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Bem-estar, proteção social e sistema nacional de cuidados

CAPÍTULO 2 – CUIDADOS INFANTIS: ELEMENTOS

2.3 Bem-estar, proteção social e sistema nacional de cuidados

Neste item vamos abordar os conceitos de bem-estar, proteção social e Sistema Nacional de Cuidados (SNC), conceitos importantes na relação que tem os cuidados infantis na sociedade e sua importância neste trabalho que aborda as brincadeiras que fazem as pessoas adultas com crianças no tempo de cuidados infantis.

Batthyány (2009) vai dizer que a intervenção do Estado pode gerar condições propícias para a redistribuição das responsabilidades dos cuidados, e promover a “desfamiliarização”. No mesmo sentido, Batthyány (2004) coloca que o regime de bem-estar conservador é o predominante na Europa continental e tem como características básicas a mistura de divisões de status corporativistas nos sistemas de seguridade social e familiarismo, e que o familiarismo refere-se à combinação da proteção social centrada no homem, chefe de família, e o caráter central da família como responsável pelos cuidados e pelo bem-estar de seus membros.

Para Batthyány (2004), o regime de bem-estar socialdemocrata que se pratica nos países nórdicos (Dinamarca, Noruega e Suécia) se caracteriza pelo universalismo de suas políticas sociais (todos têm os mesmos direitos e subsídios), por uma cobertura de riscos ampla e por níveis de subsídios altos. Nesse sentido, ele se distinguiria do modelo do restante da Europa continental em função do seu esforço por “desmercantilizar o bem-estar” e por minimizar a dependência do mercado, possibilitando um sistema de cuidados infantis de qualidade e universalista.

Neste sentido, Jane Lewis (1992 apud BATTHYÁNY, 2004) vai criticar a correlação positiva que Esping Andersen estabelece entre bem- estar e trabalho remunerado, dizendo que Andersen direciona seu olhar apenas para o provedor homem e não considera o trabalho não remunerado, isto é, os serviços de bem-estar prestados pelas famílias, em especial pelas mulheres (BATTHYÁNY, 2004).

Moser (1998) neste sentido vai colocar um primeiro problema em relação às categorias conceituais do planejamento de gênero, nos quais se desviou o foco do papel da mulher dentro da família e das

responsabilidades reprodutivas da mulher para uma preocupação universal por programas orientados à assistência e centrados na família, para os quais a maternidade seria a função mais importante da mulher no desenvolvimento, com um enfoque que se sustenta justamente neste papel reprodutivo da mulher, deixando de lado outros temas que para Moser exigem aclaração. A autora critica a visão tradicional do planejamento das políticas públicas, que é vista como um jogo supostamente neutro e universalmente global de procedimentos técnicos.

Neste sentido, concordamos com Batthyány (2004), quando afirma que a desmercantilização não tem o mesmo significado para homens e mulheres, porque a participação das mulheres no mercado de trabalho não significa que deixem de fazer tarefas não remuneradas e que podem escolher entre fazê-las ou não. Dessa forma, a ausência dos serviços prestados pelas famílias não se remedia com a inclusão da esfera familiar como provedora do bem-estar, mas que é necessário considerar as relações entre os indivíduos que compõem as famílias para saber como se repartem os trabalhos nessa esfera. Neste sentido, afirma Batthyány que:

[…] las diferentes corrientes teóricas coinciden en que los sistemas de protección social fueron construidos sobre la base de ciertos supuestos de relaciones de género, y sobre el hecho de que esos sistemas mantienen o intentan mantener las relaciones de género imperantes. Los puntos de divergencia se encuentran en torno a la naturaleza positiva o negativa del rol del Estado en este asunto. La contribución de las mujeres a los ingresos del hogar no corresponde aún a situaciones de coprovisión económica. Si bien la familia de dos ingresos tiende a convertirse en la norma, no lo es necesariamente la familia de coprovisión econômica (BATTHYÁNY, 2004, p. 55).

Batthyány (2004) coloca ainda que é necessário problematizar as intervenções do Estado, porque através dessas intervenções, sejam elas diretas ou indiretas, a maioria das políticas públicas para o setor reforçou a divisão sexual do trabalho, sem que se discuta essa divisão em que os homens estão presentes no trabalho produtivo e remunerado, enquanto as mulheres estão subordinadas ao trabalho reprodutivo e não remunerado.

Para Batthyány (2004), o Estado, por meio de políticas familiares, fiscais e de proteção social, participa diretamente no modelo familiar em que o homem é o provedor principal dos recursos de subsistência familiar. O processo de surgimento do cuidado como problema público, sua inclusão na agenda política e no programa de governo no Uruguai ocorre a partir de 2008, com as primeiras mesas de diálogo da Rede de Gênero e Família, que são antecedentes do processo de desenho do Sistema Nacional de Cuidados. Contudo, é no ano de 2010, através da resolução 863/010, na qual se estabelece a conformação de um grupo de trabalho interministerial, que se passa efetivamente a desenhar este sistema com perspectiva de gênero e geracional (AGUIRRE; FERRARI, 2014). Fazem parte deste grupo o Ministério de Saúde Pública, o Ministério de Desenvolvimento Social, o Ministério do Trabalho e Seguridade Social, o Ministério de Economia e Finanças e a Oficina de Planeamento e Investimento. Esse grupo tem a possibilidade de convocar, quando estimar pertinente, o Banco de Previsão Social, o Instituto Nacional da Criança e do Adolescente do Uruguai, a Administração de Serviços de Saúde do Estado e os governos Departamentais (Estaduais) e Municipais. Esse grupo funciona dentro do Gabinete Social e está sob a coordenação do Diretor de Políticas Sociais do MIDES – Ministério de Desenvolvimento Social (UNFPA, 2011).

A proposta do SNC define o conceito de cuidado como:

[…] Una función social que implica tanto la promoción de la autonomía personal como la atención y asistencia a las personas dependientes. Esta dependencia puede ser transitoria, permanente o crónica, o asociada al ciclo de vida de las personas […] El cuidado es un componente central en el mantenimiento y desarrollo del tejido social, tanto para la formación de capacidades como para su reproducción […] El cuidado comprende actividades materiales que implican dedicación de tiempo y un involucramiento emocional y afectivo y puede ser realizado de forma remunerada o no. (Grupo de Trabajo Interinstitucional-CNPS, 2012, pág.19 apud AGUIRRE; FERRARI, 2014, p. 39). Contudo, no processo de construção do SNC, se introduz o conceito de sistema de cuidados como um elemento central do sistema de proteção social, sem que haja discriminação de gênero, raça, classe social, etnia ou lugar no território (FASSLER, 2010).

Por outro lado, em relação aos quadros conceituais do SNC, o debate promovido apresentou uma definição sobre o significado de um Sistema Nacional de Cuidados. A proposta de Salvador (2011) concebe o sistema

[...] en clave de políticas públicas como el conjunto de acciones públicas y privadas que se desarrollan de forma articulada para brindar atención directa a las personas y a las familias en el cuidado de su hogar y sus miembros. (SALVADOR, 2011, p.17).

Constituem as populações-alvo do sistema: crianças de 0 a 12 anos com ênfase na primeira infância, ou seja, de 0 a 3 anos; pessoas em situação de dependência por deficiência; pessoas adultas idosas dependentes e pessoas que cuidam de outras, de forma remunerada ou não (AGUIRRE; FERRARI 2014).