• Nenhum resultado encontrado

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.4 BASES PARA O SISTEMA DE PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA DE PEIXES

Nesta seção são apresentadas as proposições resultantes do encontro com os agricultores, realizado a fim de propor bases para um sistema de produção agroecológico com peixes para agricultura familiar. Considerando que a base econômica da região vem da agricultura familiar e possui potencial para a piscicultura, foi consenso que é necessário desenvolver um modelo de piscicultura que leve em consideração as especificidades da agricultura familiar. Nesta perspectiva os princípios da produção agroecológica são fundamentais para o desenvolvimento da região.

Foram levantados alguns aspectos que dificultam a piscicultura agroecológica. O primeiro seria a “questão cultural”. Os agricultores mais antigos não produziam peixes e sim praticavam a pesca, que é uma atividade extrativista. Ou seja, para os agricultores, diferente de outros cultivos, não existe uma tradição, um saber camponês, na prática da piscicultura. O mercado também foi apontado como sendo um problema de difícil acesso. Não se tem informação de nenhum empreendimento de piscicultura com certificação orgânica no Brasil (MUELBERT, et al., 2014). Foi colocado que o mercado também não está habituado com peixe orgânico inclusive, não compreende o que isso significa. Além disso, a falta de capacitação, infraestrutura para produzir ração orgânica para alimentar os peixes são outros entraves. Alguns agricultores compreendem que o custo também seria alto para se adequar a legislação ambiental, já que construíram açudes em áreas de APPs e necessitariam de recursos para construírem em outras áreas, regularizando a sua situação.

Outro aspecto discutido foi a escassez de mão de obra no campo. Castro (2009) aponta que vários autores defendem que a saída de jovens do campo rumo à cidade é devido às dificuldades enfrentadas como acesso à escola, trabalho e atração do jovem pelo estilo de vida urbana. No entanto, afirma que a juventude que está no campo se apresenta invisível, pelo pequeno número de jovens que lá permanecem. Porém estes que permanecem têm sua identidade relacionada ao campo “Juventude rural”, sendo um setor estratégico no processo de disputa política de modelo de desenvolvimento econômico.

Após, apontada as principais dificuldades foi consenso entre o grupo, que é preciso estar adequado a legislação ambiental e ter como referência a IN 28, que trata sobre a produção orgânica para a piscicultura. Porém, a piscicultura agroecológica deve ir além do que a IN 28 prevê, já que visar apenas a piscicultura na propriedade pode-se reproduzir a

mesma lógica da substituição de insumos. Neste sentido se encontra a necessidade de desenvolver a piscicultura integrada com outras atividades.

Com relação à IN 28, os agricultores se mostraram muito interessados, já que desconheciam a mesma. Neste sentido, foi discutida a produção convencional de alevinos de tilápia, que passam por a reversão sexual. A IN 28 proíbe o uso de organismos sexualmente revertidos e a produção desta espécie seria dificultada. Alevinos de outras espécies, mesmo não provindos de criatórios orgânicos, poderiam ser cultivados. A IN prevê que “na impossibilidade do uso de métodos de reprodução natural serão permitidos métodos não- orgânicos cabendo a OAC ou OCS estabelecer prazos para o desenvolvimento da tecnologia para seu atendimento” (BRASIL, 2011).

Foi possível discutir o desenho do agroecossistema, a viabilidade e possibilidade de integrar a piscicultura nas demais atividades, que já são desenvolvidas pelas famílias. Surgiram propostas e inseguranças sobre este formato de agroecossistema. No entanto o coletivo concluiu que é de extrema importância fazer uma integração das atividades na unidade produtiva. Quando os agricultores trabalham em função de apenas uma atividade eles se afastam da lógica da Agroecologia. Uma unidade produtiva que visa apenas o lucro, com a atividade está fadada ao fracasso da sustentabilidade, pois dependerá de mercado externo para produzir. Foi citado o exemplo a produção de leite, que depende diretamente da ração e do preço, onde as empresas pagam o preço que querem pelo seu produto. Geralmente o valor da ração aumenta com frequência, mas o preço do leite se mantém ou diminui em muitos casos, trazendo prejuízo para os agricultores. O mesmo acontece com o piscicultor, que está atrelada ao preço da ração e do produto final, se a ração aumenta os seus lucros caem e se o preço do produto final diminui, não tem lucro, ou seja, a possibilidade dele ter prejuízos é maior do que as chances de obter lucros.

Para Sarandón (2014) o desenho dos agroecossistema deve ser o mais próximo da realidade das famílias camponesas, que não almejam continuarem dependentes do mercado, Os agricultores se dispuseram a buscar um desenho onde a piscicultura fique em um lugar estratégico, por exemplo, no ponto mais alto possível da propriedade para diminuir custos com encanamento para fazer a fertirrigação. A construção dos açudes deve ser em um lugar central que favoreça a utilização da água, que pode ser para irrigação ou como reservatório para os animais.

É necessário levar em consideração os aspectos ambientais, custos de implantação e finalidade da piscicultura. Compreendendo isso o coletivo ressaltou a importância do SAFs, nas áreas de APP e também em volta dos açudes. Na construção do SAFs, deve se levar em

consideração as espécies que serão cultivadas, para inserir árvores com frutas comestíveis para os peixes, além de contribuir para impedir a contaminação pelo vento e enxurradas oriundas de possíveis áreas contaminadas pela vizinhança. Considerou-se que a discussão dessa questão, precisa avançar mais e ser melhor estudada, para que área implantada não se torne APP, com o passar do tempo.

Para a alimentação dos peixes, os agricultores relatam a dificuldade que teriam na aquisição de ração, já que a ração convencional tem ingredientes transgênicos na sua composição e estes são proibidos nos sistemas orgânicos. Declaram que fornecem polenta, quirela, abóbora e mandioca cozida, milho verde, capim e frutas, entre outros alimentos para os peixes. Os agricultores que utilizam esta alimentação produzem peixes apenas para o consumo. Manifestaram muito o interesse em produzir ração orgânica artesanal, com os ingredientes produzidos na propriedade. No entanto é preciso capacitação técnica, conhecimento sobre os ingredientes e suas quantidades, para fazer uma ração balanceada.

Porém, se torna difícil para um agricultor cultivar todas as matérias primas para os ingredientes14 que são utilizados na ração. Neste sentido, propôs que um grupo de agricultores produzissem coletivamente os ingredientes, podendo dividir um ou mais ingredientes por produtor e adquirir somente o que não é possível ser produzido entre eles. É importante também construir um grupo, para facilitar o trabalho na elaboração da ração, compreendendo que existem projetos na universidade que produzem ração orgânica artesanal, com pesquisas com diferentes ingredientes e formulações com potencial, que os agricultores poderiam utilizar.

Observa-se que os agricultores já trabalham com uma alimentação para os peixes, que não necessitam de ração industrial. Percebe-se que faltam estudos sobre os tipos de alimentos que os agricultores fornecem para os peixes. Além da escolha das espécies que serão utilizadas no policultivo, que é de suma importância, para planejar o tipo de alimentação. O agricultor precisa ter acesso às informações do hábito alimentar das espécies que pretende utilizar, prevendo preferencialmente a utilização de mais de uma espécie, trabalhando com o policultivo, para garantir o melhor aproveitamento de espaço e alimentação. Também é importante definir a finalidade do cultivo, se vai ser para consumo e lazer ou se tem intenção de comercializar. Sobre as espécies a serem utilizadas no sistema, a IN 28 recomenda dar preferência para as espécies nativas da região ou adaptadas as condições locais.

14

Na seleção dos alevinos se recomenda levar em consideração a origem, para ter certeza que eles são de qualidade. Os agricultores relatam que e frequente o problema com os alevinos que recebem, alguns se desenvolvem e a grande maioria recebe o mesmo tratamento, mas não se desenvolve. Pontuaram a necessidade de desenvolver na região um centro de produção de alevinos orgânicos com capacidade para fornecer estes para os agricultores.

Com relação à comercialização da produção, os agricultores colocaram que existem várias possibilidades na região. O mercado está crescendo, com o fornecimento através de políticas públicas como o PAA e PNAE, além de restaurantes e feiras. Porém na discussão foi cogitada a hipótese, que a piscicultura agroecológica poderia ser apenas para autoconsumo e lazer da família. Também ressaltam a importância da mesma para potencializar as demais atividades dos agroecossistema em um primeiro momento. Pois para comercializar a produção, os agricultores precisam a adequação ambiental e o devido licenciamento.