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BELgRANO JOSé CAVALCANTE ALVES

No documento Josefa Martins da Conceição (Organizadora) (páginas 114-119)

Figura 22 - Belgrano Cavalcante Alves ao lado do filho Vinícius Santos Holanda Cavalcante Alves. Fonte: Acervo Fotográfico do Projeto Roda da Memória

M

eu nome é Belgrano José Cavalcanti Alves, Médico Veterinário aposentado, fui aluno do Professor Paulo Marques e participei de vários programas de extensão. Meu depoimento tem outra visão, a visão para alertar a Universidade sobre a importância da Extensão no ensino universitário, mas quero, sobretudo, agradecer a oportunidade de estar participando dessa roda de entrevistas.

Já conhecia o Professor Paulo de corredor aqui, na Universidade, e ou- via comentários dos colegas dizendo que ele era o professor diferenciado de Extensão Rural. Ele andava sempre com um “bornal”107 do lado, e fiquei

sabendo que, para entrar para sua disciplina, tinha que ter contatos para conseguir vaga na turma, e não era fácil.

Certo dia, encontrei com ele no corredor, me aproximei e disse que precisava lhe falar. A gente sentou num banco e lhe falei: “Professor, quero assistir suas aulas e quero participar também do Projeto Cooperativa para viajar para o interior, porque sou estudante de Veterinária, sou urbano e não tenho acesso ao meio rural”. Então, ele me acolheu muito bem e, de uma forma perfeita, me aceitou. No outro dia, estava matriculado em sua disci- plina, estava começando a assistir as aulas e já ia viajar na semana seguinte. Tudo resolvido sem nenhum protocolo e sem burocracia.

Em meados de 1980, participamos do projeto de extensão de Quatis, em

Lajedo, acompanhando o desenvolvimento da comunidade rural da coopera- tiva de Quatis, conforme relatou Suely, a Sussu para mim, pois somos muito amigos. Bem, participamos do desenvolvimento rural, acompanhando as rotinas de pequenos agricultores e médios pecuaristas, mas também acom- panhamos a situação de Quatis, onde os agricultores receberam de presente uma estrutura completa. Depois, essa estrutura teria que ser mantida e, até a chegada da equipe do projeto, essa comunidade rural não dispunha das condições para esse gerenciamento. Até hoje, Quatis tem uma influência muito grande no meu desenvolvimento profissional depois que terminei o Curso e saí da Universidade.

A metodologia regional que aprendi quando era aluno do Professor Paulo Marques e, depois, junto àqueles camponeses, participando também de toda aquela rotina, de todos aqueles anseios e medos - era como se de repente você pegasse um cristal e andasse com esse cristal numa trilha escura com todo cuidado - foi muito importante para a minha vida profissional. Passei, basicamente, 28 anos fora de Pernambuco atuando na área pública e priva- da, e a metodologia que aprendi nas aulas do Professor Paulo Marques me acompanhou durante todo esse tempo.

Com o Professor Paulo, a gente chegava à comunidade e começava com o ato do escutar, fazia amizade com os agricultores e continuava na avaliação da situação real. Em seguida, a gente fazia dinâmicas de grupo, palestras e diversas ações que se faziam necessárias, enfim, a gente acompanhava o projeto em si. Era uma metodologia realmente pautada na questão da aprendizagem básica para a busca da solução dos problemas identificados junto àquele grupo de agricultores. Foi assim em Quatis, por incrível que pareça. Anos depois, no exercício da minha profissão, eu lembrava Quatis e daquelas ações.

Tenho plena convicção de que o conhecimento que a gente aprende na universidade, no meio acadêmico, especialmente, através da extensão, pode ser utilizado em nossas ações profissionais, daí a importância do aluno participar de ações desse nível, as quais poderão vir a utilizar no futuro em suas ações. Deixa a coisa acontecer, paciência, que nós vamos alcançar os objetivos pré-determinados, basta ter um pouco de paciência, sempre ob- servando que a sabedoria não está apenas com o acadêmico, com o doutor, pois aqueles mais humildes também têm sua sabedoria, que pode nos ajudar, e muito. Peço desculpas pela emoção.

Posso atestar, de todo coração, que a visão do Professor Paulo Marques naquele tempo estava na vanguarda do ensino superior, estava naquele presen- te, mas com os pés no futuro. Eu, na realidade, sou um produto desse futuro,

pois captei a mensagem daquela metodologia e trouxe comigo os conceitos da questão da democracia, do escutar as pessoas, do desenvolvimento social e do desenvolvimento da Nação de um modo geral. Reitero meu pensamento de que, na realidade, as experiências de extensão no formato desenvolvido pelo Professor Paulo Marques devem continuar a serem praticadas pelos novos professores para que os estudantes universitários da atualidade vi- venciem essa oportunidade e essa experiência com o intuito de promover o desenvolvimento social e o desenvolvimento nacional.

Lembro que, enquanto estávamos participando do projeto em Quatis, marcamos uma vacinação contra a febre aftosa e passamos praticamente duas semanas nos preparando para vacinar o gado. Éramos estudantes, e nos esforçamos para fazer aquela vacinação. Lembro que chegamos a Quatis numa sexta-feira à noite para vacinar o gado na manhã seguinte bem cedo. Quando chegou o sábado, todo mundo acordou cedo e animado para vacinar o gado, mas não apareceu ninguém. Dessa situação que aconteceu, tiramos a seguinte lição: a gente tinha que fazer a nossa programação, mas tínhamos que, com antecedência, avisar à comunidade. A partir dessa experiência, em minha vida profissional, passei a conversar com minha equipe, dizendo que não adianta nenhum programa (vacinação contra aftosa, raiva, poliomielite, etc.) se você não interagir com a comunidade. Aquele erro que, enquanto estudantes, praticamos, naquele momento passado em Quatis, quando le- vamos a vacina, mas não avisamos à população, ou seja, a falta de interação com a comunidade, anos depois, me deu o insight para não repeti-lo.

A equipe do Projeto – professores e alunos -, ia para Quatis nos fins de semana, mas nós, alunos, muitas vezes íamos sozinhos, os professores passavam as tarefas e nós íamos nos fins de semana para pôr em prática. Muitas vezes, íamos no ônibus de linha. Depois, passamos a utilizar a Kombi da Pró-Reitoria, que ficava à disposição do projeto. Fizemos amizade com aqueles posseiros, e eles, num gesto de muita delicadeza e de receptividade típica do homem do campo, colocaram à nossa disposição uma casa para nossa dormida. Agora, estou pasmo e emocionado ao relembrar aquela casa humilde, mas rica da alegria, nossa alegria juvenil – o entusiasmo do jovem de vinte e poucos anos, estudante universitário cheio de entusiasmo que sonha em mudar o mundo.

Era ali que nos reuníamos para conversar, trocar ideias, preparar ma- terial, tocar violão e cantar. Era ali que sonhávamos! Que saudade!

"Com esses depoimentos, estou vendo o que eu pensava que tinha desaparecido no ar. Estou vendo agora que o objetivo

universitário foi cumprido rigorosamente, tanto em atos como no processo de formação profissional, quanto no lado econômico e social e de ética com a vida. Magistralmente, foi cumprido por todos nós e por todas as pessoas que passaram

por esse processo.

É por isso que Paulo Freire falava que, quando há o diálogo, tudo caminha legitimamente através da história oral."

No documento Josefa Martins da Conceição (Organizadora) (páginas 114-119)