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BENEDITINOS EM SÃO PAULO NO PERÍODO DA PROVÌNCIA

CAPÍTULO 1 DO MONAQUISMO BENEDITINO DO VELHO

1.3 BENEDITINOS EM SÃO PAULO NO PERÍODO DA PROVÌNCIA

O desejo de fundar um mosteiro da Ordem de São Bento na Vila de São Paulo foi mais antigo do que sua fundação efetiva em 1598. No Capítulo Geral de Tibães de 1593, os Padres Capitulares trataram das fundações das casas no Rio de Janeiro e em São Paulo:

Item mais se propos na Sancta Congregação se aceitariamos o Sitio que se offereçe de São Paulo, e pela maior parte dos Padres Capitulares foi determinado que tomada a enformação com o mestre que faz a traça e não se achando incoveniente se edificasse o nosso Mosteiro no dito sitio. E começassem logo a correr as obras neste verão111.

Sob a condição de uma casa dependente, o Mosteiro de São Bento de São Paulo foi fundado com o esforço de Fr. Mauro Teixeira, natural de São Vicente, após este conseguir autorização da Província na Bahia para ir até a Vila de São Paulo verificar a possibilidade de se fundar um mosteiro na cidade. Quando chegou de São Paulo, Fr. Mauro Teixeira:

[...] deu copia da sua vinda aos senhores Senadores, e a nobre Camara daquelle tempo, expondo-lhee o intento, que se movia a subir a Serra do Cubatão e a vontade, e disposição do seu Prellado, que era D. Abbade do Mosteiro da Bahia, que juntamente era provincial nesse tempo. [...] Logo que Rdo. Fr. Mauro com esta licença, e consignação do logar deu principio a lançar os primeiros fundamentos nas partes mais aprazivel de toda a Cidade por ficar como fora della ; [...] de maneira que parece está este fora da mesma Cidade: neste lugar e no fim

111 ARQUIVO DO MOSTEIRO DE SINGEVERGA. Bezerro I: Livro dos Capítulos Geraes da

Congregação do Gloriozo Pae São Bento de Portugal e de suas diffinições eleições. Primeyro Tomo. f. 145v. apud LINS, Eugênio Áliva. Arquitectura dos mosteiros beneditinos no Brasil: século XVI a XIX. 2002. 3 v. Tese (Doutorado) – Faculdade de Letras, Universidade do Porto, Porto, 2002. p. 673.

desta ultima parte do alto de toda a Cidade formou sua Capelinha com a invocação de São Bento o Pe. Fr. Mauro112.

Deste modo, Fr. Mauro foi recebido pelo povo e pela Câmara, que lhe deu terreno onde era a taba de Tibiriçá e ali construiu a capela dedicada a São Bento, permanecendo como eremita até sair de São Paulo.

Logo recebia a Ordem de São Bento outras doações de particulares por devoção, aumentando-lhe o patrimônio, e em 1635 o mosteiro paulistano foi elevado à Abadia com a invocação de Nossa Senhora do Montserrat, embora reduzido número de monges, tendo Fr. Amaro de Carvajal como primeiro abade beneditino de Piratininga113.

O Mosteiro e São Paulo foi uma Abadia modesta, mas com uma Igreja “[...] mais vistosa do que alguns annos antes se recordarmos o que diz a acta da sessão da camara municipal paulistana, de 21 de dezembro de 1624 a referir que na villa só existiam quatro templos: Matriz, Carmo, Misericordia e Collegio [...]114”.

Entre 1638 e 1641, a situação temporal do Mosteiro de São Paulo encontrava-se bastante grave, de modo que o Abade Fr. Álvaro de Carvajales escreveu ao Abade Geral sugerindo que o Mosteiro fosse desativado pelo fato da terra ser pobre e faltar mantimentos115.

De acordo com Taunay, pouco se sabe da vida beneditina no século XVII, mas em 1641 os beneditinos ficaram em evidência graças à aclamação de Amador Bueno, que se refugiou no Mosteiro, dando expansão ao primeiro impulso de nativismo político em terra americana116.

De acordo com Dom Clemente da Silva Nigra, O.S.B., os monges da modesta Abadia de São Paulo viviam muito pobremente com uma “[...] igreja

112 LIMA, Fr. Angelo do Sacramento. Para registro e dietário do Mosteiro seu autor (1766). In:

DOCUMENTOS do Archivo do Mosteiro de São Bento de São Paulo. Tous: Imprimerie E. Arrault et Cie, 1914. p. 38-39.

113 TAUNAY, Affonso de E. Historia antiga da Abbadia de S. Paulo: escripta à vista de

avultada documentação inédita (1598-1772). São Paulo: Typographia Ideal, 1927. 227 p.

114 Ibid., p. 47. 115 LINS, op. cit.

minúscula, em que mal cabiam vinte pessoas, e um mosteiro sem conforto, e

também de proporções mínimas, com poucas celas, contíguas ao templo117”.

Foi então que interveio ao Mosteiro Fernão Dias Paes, homem de prestígio e que dispunha de larga posses, apresador de índios e político influente, tendo participado do governo em 1651, como juiz ordinário. Fernão Dias pediu em troca da ajuda aos beneditinos a outorga da posse perpétua de três sepulturas na capela-mor do Mosteiro118.

Às custas de Fernão Dias, uma nova igreja foi concluída em 1650, e o benfeitor, por querer assegurar rendimentos para o Mosteiro comprou e doou aos beneditinos o sitio Tojucassú, onde esteve a fazenda de São Caetano e que hoje constitui partes do município de São Caetano do Sul119.

Ainda com a ajuda dos benfeitores, a situação do Mosteiro era precária. Em visita realizada à Província do Brasil, por determinação do Abade Geral da Congregação, Fr. Martinho da Conceição relatou a situação do Mosteiro de São Paulo, registrando a decisão de retirada dos beneditinos devido à pobreza

extrema, que não ocorreu em função da pressão da população local120.

Com a invocação à Nossa Senhora do Montserrat modificada, em 1720, para Nossa Senhora da Assunção, o Mosteiro recebera outras doações, de modo

que os benfeitores mais generosos foram enterrados na Igreja121, próximos ou

não do altar-mor, conforme seus níveis sociais122.

117 NIGRA, Dom Clemente da Silva (O.S.B.). A Ordem Beneditina na Cidade de São Paulo. In:

MOSTEIRO de São Bento de São Paulo (1598-1988). São Paulo: Companhia Antarctica Paulista; Mosteiro de São Bento, 1988. p. 55.

118 TAUNAY, Affonso de E. Velho São Paulo. São Paulo: Melhoramentos, 1954. v. 2. 119 LINS, op. cit.

120 Ibid.

121 Permanece hoje uma placa em homenagem a Fernão Dias, cujos restos mortais estão na nave

central da Basílica da Abadia de Nossa Senhora da Assunção.

122 LIVRO de tombo do Mosteiro de São Bento da cidade de São Paulo. São Paulo: Mosteiro de

São Bento, 1977. 268 p. Prefácio de Sérgio Buarque de Holanda. Transcrição anotada do manuscrito original de 1766, que integra a coleção de códices do arquivo do Mosteiro, por Dom Martinho Johnson, (O.S.B.).

FIGURA 11 – Mosteiro e Igreja de São Bento

Igreja e Mosteiro de São Bento, provavelmente em 1847. Aquarela, 18,0 x 27,5 cm de Miguel A. B. da Assunção Dutra (1810-1875). Original pertencente ao Museu Paulista, atualmente no

Museu Republicano de Itu.

Fonte: MOSTEIRO de São Bento de São Paulo (1598-1988). São Paulo: Companhia Antarctica Paulista; Mosteiro de São Bento, 1988.

Como vimos, os beneditinos sempre foram pouco numerosos e, para alguns historiadores, tal questão justifica a impossibilidade de terem realizado grandes feitos, nem desenvolvido ampla atividade como os monges da Bahia, Rio de Janeiro e Olinda. No entanto, foge a este panorama a personalidade do mais ilustre monge da congregação, o Abade provincial e historiador das primeiras eras paulistas, Fr. Gaspar da Madre de Deus que foi professor de

filosofia e teologia, mestre de noviços, Abade e Provincial da Ordem de São Bento em 1766123.

No Século XVIII, o Mosteiro de São Paulo possuía um significativo patrimônio e um bom rendimento devido ao crescimento das doações feitas pelos benfeitores, mas a quantidade de monges ainda era muito pequena.

Segundo Taunay, não conhecemos época em que a isolada comunidade de São Paulo tenha atingido mais de oito membros. Uma média de quatro é elevada se computarmos todo o Século XVIII. Para Santos e Sorocaba dois, Jundiaí e Parnaíba um religioso. Segundo o historiador, jamais chegaram todos os monges da Capitania, nos cinco mosteiros, a mais de quinze124.

No início do Século XIX tão escassos eram os religiosos que foi necessário entregar os priorados de Jundiaí e Parnaíba a sacerdotes seculares.

No mesmo Século, o Mosteiro de São Paulo passou pelas mesmas dificuldades dos demais mosteiros no Brasil, devido à política do governo imperial, como já vimos.

Embora houvesse condições desfavoráveis pela qual passava a Congregação Beneditina Brasileira, o Mosteiro encontrava-se em razoável estado de conservação125.

Foi só no crescimento e desenvolvimento da cidade de São Paulo e, acompanhado da restauração dos mosteiros brasileiros, que a vida regular monástica se restabeleceu na Abadia paulistana. Os monges que chegaram para revitalizar a vida monástica encontraram uma São Paulo em expansão.

No início do Século XX, sob esforços do Abade Dom Miguel Kruse, é fundado em 1903 o Colégio de São Bento, de ensino secundário, e a Faculdade de Filosofia, em 1908, que esteve inicialmente agregada à Universidade de Louvain, na Bélgica126.

123 NUNES, Ruy. A Abadia que cresceu com São Paulo. In: MOSTEIRO de São Bento de São

Paulo (1598-1988). São Paulo: Companhia Antarctica Paulista; Mosteiro de São Bento, 1988. p. 11-15.

124 TAUNAY, op. cit., 1927. 125 LINS, op. cit.

FIGURA 12 – Mosteiro de São Paulo em 1921

Vista do Mosteiro em 1921, aquarela sobre papel, 41 x 31,5 cm de R. C. Anderson. Fonte: MOSTEIRO de São Bento de São Paulo (1598-1988). São Paulo: Companhia Antarctica

Dom Miguel e sua comunidade trabalharam para substituir o antigo Mosteiro e Igreja por uma construção bem mais ampla e moderna, cujo projeto foi elaborado pelo arquiteto e professor Richard Berndl da Universidade de Munique, então considerado um dos melhores arquitetos de toda Alemanha. Assim surgiu entre 1910 e 1914 o novo cenóbio beneditino, unido ao colégio e complementado pela Basílica de São Bento127.

É justamente neste edifício que se mantém até nossos dias a Biblioteca do Mosteiro de São Paulo.

Sobre o universo que nos interessa de perto supomos que fragmentos da história da Biblioteca-Livraria do Mosteiro estejam entrelaçados com a própria

história do Mosteiro, com a história paulistana e também com a lusitana128, ao

mesmo tempo em que trazem elementos recorrentes da história monástica beneditina.

Embora tratemos até aqui de um contexto mais geral do monaquismo até aspectos parciais dos beneditinos em São Paulo é possível traçarmos uma longa linha da experiência monástica que se mantém desde o Século IV até os tempos modernos, já que a mesma ocupou lugar de extrema importância na configuração social, econômica e cultural das cidades.

A afirmação de Jacques Berlioz, apesar de estar voltada ao medievo, pode nos servir para continuarmos nossas reflexões a partir daqui:

[...] a experiência monástica da Idade Média é fascinante pela sua riqueza, pela sua amplitude e pelas suas contradições. Como é que homens – e mulheres – enclausurados, fechados, emparedados, votados à ascese e à pura busca de Deus puderam uma tal hegemonia religiosa e cultural? Como conseguiram eles aliar a fuga do mundo a um papel de

127 Ibid.

128 A proximidade entre o mundo português e o brasileiro vai refletir sobremaneira na lógica da

Biblioteca-Livraria e a relação entre estes dois mundos pode nos dar subsídios para pensarmos nos beneditinos no período da Província.

primeiro plano na vida econômica e até política do seu tempo129?

Neste capítulo, poderíamos nos dedicar muitas linhas à vida de Bento e ao desenvolvimento histórico do monaquismo, da observação da Regra, dos feitos dos beneditinos portugueses até à instauração da Ordem de São Bento no Brasil e em São Paulo, mas nosso propósito foi primeiramente contextualizar o leitor no universo monástico para em seguida nos direcionamos ao claustro do Mosteiro de São Bento de São Paulo e à sua Biblioteca-Livraria.

A partir de todas considerações feitas, ainda que caracterizadas por escolhas e direções de como abordamos o amplo tema da história dos beneditinos, acreditamos que constituímos bases fundamentais à compreensão do contexto mais amplo na qual se inscreve, se insere e se configura o universo beneditino dos livros, da leitura e das bibliotecas. É, portanto, na Idade Média que mais uma vez vamos buscar as redes destas tramas entre monges e religiosos.

129 BERLIOZ, Jacques. Apresentação. ______ (Org.). Monges e religiosos na Idade Média.

CAPÍTULO 2