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ORDO LIBRORUM 317 : A ORDEM BIBLIOGRÁFICA DOS LIVROS

bibliografia VII: storia e critica della Catalogazione Bibliografica Roma: Bulzoni Editore, 1997 v 7, p 115-134.

CAPÍTULO 3 DOS LIVROS E DA LEITURA NO MOSTEIRO

3.3 ORDO LIBRORUM 317 : A ORDEM BIBLIOGRÁFICA DOS LIVROS

Cabe agora, nesta última parte do presente texto, tentarmos compreender como possivelmente os livros eram organizados na Biblioteca-Livraria.

O sentido de ordem que aqui propomos não é apenas físico, de disposição e de ordenação, mas é, sobretudo, o de compreendermos as “regras” que estabeleceram determinadas categorias à Coleção, já que podem representar o modo no qual os antigos bibliotecários lidavam com o conhecimento e com a Biblioteca-Livraria.

A “ordem dos livros” aqui considerada pretende se fazer sob a perspectiva da história social do livro, especificamente àquela ligada ao objeto e por meio dos sistemas de classificação instituídos pelo desenvolvimento da biblioteca e da ciência bibliográfica318.

Entendermos os princípios de ordenação, seja pela catalogação ou classificação, é central em nossa pesquisa já que podem conservar a terminologia e os modos de pensar do passado e oferecerem “[...] uma via de

acesso para nos aproximarmos das mentalidades de uma época319”.

Desde já devemos salientar que na documentação pesquisada e no contato empírico com a Coleção de Livros Antigos não conseguimos precisar o modo como as obras da Biblioteca-Livraria eram ordenadas, assim como os fundamentos e a aplicação dessa ordenação.

No entanto, consideramos legítima esta preocupação e lançarmos nosso olhar brevemente a outras experiências de organização de bibliotecas entre religiosos e beneditinos pode ser um caminho a ser seguido.

implícita visada ou permitida pelo impresso não é, portanto, contar a leitura efetuada e ainda menos sugerir que todos os leitores leram como se desejou que lessem. O conhecimento dessas práticas plurais será, sem dúvida, para sempre inacessível, pois nenhum arquivo guarda seus vestígios. Com maior freqüência, o único indício do uso do livro é o próprio livro. Disso decorre também sua imperiosa sedução”. CHARTIER, Roger. Do livro à leitura. In: CHARTIER, Roger (Dir.). Práticas de leitura. 2. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2001. p. 105.

316 Esta mesma dinâmica permaneceu ao longo de todo desenvolvimento de nossa pesquisa. 317 Ordo librorum é a expressão impressa pelo humanista suíço Conrad Gesner que significa “a

ordem dos livros”; foi adotada por Roger Chartier como título de um de seus trabalhos.

318 Lembremos ser esta uma das dimensões da história social do livro de acordo com Chartier.

Cf. CHARTIER, op. cit., 1998.

Para tanto, lembremos das obras e dos escritos de Trithemius, Gesner e Trefler. Embora se trate do contexto Europeu, que traz experiências distintas das bibliotecas brasileiras, e que, portanto, precisam ser relativizadas, estas questões são importantes para pensarmos o quanto uma coleção requer organização – ainda que os problemas de classificação constituam uma espécie de controle dos meios de ler e de descobrir.

Vimos que para o erudito Conrad Gesner, a pedra angular do sistema catalogador era o autor, idéia também compartilhada por Florian Treffler.

Sendo o autor o fundamento para catalogar, portanto - para se registrar a organização e multidimensionar os modos de acesso à obra -, podemos supor que a chave de acesso aos livros nas bibliotecas destes beneditinos fosse o próprio autor. Era ele que dava a pista e que se tornava autoridade dentro da biblioteca beneditina320.

Treffler, ao qualificar em seu Methodus Exhibens Variorum Indices que a

organização de uma biblioteca era o motivo central do valor bibliotecário321,

sugeriu a organização e a distribuição das obras em classes singularmente

320 A idéia de autor aqui está diretamente ligada à composição dos catálogos e como ele se

tornou a palavra-chave fundamental no contexto dessas bibliotecas e um canal de acesso aos livros. Ou seja, o autor tornou-se um elemento informacional na composição teórico-prático do catálogo em função da possibilidade de representar ou mesmo materializar certos saberes de acordo com as concepções dos beneditinos. Embora não desejemos aprofundar esta questão, bem sabemos das considerações de Michel Foucault sobre o autor e seu apagamento, assim como do paradoxo que esta discussão traz quando ele traz para o centro aquilo que desejaria estar fora dele, como a própria idéia de autoria de seus textos. Ao pensarmos nestes catálogos, estamos próximos da concepção função-autor de Foucault como bem sintetiza Salma Tannus Muchail: “Restringindo a função-autor ao âmbito de livros e textos, pode-se nela reconhecer certas características, duas das quais escolho destacar. Por um lado, a função-autor não resulta simplesmente da espontânea “atribuição de um discurso a um indivíduo”, mas “de uma operação complexa” que tem por efeito um “ser de razão”, portanto construído, e segundo determinadas regras (por exemplo, o autor é definido “como um certo nível constante de valor”; “como um certo campo de coerência conceptual ou teórica”; “como unidade estilística”; “como momento histórico definido e ponto de encontro de um certo número de acontecimentos”). Por outro lado, e complementarmente, não apenas efeito de uma construção, o autor é também sinalizado e definido pelos próprios textos que, por sua vez, podem remeter, não a um indivíduo singular, mas a uma “pluralidade de egos” ou a “várias posições-sujeitos” (por exemplo, uma é a posição-sujeito do autor que fala em um prefácio, outra a do que argumenta no corpo de um livro, outra, ainda, a que avalia a recepção da obra publicada ou a esclarece”. MUCHAIL, Salma Tannus. Michel Foucault e o dilaceramento do autor. Margem, São Paulo, n. 16, dez. 2002. p. 131. Disponível em: <http://www.naxanta.org/~dedeco/dilaceramentodoautor.pdf>. Acesso em: 01 out. 2008.

homogêneas, associando, por exemplo, Poética com Poética, Filologia com Filologia, etc.

Em Ichnographia de Bene Ordinanda Onandaque Bibliotheca Mellicensi - um importante tratado, de 1751, para a organização da suntuosa biblioteca beneditina da Abadia de Melk, Áustria - o bibliotecário P. Martin Kropff

(O.S.B.)322 forneceu detalhes interessantes sobre os princípios de ordem da

biblioteca, concebendo, inclusive, um mapa com a distribuição e hierarquização entre as áreas do conhecimento.

Kropff organizou seu tratado em quatro partes: primeiro, delimitou as classes; segundo, desenhou o mapa-planta da distribuição das classes; terceiro, definiu os números de chamadas dos livros, que deveriam ser compostos por números e letras (delimitadores de estantes e de prateleiras) e, em quarto, descreveu a estrutura das fichas e como as mesmas deveriam remeter ao fichário323.

Ichnographia traz, em linhas gerais, a classificação das obras da seguinte forma: 1º Bíblias (e seus comentários, constituindo a classe dos intérpretes); 2º Padres da Igreja; 3º Teologia e 4º História Profana (que incluía heráldica e diplomática)324.

O autor, assim como Treffler, criou instruções para que se encontrasse as obras na Biblioteca da Abadia de Melk pragmaticamente com facilidade.

Observamos aqui também a importância dada ao autor quando Kropff elenca uma lista de autores beneditinos para demonstrar a erudição da Ordem Beneditina.

322 Martin Kropff foi bibliotecário de 1739 a 1763 e seu grande mérito foi Bibliotheca Mellicensis de

1747, que é uma cuidadosa história da Biblioteca e uma bibliografia dos escritores de Melk. Cf. GLASSNER, Gottfried (O.S.B.). Christian Ethos and monastic book culture: the history of the Melk Abbey Library as a guidepost to a lifestyle in conformity with the horizon of Christian values. The American Benedictine Review, 45, n.4, p. 368-398, dec. 1994.

323 KROPFF, P. Martin (O.S.B). Ichnographia de Bene Ordinanda Onandaque Bibliotheca

Mellicensi. Melk: [s.n.], MDCCLI.

FIGURA 32 – Ichnographia de Kropff

Neste fólio, Kropff desenhou o mapa da Biblioteca da Abadia de Melk, indicando as classes que deveriam configurá-la e as localizações das obras.

Fonte: KROPFF, P. Martin (O.S.B). Ichnographia de Bene Ordinanda Onandaque Bibliotheca Mellicensi. Melk: [s.n.], MDCCLI325.

325 Agradecemos P. Gottfried Glassner, bibliotecário da Abadia de Melk, Áustria, por ter

Trazendo esses aspectos de ordenação mais próximo à nossa realidade e ao nosso objeto de pesquisa, vale lembrar que no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro há um documento chamado Indice dos Cognomes e nome de todos

Authores da Livraria326, que é o índice de autores e de livros que compuseram a

Livraria do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, no período de 1763 a 1766. Este documento na realidade é o agrupamento de quatro códices: 1 Indice

dos Cognomes & Nomes de todos os authores da Livraria (fl. 1 - 45); 2 Indice de todos os authores da Livraria (fl. 47 - 205); 3 Indice Numérico dos Authores (fl. 207) e 4 Indice de Algumas Matérias da Livraria (fl. 209 – 249).

FIGURA 33 – Indice dos Cognomes e nome de todos Authores da Livraria

Folha de rosto do Indice da Livraria do Mosteiro do Rio de Janeiro (Séc. XVIII). Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro

326 Devemos lembrar também, conforme já apontado, que nas Constituições de 1629 há a

recomendação de que ao bibliotecário caberia catalogar, por autor e título, todos os livros, indicando o lugar exato em que se achava o catálogo ou índice.

A primeira parte do Índice trata somente da relação dos autores em ordem alfabética, de modo que a ordenação é sobrenome, nome, conforme o quadro:

Indice dos Cognomes & Nomes de todos os authores da Livraria (indicado no cabeçalho do fólio 3)

D

Da Conceição Agostinho Da Encarnação Miguel

Devemos chamar atenção de que a ordenação desta primeira parte assemelha-se ao primeiro volume de Bibliotheca universalis de Gesner, já que também é um repertório de autoridade organizado alfabeticamente.

A diferença é que em Bibliotheca a entrada é feita pelo primeiro nome do autor, enquanto no Indice dos Cognomes, a entrada é feita pelo sobrenome, o que segue a ordenação de autores de maneira medieval (com os sobrenomes listados em um índice separado).

A segunda parte Indice de todos os authores da Livraria está organizada por ordem alfabética e dentro de cada letra a entrada é feita pelo nome do autor (e não sobrenome) seguido do título da obra. Os números identificados no canto esquerdo da coluna são seqüenciais e reiniciam a cada letra, ou seja, na letra A há a seqüência de 1 a 195; na letra B de 1 a 29 e assim por diante:

Indice de todos os authores da Livraria (indicado no cabeçalho do fólio 63)

A Letra Sena Num.

157 Antonio Laura, da Ord. Dos Preg. Sermão na Canonização de S. João da Cruz, vide [...]

O III