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BASES SOCIAIS, POLÍTICAS E IMAGINÁRIAS DAS

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3. MANIFESTAÇÕES DE JUNHO DE 2013, MÍDIA E COPA DO MUNDO

3.1. BASES SOCIAIS, POLÍTICAS E IMAGINÁRIAS DAS

tensões decorrentes das ações de manifestantes críticos à realização da competição no país, iniciadas antes da Copa das Confederações em 2013 e seguiram, apesar de proporções menores, até a realização da Copa do Mundo 2014. São ainda abordadas as relações entre mídia e Copa do Mundo.

3.1 BASES SOCIAIS, POLÍTICAS E IMAGINÁRIAS DAS MANIFESTAÇÕES DE JUNHO DE 2013

Atualmente, são recorrentes pesquisas acadêmicas e mercadológicas que se propõem compreender a nova classe média no Brasil, amplamente divulgada pela mídia nos últimos anos. Sem pretensões de dar conta de desvendar toda a complexidade que envolve este fenômeno social, neste estudo, apresentamos um breve cenário e fazemos algumas relações com as manifestações ocorridas no país e que, de seu encadeamento, emergiram novos discursos ligados à Copa do Mundo, especialmente no contexto intervalar entre a Copa das Confederações, em 2013, e o Mundial, em 2014.

Classe social é “identificada”, geralmente, pelas condições econômicas das famílias, embora existam diversas metodologias (OCDE, Banco Mundial, FGV, Critério Brasil, SAE/PR, etc.) que tentam exprimir fatores relevantes à época para a melhor definição dos estratos. Por exemplo, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR)44 adota critérios que classificam como classe média a parcela da

população que possui renda familiar média entre R$1.540 e R$ 2.813 (divididos em três grupos: baixa classe média, média classe média e alta classe média), sendo que a renda per capita varia entre R$ 291 e R$ 1091. Já a definição adotada pela Associação Brasileira de Empresas e Pesquisas (ABEP), a partir de 2014, elaborada pelos professores Wagner A Kamakura (Rice University) e José Afonso Mazzon (FEA-USP), no livro

Estratificação socioeconômica e consumo no Brasil45, agrupa na classe média indivíduos

que possuam renda média familiar entre R$2.674 e R$9.897. A ABEP é referência na

44 Mais informações em http://www.sae.gov.br/vozesdaclassemedia/. Acesso em 13 out 2014. 45 Mais informações em http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2013/08/veja-diferencas-

realização de pesquisas de opinião e padrão de consumo no Brasil. São evidentes, contudo, as dificuldades em condensar realidades socioculturais tão híbridas, como o caso do nosso país, em classes rígidas.

No editorial escrito por Álex Rodrigues, intitulado Ni demasiado rico, ni

demasiado pobre, da Revista Vanguarda Dossier (2013), cujo número tratava

exclusivamente da classe média, o autor conclui que “[...] a receita, pois, parece evidente: quanto mais classe média no mundo, melhor. Um mundo sem desigualdades, nem muito rico, nem muito pobre, como diria Aristóteles” (RODRIGUES, 2013, p. 3, tradução nossa). Apesar de parecer contraditório aos interesses do capitalismo, a redução das desigualdades e, consequentemente, a criação de uma massa de consumo acabam por tornar-se um grande negócio para os setores empresariais. Peres e Bairon (2013), ao recuperarem a ideia no livro A riqueza na Base da Pirâmide (PRAHALAD, 2005, apud PERES; BAIRON, 2013), contribuem para que a reflexão seja ampliada sobre parte da população de renda baixa, excluída até então pelos empresários. Além disso, a obra discute a importância deste estrato nos processos sociais e econômicos, bem como sua importância para obtenção de riqueza e, ao mesmo tempo, e para levar desenvolvimento e prosperidade, sob um ponto de vista humanista e capitalista.

A classe média/baixa, nessa perspectiva, vem recebendo atenção especial em diversos setores (social, econômico, político, cultural, entre outros), com plurifinalidades (comercial, redução das desigualdades, consumo, etc.), o que, em certa medida, vem alargando as oportunidades em diversas áreas nas quais essa população não tinha acesso. Tal circunstância levou a classe C a gastar R$1,71 trilhão em 2013 e movimentar 58% do crédito no país, segundo pesquisa divulgada em fevereiro de 2014 pela SERASA Experian e Data Popular46. A pesquisa, que levou em consideração as famílias que têm

renda per capita entre R$320 e R$1.120, revelou que esta classe é composta por aproximadamente 108 milhões de pessoas no Brasil. O estudo ainda apresentou a evolução das classes econômicas e a previsão para 2023:

46 Mais resultados da pesquisa em http://exame.abril.com.br/economia/noticias/54-dos-brasileiros-

Gráfico 1: Evolução das classes econômicas e previsão para 2023

Fonte: SERASA EXPERIAN e DATA POPULAR (2014)

É interessante observar no gráfico que o aumento significativo do percentual da população pertencente à classe média foi acompanhado pelo crescimento da classe alta. Em termos da projeção de consumo da classe média brasileira, a pesquisa destacou que, nos 12 meses seguidos, os brasileiros que integram este estrato pretendiam comprar:

Bens individuais Bens domiciliares

8,5 milhões de viagens nacionais 7,8 milhões de móveis para a casa

7,8 milhões de notebooks 6,7 milhões de aparelhos de TV

4,5 milhões de tabletes 4,8 milhões de máquinas de lavar

3,9 milhões de smartphones 3,0 milhões de carros

3,2 milhões de viagens internacionais 2,5 milhões de casas ou apartamentos

Quadro 1: Pretensão de compra dos brasileiros pertencentes a classe média nos próximos 12 meses

Fonte: SERASA EXPERIAN e DATA POPULAR (2014)

Mas aproximadamente um semestre após este levantamento, dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e Data Popular, a pedido do Jornal Folha de S. Paulo47, concluíram que 49% das famílias pertencentes à Classe C não conseguiram

adquirir – à época da realização da pesquisa – o que compravam seis meses atrás. Essas

47 Resultados divulgados pela Folha de S. Paulo, no dia 21 de setembro de 2014, no caderno B1. Matéria

intitulada “Metade da Classe C diz ter perdido poder de compra’.

49% 24% 9% 38% 54% 58% 13% 22% 33% 2003 2013 2023

Evolução das classes econômicas e previsão

para 2023

incongruências revelam que, apesar da redução das desigualdades, a ascensão da classe média não representa seguramente uma estabilidade. Os produtos e serviços consumidos, o salário, o emprego e a manutenção do poder aquisitivo são oscilantes ao longo dos anos. De todo modo, podemos afirmar que existem experiências de consumo mais próximas entre os indivíduos de classes mais baixas e indivíduos de rendas mais altas. O termo experiência foi alocado por conta dessa volubilidade mencionada. Observa-se, ainda, que há maior procura por produtos que representam uma inclusão simbólica, isto é, indivíduos economicamente excluídos na história adquirem bens e serviços que os tornem análogos aos considerados “incluídos”, mesmo que esta sensação seja expressa apenas no momento do consumo. Contudo, na visão de Peres e Bairon (2013), esta aproximação, especialmente o maior convívio, entre as classes vem “[...] desenvolvendo um imaginário mais crítico e mais seletivo” (p. 181) entre pessoas de baixa renda. Em termos de escolaridade, 55% dos jovens entre 18 e 25 anos da classe C ocupavam vagas nas universidades em 2011, um aumento de 15 pontos percentuais em relação a 2004, segundo pesquisa do Instituto Data Popular48.

A falta de estabilidade relativa ao consumo de bens e serviços aliada à ampliação da formação de uma população mais crítica, talvez em função do maior acesso às universidades, podem ser considerados fatores relevantes para o fortalecimento em termos ideológicos e numéricos, cujo resultado foi a proporção tomada pelo conjunto de manifestações no país em junho de 2013, sobretudo a miscigenação de valores e ideias que circundavam as mobilizações, por não contarem com a participação ativa de partidos políticos na linha de frente (inclusive houve conflito quando bandeiras de determinado partido político apareceu em meio às passeatas)49.

Essa nova classe média, na visão de Alves (2014), apesar de se consolidar como parte das mudanças no padrão social do país, foi construída com base no neodesenvolvimentismo (visível no Brasil nos governos Lula e Dilma Rousseff). O neodesenvolvimentismo pode ser visto como uma modernização conservadora, na qual confluiu em contradições sociais, haja vista que a concepção inicial deste governo era criar barreiras contra o capital e investir maciçamente em serviços públicos, porém a reforma social (apesar de iniciada) perdeu lugar para políticas neoliberais. Neste sentido,

48 Informações embasadas em http://www.sae.gov.br/site/wp=9390. Acesso em 01 out. 2014.

49 Segundo pesquisa Ibope realizada em 20 de junho de 2013, 89% dos manifestantes não se achavam

representados por nenhum partido político. Informações em http://g1.globo/brasil/noticia/2013/06/veja- integra-do-ibope-sobre-os-manifestantes.html. Acesso em 24 set. 2014.

Alves (2014) aponta como hipótese principal de seu estudo que “o ‘choque de capitalismo’ neodesenvolvimentista provocou, no plano do metabolismo social do trabalho vivo, profundas inquietações existenciais nas individualidades pessoais de classe, expondo nelas, carecimento civilizatório do capital alcançado na contradição viva”.

Num contexto de capitalismo tardio, parte da sociedade brasileira, marginalizada até então, sonha com o consumo de bens e serviços – parte do padrão civilizatório – e com a ascensão social, porém ainda não possui transporte público, saúde, segurança e educação assegurados quanti e qualitativamente pelos governos estadual e federal. Esse cenário de contradições foi intensificado com o neodesenvolvimentismo. Possivelmente, este sonho foi derivado mediante a ampliação da renda de uma parcela da população que integrava a classe baixa e ascendeu para a classe média. Em contrapartida, o orçamento público da União, que poderia ser ainda mais dedicado aos serviços públicos e à melhoria das condições de vida dos cidadãos, continua sendo sugado pelo capital financeiro.

Em certa medida, a insatisfação popular está atrelada a problemas ou déficit de governança, porque a qualidade dos serviços públicos estava sendo questionada pelos manifestantes. Governança, diz Gonçalves (2013, p. 2), abarca a “[...] capacidade de executar políticas e a eficiência de atingir os resultados de interesse da coletividade. O problema da governança gera perda de bem-estar. Gonçalves (2013, p. 3) argumenta que diversos fatores endógenos e exógenos afetam a governança, como os “[...] processos históricos (herança colonial, transição democrática, nível de desenvolvimento econômico), questões estruturais (dotação de recursos, qualidade e fragmentação das elites) e fatores conjunturais (pressão internacional)”. Singer (2012) atribui a vitória da Dilma na eleição de 2010 a extensão do lulismo, isto é, um estilo de governança ambíguo em meio a um jogo de forças entre a mudança e a conservação; entre o social e o capital.

Neste ínterim, o autor situa o problema de governança do governo de Dilma Rousseff e as relações com os protestos:

Quadro 1: Legitimidade do Estado, Protestos Populares e Instabilidade Política no Brasil (GONÇALVES, 2013).

Esta crise de governança e também a crise de representação das entidades clássicas da política de participação democrática formal concomitante, ou consequentemente, à redução do bem-estar social podem ser fatores importantes para refletir as motivações da eclosão das manifestações em junho de 2013. Outra questão importante a ser dita é que sempre houve mobilizações sociais na luta pelos direitos e reinvindicações de melhores condições de sobrevivência de grupos minoritários, contudo a divulgação ficava mais restrita a pessoas ligadas diretamente aos movimentos. Portanto, o bloco de reivindicações, a associação de diversos grupos em conjunto com a sociedade civil e a contribuição da internet e redes sociais virtuais foram substanciais para a execução do grande movimento social que balançou o Brasil. Anos mais tarde, foi possível identificar que, para além desta motivação (sentimento de redução de bem-estar social), nas manifestações, existiam conexões entre grupos com ideias conservadoras, que almejavam

Déficit de Governança

(Governo Dilma) Determinantes estruturais

Catalisadores dos protestos populares (Brasil Invertebrado, Brasil Negativado, Lulismo) Crise de governança Percepção de perda crescente de bem-estar (Desenvolvimento às avessas) Crise de legitimidade do Estado Percepção de custos crescentes de manutenção do status quo Protestos Populares Instabilidade Política

a saída do Partido dos Trabalhadores do Governo Federal, com discursos de que havia uma ameaça comunista e que a corrupção no país havia sido institucionalizada por este partido. De todo modo, é relevante ressaltar como os protestos tiveram reflexos na Copa do Mundo no Brasil e na apuração da mídia em relação a estes dois movimentos.

3.2. MANIFESTAÇÕES ENTRE A COPA DAS CONFEDERAÇÕES E COPA DO

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