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4.2 BEAR 71

4.2.1 Bear 71 segundo os modos de interação de Gaudenzi (2013)

Ao analisar a obra de acordo com a teoria proposta por Gaudenzi (2013), identificamos que o tipo de interação, em Bear 71, é semifechada. Como é indicado na descrição de Bear 71, o usuário navega dentro de um espaço concebido pelos autores sem

(exemplificada na figura 19), não há nenhum tipo de colaboração do usuário na ação: não é possível falar, inserir texto ou deixar depoimentos. O vídeo do usuário é veiculado durante sua conexão. Outros participantes podem vê-lo, mas nenhum usuário modifica nada na obra. Os usuários são recebidos como visitantes em um parque protegido: podem atravessar, olhar e explorar o ambiente, mas não é permitido alterar nada.

Para se encontrar o modo que melhor descreva Bear 71, é necessário examinar a lógica da interatividade, a função do usuário na obra e o papel do autor. Vejamos, então, como cada um desses elementos se apresenta na obra.

Lógica da interatividade:

Bear 71 apresenta “interruptabilidade”, uma vez que é possível parar os elementos executados pelo sistema (narração, vídeos e trilha sonora) sem prejudicar seu funcionamento ou interromper a movimentação do usuário no cenário.

A degradação graciosa (a ação de reconhecer, de forma funcional, uma pergunta para a qual não há resposta prevista), não é encontrada, pois o sistema não computa comandos não previstos. Assim como em Fort McMoney, se o usuário clicar em um elemento que não corresponde a uma ação possível, o sistema irá ignorar o clique, não gerando, nenhum comando ou resposta.

Não há previsão limitada (característica que permite que participantes da interação obtenham respostas para perguntas não previstas), porque o sistema prevê todas as ações possíveis. O usuário não pode inserir comandos não previstos.

A sensação de banco de dados infinito não ocorre, uma vez que o usuário percebe os limites da obra. Esses limites ficam evidentes nos pontos onde o cenário termina, assim como nos números fixos e delimitados de ícones de câmeras de vídeo, de animais, de elementos da flora e de faixas da narrativa para serem exploradas.

O usuário desfruta de mais independência para navegar em Bear 71 do que em Fort McMoney. Enquanto no primeiro é possível acessar qualquer parte da narrativa ou do cenário livremente, o último impõe uma ordem de acesso e bloqueia determinados conteúdos para que o usuário persiga o objetivo de encontrar informações e investigar. Essa liberdade de navegação, encontrada em Bear 71, corresponde ao princípio de não default. O sistema do webdocumentário funciona de forma independente, e roda a narrativa caso o usuário não queria comandar as faixas, mas o usuário é livre para escolher o ordenamento que deseje, não havendo um caminho imposto para que ouça a narrativa ou explore o cenário.

obra são fixos (não são adicionados novos trechos de vídeo, registros da flora ou de espécies de animais). A plataforma utilizada – a web – oferece condições para que novos conteúdos sejam inseridos (como registros realizados por usuários que visitaram o Parque Banff, por exemplo). Porém, o sistema de Bear 71 não foi projetado para receber colaborações dos usuários. Sendo assim, esse webdocumentário possui computação fechada. Seu sistema funciona dentro de padrões pré-programados pela produção, não sendo possível inserir novos comandos ou conteúdo.

O comportamento do sistema de Bear 71 é fixo, porque toda vez que é acessado, a navegação começa com idêntica configuração inicial. O sistema da obra não evolui, pois não realiza adaptações ou mudanças. A participação dos usuários não afeta a estrutura do sistema, que permanece igual desde o lançamento (em 2012).

A interação com o mundo não ocorre nessa obra. De acordo com Gaudenzi (2013), a interação com o mundo através de um documentário interativo resulta em uma sobreposição de colaborações. O espaço retratado pode ser percebido pelos usuários através da contribuição de outros participantes, e o sistema comporta um conjunto de visões do local (à medida que novas participações são inseridas).

Bear 71 retrata o parque Banff utilizando recursos criados por diferentes fontes, porém o ponto de vista produzido com o material é o da autora. Ao contrário do que ocorre em Rider Spoke, onde cada participante insere sua visão pessoal no relato, em Bear 71 a produção reuniu diversos registros, selecionou e editou o conteúdo, construindo o argumento da autora. Os usuários não podem influenciar a forma como o parque Banff é percebido através de sua participação em Bear 71, por isso a característica de interação com o mundo não é encontrada.

Função do usuário:

A função explorativa é a mais adequada para descrever o papel do usuário neste webdocumentário. Há um cenário estabelecido, e o usuário recebe opções de como navegar e o que explorar: movendo-se no parque virtual, ele pode visualizar animais que habitam o Parque Banff e os demais elementos que caracterizam a região.

As características identificadas na lógica da interatividade de Bear 71 revelam que o usuário não exerce a função configurativa, já que não é possível criar ou colaborar na narrativa, ou reorganizar os elementos apresentados pela autora.

Embora o usuário seja inserido no cenário e tenha liberdade para trafegar pelo espaço, nenhuma decisão estratégica é tomada, e as ações não são determinantes, uma vez que a

role-playing.

A possibilidade de o usuário exercer a função poética em Bear 71 é controversa. Esse webdocumentário foi claramente projetado para proporcionar uma experiência interessante e agradável do ponto de vista estético. A reprodução do parque foi projetada retratando mudanças de relevo e contrastando elementos da natureza e construções humanas, entre elas o trecho onde há um município (dentro do parque), as ferrovias e rodovias. Os elementos naturais (árvores e lagos) são representados por formas geométricas mais leves, utilizando tons de azul e verde, e são distribuídos de forma espaçada, enquanto em símbolos com aparência mais sólida, é empregado preto e cinza, sendo representados em quantidades massivas, acumulando-se, em maior volume, em pequenas áreas que retratam as construções.

O movimento e a adaptação da imagem, à medida que o usuário se desloca, despertam o interesse. A trilha sonora também influencia a experiência. Quando todas as faixas da narrativa foram rodadas, a trilha sonora torna-se mais animada e figura como o único som acompanhando a navegação.

Além disso, o texto de apresentação do webdocumentário (disponível no link About) destaca como é importante desfrutar e experienciar os momentos. O texto afirma que a ursa era rastreada e registrada como dados (data), um reflexo da forma como vemos o mundo: passamos a quantificar e qualificar tudo ao invés de vivenciar as experiências.

É possível afirmar que os autores articulam recursos com objetivo de projetar uma experiência estética singular e impactante em Bear 71. Apesar desse aspecto não ser o foco principal — o que fundamenta a obra —, é possível afirmar que parte da motivação do webdocumentário é estética, sendo assim, uma das funções possíveis para o usuário é a poética.

Papel do autor:

Entre as quatro funções apontadas por Gaudenzi (2013), nenhuma descreve exatamente o trabalho realizado pela autora de Bear 71. A criação do webdocumentário não envolveu projetar um mundo e suas regras; não foram delineados possíveis caminhos pela obra; o sistema não foi desenvolvido utilizando um bando de dados aberto que é alimentado pelos usuários; nem o ambiente é dinâmico a ponto de proporcionar um conjunto complexo de experiências vivenciadas pelo usuário.

A tarefa que parece mais próxima da função do autor em Bear 71 é organizar os elementos dentro de um sistema fechado, mas sem determinar os caminhos que serão

obra.

Modo de interação adequado para Bear 71:

A lógica da interatividade, no modo conversacional, é identificada pelos seguintes parâmetros: “interruptabilidade”, degradação graciosa, previsão limitada, impressão de banco de dados infinito e sensação de imprevisibilidade (princípio do não default). As funções do usuário, possíveis no modo conversacional, são: explorativa, de role-playing e configurativa.

As características do texto e as funções do usuário indicam que o modo conversacional não é adequado para descrever Bear 71. Com exceção da “interruptabilidade”, nenhum outro aspecto da lógica da interatividade do modo conversacional é identificado na obra. Ademais, as funções de role-playing e configurativa não são desempenhadas pelos usuários nesse webdocumentário.

O modo participativo também não representa Bear 71, pois é baseado em alguns aspectos que não são encontrados na obra, entre eles a interação baseada em banco de dados aberto, que está em evolução por período indeterminado. Outro elemento importante na caracterização do modo participativo é que o usuário exerce a função configurativa, o que não ocorre na obra em questão.

O modo experimental também é inadequado para classificar Bear 71. A interação, neste modo, exige as seguintes características (que não encontradas na obra): memória e recursos temporais ilimitados, evolução do sistema e funções configurativa e de role-playing (protagonismo) por parte do usuário.

O modo hipertexto é a última possibilidade. A função do usuário, nesse modo, é explorativa, e como vimos, ela condiz com o papel desempenhado neste webdocumentário. Resta determinar se a lógica da interatividade é adequada à obra. No modo hipertexto, o sistema apresenta capacidade de armazenamento limitada, computação fechada e comportamento fixo. A função do autor é criar possíveis caminhos dentro de um banco de dados fechado.

Ainda que Bear 71 se encaixe nas características de configuração textual e na função do usuário, a obra não é construída de modo similar a outros exemplos de webdocumentários do modo hipertexto. Bear 71 não é elaborado através de micronarrativas interligadas através de hiperlinks. A metáfora utilizada por Gaudenzi (2013), para descrever esse modo, é a de um viajante que pega carona e é levado de um ponto a outro sem saber ao certo quando chegará ao destino final. Observando a metáfora, fica claro que Bear 71 não funciona dessa maneira.

momento, não estando interligados uns aos outros, e o usuário não é levado de uma câmera de vigilância à outra.

Apenas uma adaptação dos modos de Gaudenzi (2013) poderia descrever adequadamente Bear 71. A função do autor seria projetar um espaço e as formas como o usuário pode agir dentro dele, já ao usuário, caberiam as funções explorativa (predominante) e poética. Quanto à lógica do texto, há uma combinação formada por computação fechada e princípio não default.

O modo conversacional não é adequado para obras que não permitem input livre (não previsto) do usuário, ao passo que, ao modo hipertexto, aplicam-se as obras multissequenciais, com diversos caminhos a serem selecionados pelo usuário (como os trilhos de trem).

Bear 71 não possui caminhos a serem selecionados. Embora sua arquitetura seja fechada, e o usuário deva escolher o que fazer, não há trilhos com sugestões de direção no sistema. Propomos um novo modo denominado “assequencial”, visto que, ao contrário da proposta de diversas opções de sequência, o webdocumentário não apresenta nenhuma sequencia pré-determinada para navegação em seu cenário.

Imagine que os autores de Rider Spoke (vide página 53) decidissem encerrar o período de colaboração dos participantes. A partir de então, os registros arquivados em passeios de bicicleta anteriores poderiam ser acessados por usuários futuros. Esses usuários andariam livremente pela cidade, e ao verem um relato disponível em um ponto específico, escolheriam escutá-lo ou seguir o trajeto. Dessa forma, a obra passaria a ter um banco de dados fechado, recursos limitados de memória e não apresentaria evolução no sistema. Mas, devido à liberdade no trajeto dos usuários, esse Rider Spoke pertenceria ao modo “assequencial”. Todos os eventos a serem conferidos estão lá, foram organizados pelos autores, mas o princípio não default é observado, e a experiência de navegação é controlada pelo usuário.