twitter, talvez porque a forma de obtenção de dados através de API oscilou menos. Quando os estudos focavam a plataforma de mídia social Facebook, geralmente elegiam como objeto empírico páginas e grupos. Além de uma questão teórica, uma limitação metodológica se impunha a essa preferência: programas de raspagem de dados modificaram-se muito e excluíram a possibilidade de coleta de dados automatizado de perfis devido à política de privacidade e dos interesses comerciais da empresa Facebook. O debate ético também se destaca nesse tipo de recorte visto que é muito difícil conseguir o consentimento para a coleta de dados pessoais em estudos massivos. Além disso, seria necessário um processo de negociação e interação maior com os sujeitos da pesquisa para que os objetivos do estudo fossem conhecidos e negociados e, assim, obter-se a autorização para uso dos dados.

Dessa forma, o desenho da pesquisa48 foi feito pensando-se em contemplar

essas brechas por meio de uma investigação de perfis na plataforma de mídia social Facebook de maneira qualitativa. Optou-se assim por trabalhar com volumes de dados menores e com certa aproximação dos pesquisados a partir da triangulação

objectivity, and accuracy”.

48 Na sessão seguinte, apresento de forma detalhada a concepção e construção do desenho de pesquisa.

entre técnicas ditas tradicionais e a coleta dos rastros digitais produzidos pelos indivíduos ao longo de um tempo delimitado.

Em relação ao problema de pesquisa que visa responder sobre mudanças qualitativas nas dinâmicas que envolvem o ativismo contemporâneo mediado tecnologicamente, escolheu-se por essa abordagem combinada visto que uma das dificuldades iniciais de pesquisa era recrutar pessoas sem vínculos organizativos e com participação política. A aproximação e exposição, por um período longo, das rotinas de publicações no Facebook favoreceu a compreensão sobre as características determinantes e sutilezas desse tipo de ativismo em relação a processos de engajamento.