• Nenhum resultado encontrado

Bear 71 segundo conceitos de interação mútua e reativa (PRIMO, 2000, 2011)

4.2 BEAR 71

4.2.3 Bear 71 segundo conceitos de interação mútua e reativa (PRIMO, 2000, 2011)

A participação do usuário em Bear 71, de acordo com os critérios de Primo (2000, 2011), é analisada através de sete parâmetros: sistema, processo, operação, fluxo, throughput, relação e interface.

O sistema em Bear 71 é fechado. Primo (2000) afirma que para o sistema ser considerado aberto, é necessário que as partes envolvidas sejam dependentes umas das outras, ou seja, há evolução e desenvolvimento através da troca entre os participantes. No entanto, o sistema deste webdocumentário não se adapta ou modifica de acordo com os inputs do usuário, sendo igual para todos os participantes. As escolhas realizadas pelos usuários são baseadas em elementos fixos, que não podem ser alterados pelos participantes, e que apresentam a mesma configuração cada vez que o artefato é acessado.

Assim como os elementos permanecem os mesmos, a repetição de uma determinada ação irá resultar na repetição da resposta. Isso significa que o processo é baseado em estímulo-resposta. Cada vez que o usuário acessa Bear 71, deverá escolher se quer clicar no ícone “Fox 55”, “Deer 431” ou “Wolf 48” para ver imagens e informações desses animais. Mas não será possível solicitar imagens de um avestruz ou qualquer outro animal que não está representado por um ícone. Isso demonstra que não há negociação no processo.

Existem duas formas de funcionamento para a operação: ação-reação e interdependência. Na segunda, as ações dos envolvidos influenciam cada movimento subsequente, o que não ocorre em Bear 71. Como afirmamos acima, as ações do usuário não afetam o sistema da obra, de forma que o reflexo das escolhas feitas é limitado ao que o usuário está visualizando no momento da navegação e não influenciam a estrutura do

usuário clica em uma delas e o sistema reage de acordo com o comando.

O fluxo trata do movimento das informações e é um aspecto cuja análise, em Bear 71, apresenta obstáculos. Primo diferencia dois tipos de fluxo:

Os sistemas de característica mútua se caracterizam por seu fluxo dinâmico e em desenvolvimento. Já o fluxo reativo se apresenta de forma linear e predeterminada, em eventos isolados. [...] Isto é, existe uma sequência definida de acontecimentos sucessivos. Em teoria da comunicação diz-se que o modelo da teoria matemática da informação é linear e mecânico. Assim, o usuário age em um sistema reativo apenas nos limites que o programador planejou.

Ao mesmo tempo em que parece que o usuário age criativamente na escolha, ele apenas circula por perguntas que foram feitas antes de sua chegada na interação, e obtém respostas que foram emitidas antes mesmo desse relacionamento se estabelecer. (2000, p. 88)

Em Bear 71 não há uma sequência definida de acontecimentos sucessivos. Os movimentos do usuário e do sistema não seguem uma alternância fixa, porque não há momentos específicos para input dos participantes. Apesar do usuário estar circulando em um espaço com limites planejados pelo programador, acreditamos que o fluxo de informações não é pré-ordenado, visto que permite movimentos do usuário a qualquer momento.

Throughput indica se as respostas possíveis na interação são predeterminadas e automáticas, ou se há uma interpretação, um trabalho de seleção inteligente realizado pelo sistema. Quando o usuário clica em um ícone de um dos animais de Bear 71, há apenas uma resposta: abrir a janela com vídeo e informações em texto ao lado deste vídeo. Todos os comandos funcionam dessa forma no webdocumentário, de maneira que a máquina não precisa decodificar mensagens do usuário, e as opções são automatizadas e predeterminadas.

A relação em Bear 71 é causal, pois todas as ações realizadas pelo usuário geram respostas previstas no sistema. Assim como a máquina não passa por um processo de interpretação do comando inserido, também não ocorre negociação entre os participantes ou respostas originais na navegação. Cada processo possui uma causa e um efeito interconectados — que podem ser facilmente identificados.

Se a relação na obra fosse mútua, poderia haver ponderações ou questionamentos do usuário dentro do sistema. Informações podem ganhar novas interpretações ou nuances em uma relação negociada. Participantes poderiam propor perguntas como: “Será que, o uso das câmeras não protege os animais de fato?”; “Esses recursos servem para inibir a caça?”; “O uso do equipamento de monitoração é um capricho tecnológico?”; “Ao descobrir que o vazamento de grãos nos trilhos atrai animais e provoca acidentes os responsáveis não implementam o sistema de transporte?”; ou ainda, “Será que as informações coletadas sobre o

acidente?” A configuração de Bear 71 não promove a problematização dos fatos como seria possível em uma interação mútua.

Todas as transformações e realizações no sistema de Bear 71 estão à espera dos comandos e permissões (no caso da webcam) do usuário. A interface é potencial, porque é um conjunto de possíveis que aguardam por sua realização (através do comando do usuário). Não há movimento de atualização a cada interação. Segundo Primo (2000, p. 89), a atualização é uma característica fundamental em uma interação mútua. O autor afirma:

A relação [mútua] é definida e redefinida constantemente em uma interface virtual. A própria definição da relação surge da virtualização. Como cada interagente interpreta a relação em que se engaja, esse é um processo virtualizante de constantes atualizações. Já em um sistema reativo fechado a relação é determinada pelo interagente pró-ativo, enquanto o interagente reativo (ou o reagente) deve se adequar ao molde que foi definido antes que ele se engajasse no sistema.

Identificamos apenas uma forma dos usuários realizarem modificações não previstas pelo sistema: através do uso criativo do mecanismo da webcam. Nada impediria, por exemplo, que um visitante aceitasse o acesso à sua imagem e utilizasse cartazes com frases para inserir um novo conteúdo na obra. Porém, o efeito dessa ação seria limitado, pois não ficaria nenhum registro no sistema, e a única chance de transmitir a mensagem do usuário seria se ele ficasse online e esperasse que outros participantes acessassem a obra. Como afirmamos anteriormente, a ferramenta de acesso à webcam do usuário acaba não acarretando mudanças de discurso, não configurando uma possibilidade de problematização pelo usuário.

Neste caso, como observamos nos sete critérios de Primo (2000), há uma interação reativa, ou seja, os participantes não estão interagindo uns com os outros, adaptando, dessa maneira, suas respostas (e percepções) de acordo com o andamento do diálogo. A cada decisão/ação tomada, o participante está, na verdade, reagindo a um movimento prévio da outra parte.

Ao analisarmos as características da interação proposta em cada uma dos webdocumentários, não defendemos que um modelo seja superior ao outro. As qualidades da interação mútua e da interação reativa são adequadas à proposta de cada autor, e nem toda obra é desenvolvida com o objetivo de abrigar um debate ou diálogo. É importante que haja diversidade de abordagens e que cada autor expresse sua mensagem da forma que lhe convém. Não é um problema que algumas obras não se adaptem a cada usuário ou transmitam apenas um ponto de vista sobre o tema tratado.

importante, pois revela que o uso de uma plataforma que permite a interação mútua – a web – não resulta, necessariamente, no desenvolvimento de obras que promovem esse tipo de interação. Compreendemos que o tipo de interação empregado depende da intenção do autor.

Gaudenzi (2013) afirma que mesmo em sistemas fechados, nos quais o usuário não pode inserir novos conteúdos ou comandos que não foram pré-programados, é possível encontrar uma negociação que transforma os participantes e a obra:

Se de fato as escolhas oferecidas ao usuário estão partindo do artefato digital, a cada clique ambos, o usuário e o documentário, co-emergem e reconstiruem-se (comportamento autopoiético). Durante este encontro rítmico, no qual o usuário escolhe e o algoritmo re-calcula novas opções, ambos mudam suas identidades e se re-singularizam.130 (2013, p. 246, tradução nossa).

A mudança de identidade apontada pela autora é limitada em sistemas fechados. Essa reconstituição ocorre dentro de um número específico de identidades possíveis, que foram previstas e programadas pela equipe de produção da obra. De fato, há uma negociação entre o usuário e a obra, e as escolhas do usuário influenciam na forma como os elementos são arranjados. Porém, o usuário apresenta um potencial ilimitado de reconfigurações, ao passo que a obra comporta um número fixo de pontos de vista. Se o propósito de um autor é explorar diferentes abordagens sobre um tema, ou auxiliar o usuário a encontrar novas formas de perceber um aspecto do mundo histórico, um sistema aberto apresenta potencial para realizar esses objetivos de forma mais ampla.