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Bens não sujeitos a registro – o dever de cautela do adquirente

3.3 O enunciado sumular n 375 do Superior Tribunal de Justiça e a boa-fé do terceiro-

3.4.1 Bens não sujeitos a registro – o dever de cautela do adquirente

O CPC/2015 processual adotou, no seu artigo 792, § 2º, em relação aos bens não sujeitos a registro, que são a maioria dos bens objetos de negócios jurídicos, a obrigação do terceiro-adquirente diligenciar atrás das certidões pertinentes, tanto do local onde se encontra o bem quanto do domicílio do vendedor. Tal disposição legislativa vai, expressamente, ao encontro do defendido pela doutrina processual majoritária, ao menos em relação a um tipo de bem.

Como apontado anteriormente, a redação final do artigo que regulamenta a fraude à execução sofreu modificações substancias. Com efeito, a redação final aprovada é o exato oposto do que dizia o artigo aprovado pelo Senado Federal.

No então artigo 749 constava que “não havendo o registro, o terceiro adquirente tem o ônus da prova de que adotou as cautelas necessárias para a aquisição”. Assim, duas eram as situações previstas: ou o bem não é sujeito ao regime de registros públicos, ou o bem é sujeito ao registrador, mas não consta qualquer gravame na matrícula do bem.

Ou seja, se positivava o dever do terceiro-adquirente diligenciar para saber se faz um negócio seguro, em consonância com a posição defendida pela doutrina processual majoritária. Havia clara opção pela proteção do exequente, pois ele poderia averbar a existência de gravame, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, ou confiar que eventual aquisição do bem feita sem os cuidados necessários seria considerada como de má-fé, incorrendo em fraude à execução.

Entretanto, a redação final do ora artigo 792 tomou solução diversa: apenas se o bem não estiver sujeito ao regime de registros públicos é que o terceiro-adquirente deve tomar as cautelas necessárias.

Nota-se, assim, que esta redação privilegia a segurança jurídica e o interesse do terceiro-adquirente de bem sujeito a registro, o qual será considerado de boa-fé tão somente se diligenciar investigando a matrícula do bem, em contraposição ao que dizia a redação final aprovada pelo Senado.

A inovação trazida pelo CPC/2015, até como fruto das guinadas pelas quais passou sua redação, não passou imune a críticas da doutrina nacional.

Uma primeira questão surge em relação à aplicabilidade da regra em todas as relações jurídicas ou não. É razoável declarar em fraude à execução a alienação de um eletrodoméstico em uma loja, cujo estado de crise e insolvência já está consolidado, ao consumidor que não adota as cautelas previstas no § 2º do artigo 792? Como a lei não faz distinção em relação ao valor, deverão ser adotadas as mesmas cautelas pelo adquirente de uma bicicleta usada e pelo comprador de uma máquina industrial de milhões de reais? De fato, a questão provocará discussões nos julgadores, devendo os tribunais pátrios encontrarem a interpretação correta ao artigo 792 do CPC/2015, de modo que não se inviabilizem atividades econômicas ou se impeçam transações negociais simples e de baixo valor.

Outro apontamento feito pela doutrina pátria crítica a essa disposição é sobre a indefinição do conceito de “certidões pertinentes”. Com efeito, embora a utilização de conceito vago dê margem para adequação da norma às particularidades de cada local de um país continental, também gera a confusão e a insegurança no adquirente.

Gelson Amaro de Souza, comentando a inovação legislativa192, critica a opção

legislativa de determinar que o adquirente adote as cautelas necessárias. Pare este autor, o § 2º trata-se de inovação que não merece elogios, pois confunde o intérprete e impõe ônus desmedido ao adquirente. Argumenta que há uma confusão em relação às “certidões pertinentes”, de qual órgão? E se o devedor responder a demanda em comarca que não seja seu domicílio, como fica a situação do adquirente?

Apesar da disposição contida no CPC/2015 não ser imune a críticas, é inegável a preferência por norma escrita, a fim de garantir maior segurança às relações jurídicas. Agora, o adquirente ao menos sabe – por expressa previsão legal e não interpretação da norma pela doutrina ou jurisprudência – que possui o dever de diligenciar atrás das certidões pertinentes;

Em resumo, o CPC/2015 recepcionou expressamente, em relação aos bens não sujeitos a registro, uma inversão do ônus da prova, cabendo ao adquirente, para que possa ser considerado de boa-fé, apresentar as certidões cabíveis193.

192 AMARO DE SOUZA, Gelson. op. cit., os. 8-9. 193 THEODORO JUNIOR, Humberto. op. cit., p. 456.

O CPC/2015, contudo, apresenta ainda a indefinição sobre o conceito de “certidões cabíveis”, embora delimite o alcance geográfico da exigência legal, qual seja, o domicílio do devedor e o local da situação do bem.

Embora relativamente tormentosa, a questão pode ser resolvida através de interpretação e ponderação pela doutrina nacional. Com efeito, ainda sob a égide do CPC/1973 se defendia que incumbia ao adquirente de bem imóvel diligenciar atrás das certidões pessoais judiciais, as “negativas forenses”194.

Nada impede, portanto, que se aplique esta lógica, já consolidada na doutrina, às aquisições de bens não sujeitos a registro, sendo “certidões pertinentes” entendidas como “certidões de distribuidores judiciais dando conta da inexistência de demandas contra o devedor”.

Embora haja multiplicidade de jurisdições perante as quais o terceiro-adquirente realmente diligente possa diligenciar195, pode-se ter como suficiente a obtenção de certidões

perante a justiça comum, tanto estadual quanto federal, e da justiça trabalhista.

Esta interpretação deriva de que é perante essas esferas que correm a maioria das demandas judiciais, sendo as demandas militares e trabalhistas mais raras e com menor probabilidade de impactar o processo de execução.

Com efeito, a justiça militar possui uma quantidade de processos muito menor que as demais jurisdições especializadas ou comum, e trata sobretudo de matéria penal militar, cujas hipóteses de influência perante o processo de execução civil são raras. Em relação à justiça eleitoral, a cobrança das multas e penalidades é feita através de dívida ativa, que possui regra específica para caracterização de fraude à execução196.