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O fígado é o local mais comum de metástase do câncer colorretal, com 25% dos pacientes apresentando metástases hepáticas no momento do diagnóstico; outros 25% a 45% desenvolvem metástases hepáticas na recorrência da doença. Esses pacientes têm prognóstico ruim, apesar dos avanços na sobrevida com a quimioterapia. A ressecção cirúrgica de metástases hepáticas é considerada a única opção de tratamento curativo para pacientes com metástases hepáticas ressecáveis desconsiderando outros acometimentos extra-hepáticos. As atuais taxas de sobrevida em 5 anos após a ressecção de metástases hepáticas são de 25% a 40%. Infelizmente, uma grande proporção de pacientes (aproximadamente 80%) é considerada irressecável na apresentação devido ao envolvimento extra-hepático ou insuficiencia do tecido hepático remanescente saudável. Além disso, aproximadamente 50% dos pacientes apresentam recidiva da doença, que é confinada ao fígado. A partir disso, o uso do Bevacizumabe é considerado uma boa alternativa de manejo desses pacientes (GRUENBERGER et al., 2008).

O bevacizumabe é um agente avançado e amplamente utilizado. É um anticorpo monoclonal humanizado recombinante (IgG1) que se liga ao VEGF, formando uma molécula complexa e inibe a ligação do VEGF com receptores VEGF de tirosina quinase (VEGFRs), resultando no bloqueio das vias de sinalização mediadas por VEGF que leva à angiogênese. Ele se se liga a todas as isoformas biologicamente ativas do VEGF e inibe a ligação desta citocina aos seus receptores: VEGFR-1 e 2. Neutraliza os efeitos biológicos do VEGF, incluindo a mitogênese de células endoteliais, o aumento da permeabilidade vascular e a promoção da angiogênese (BASBUG et al. 2006; VAUTHEY e ZORZI, 2009; PAVLIDIS et al. 2010; SOYSAL et al. 2014; MACHADO et al. 2015; NAKAMURA et al. 2016; DECKER et al. 2017; LINDLAY e STEELE, 2019).

O Bevacizumabe (Avastin; Genentech / Roche, São Francisco, CA) é um anticorpo monoclonal que bloqueia o receptor VEGF, é usado atualmente na terapia direcionada de

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tumores sólidos, e tem uma meia-vida de 28 dias quando administrado por via intravenosa (MICHA et al. 2017, BASBUG et al. 2006).

O bevacizumabe é um anticorpo da subclasse IgG1, monoclonal humanizado recombinante com 93% de sequência de aminoácidos de origem humana e 7% de origem murina, que se liga a todas as isoformas do receptor do VEGF sendo classificado como uma droga anti-angiogênica (MACHADO et al. 2015; NAKAMURA et al. 2016).

A observação de que o crescimento tumoral pode ser acompanhado por aumento da vascularização foi relatada há mais de um século. Em 1939, Ide, Baker e Warren postularam a existência de um fator estimulante de crescimento de vaso sanguíneo, derivado de tumor, que poderia servir para fornecer um suprimento neovascular para o tumor em crescimento. Experimentos realizados em 1968 indicaram que a angiogênese tumoral era mediada por fatores difusíveis produzidos por células tumorais.

Na sequência da publicação de sua hipótese, Folkman e seus colaboradores relataram descobertas que foram fundamentais para o avanço das pesquisas neste campo, incluindo a definição da natureza do switch angiogênico em tumores, aumentando a consciência da presença de ambos os fatores pró e anti-angiogênicos que medeiam tanto processos fisiológicos quanto patológicos (FOLKMAN, 1995).

Em 1971, Folkman propôs que a anti-angiogênese poderia ser uma estratégia terapêutica eficaz para tratar o câncer. É importante ressaltar que estudos recentes demonstraram que o bevacizumabe, um anticorpo monoclonal anti-VEGF humanizado, em combinação com quimioterapia, resulta em aumento da sobrevida em pacientes com câncer colorretal metastático previamente não tratado em relação à quimioterapia isolada, levando à aprovação do primeiro anti-angiogênico (FERRARA et al. 2005).A era do desenvolvimento da terapia anti-angiogênica teve início em 1971, com a publicação no New England Journal of Medicine, de um artigo considerado marco no assunto. Escrito por Moses Judah Folkman (figura 2), postulou a hipótese de que, “com uma toxicidade mínima, a inibição do

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crescimento de vasos sanguíneos dentro de um tumor poderia prolongar a dormência tumoral e melhorar a sobrevida dos pacientes”.

Moses Judah Folkman

Cleveland 24 /02/1933 +Denver 13/01/2008

FIGURA 2 – ILUSTRAÇÃO ORIGINAL PROPOSTA POR FOLKMAN EM 1971 DEMONSTRANDO A ANGIOGÊNESE TUMORAL.

Embora a angiogênese desempenhe um papel essencial no crescimento tumoral, o benefício terapêutico proposto pelas drogas anti-angiogênica para tratamento do câncer têm sido amplamente estudadas com o objetivo de validar e consolidar esta modalidade de tratamento. Certas drogas anti-angiogênicas, tais como bevacizumabe parecem ter pouco ou nenhum benefício clínico quando usado como monoterapias para tratar a doença avançada de certas malignidades como o câncer colorretal, entretanto demonstram benefício clínico quando em combinação com outros agentes (ZUCKER et al. 1998; FERRARA et al. 2005; JAIN et al., 2006; KERBEL, 2006; FOLKMAN, 2007; KERBEL, 2008)

O bevacizumabe está aprovado como um agente de primeira linha em terapia combinada para o tratamento de câncer colorretal metastático. Apesar de prolongar a sobrevida livre de doença, tem sido associado com várias complicações, principalmente na cicatrização da ferida cirúrgica.As propriedades anti-angiogênicas do bevacizumabe podem

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alterar o curso natural do processo cicatricial das feridas, evitando a formação de novos vasos sanguíneos, assim, limitando a capacidade de transporte de células inflamatórias, nutrientes e oxigênio aos tecidos (HURWITZ et al., 2004; FOLKMAN, 2007).

Bockhorn e colobaradores em 2007 relataram que o bloqueio do VEGF suprimiu quase completamente a proliferação de hepatócitos medida pela imunomarcação de Ki67, 24 horas após a hepatectomia em ratos. Da mesma forma, Taniguchi e colobaradores em 2001 relataram uma inibição da atividade proliferativa (imunocoloração de Ki 67) dos hepatócitos, bem como das células endoteliais 48 h e 96 h após hepatectomia de 70% em ratos pré-tratados com anti-VEGF. Os resultados de Hubert e colobaradores em 2015 contradizem esses resultados, quando relataram que o Bevacizumabe 5 e 10mg/kg não alterou significativamente a proliferação precoce de hepatócitos após a hepatectomia em ratos. Kasuya e colaboradores em 2012 também relataram a ausência de efeito de Bevacizumabe (4 mg / kg, administrado IP 6 vezes entre o dia 1 e 10 após PH), na regeneração hepática em camundongos. Em ratos pré-tratados com oxaliplatina e 5-fluorouracil que exibiram uma resposta proliferativa diminuída após a hepatectomia 70%, os animais que tiveram esse protocolo associado ao Bevacizumabe tendeu a aumentar a proliferação de hepatócitos precocemente após a hepatectomia de maneira dose-dependente, 5 ou 10 mg/kg (HUBERT et al., 2015).

Willet e colobaradores em 2004 demonstraram que a infusão do Bevacizumabe, diminui a perfusão do tumor, o volume vascular, a densidade microvascular, a pressão do fluido intersticial e o número de células endoteliais circulantes viáveis em seis pacientes com câncer colorretal.

Soysal e colobaradores em 2014, em seu estudo com implantes intra-uterinos que induziram a endometriose, sugere que o anticorpo anti-VEGF Bevacizumabe, é tão eficaz quanto o agonista de GnRH na regressão das lesões endometrióticas no modelo de endometriose em ratos Wistar. Um mecanismo possível desse efeito é a indução da apoptose.

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Micha e colobaradores em2017 afirmou que o Bevacizumabe pode ser usado como um potente medicamento antiadesivo, seja instilado localmente, antes do fechamento abdominal ou combinado com outras moléculas em filmes anti-adesivos e géis para serem usados em situações de aderências severas, depois que experimentou em ratos Wistar após abrasão do colon, como um modelo de promoção de aderências. Esse resultado foi observado no mesmo modelo de ratos Wistar por Basbug e colobaradores em 2006.

Em um experimento com modelo de artrite em ratos, a concentração de IL-1b, TNF-a, MMP-1 e MMP-3 foi significativamente maior no grupo que utilizou Bevacizumabe do que no grupo controle, sendo que o Bevacizumabe obviamente reverteu os altos níveis dessas citocinas induzidas pela lesão da cartilagem articular esportiva, indicando que Bevacizumabe exerce um efeito anti-inflamatório através de regulação negativa de fatores inflamatórios (SHANG et al. 2018).

As complicações relatadas incluem tromboses arteriais, venosas, hipertensão, proteinúria e perfuração gastrointestinal. Complicações importantes que todos os cirurgiões precisam estar cientes são suas anormalidades associadas à ferida operatória, como deiscência, equimoses, sangramento do sítio cirúrgico e infecção (ZAKARIJA e SOFFT, 2005; ELLIS, CURLEY E GROTHEY, 2005; GNETECH, 2017).

Neste contexto, em 2003 Kabbinavar e colobaradores emevidenciaram aumento em 59% do risco de hemorragia pós-operatória em pacientes tratados com Bevacizumabe em comparação com aqueles tratados com quimioterapia (11%) o que foi atribuído à diminuição da capacidade das células endoteliais em responder às lesões em vigência da inibição do VEGF.

Em estudo realizado por Hurwitz e colobaradores em 2004, demonstraram uma significativa quantidade de sangramento do sítio cirúrgico, equimoses, e deiscência de pacientes dentro de 60 dias após a cirurgia. Por isso, tem sido sugerido que a cirurgia eletiva deva ser retardada, pelo menos, 6 a 8 semanas (> 40 dias) após a conclusão da terapia com Bevacizumabe (meia-vida = 20 dias). Além disso, a reintrodução do Bevacizumabe pós-operatória deve esperar ≥ 28 dias e a incisão cirúrgica deve ser

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totalmente curada para evitar maior risco de complicações relacionadas à cicatrização (ELLIS, CURLEY e GROTHEY, 2005; HURWITZ et al., 2004).

Bilchik e Hecht em 2008 em suas reflexões baseadas em evidências, pontuam as vantagens de um agente quimioterápico como terapia adjuvante nas ressecções oncológicas hepáticas, onde a redução da massa e a menor distribuição de micro metástases são vantajosas, porém o aumento de complicações como esteatose por exemplo são as desvantagens. Relatou que em estudos clínicos iniciais com Bevacizumabe, houve aumento da incidência de sangramento, hipertensão, perfurações gastrointestinais e complicações na cicatrização de feridas. Além disso, em modelos animais, a inibição da angiogênese resultou em comprometimento da cicatrização, assim, tem sido sugerido que a inibição dos receptores de VEGF nas células endoteliais pode regular a regeneração hepática.

Em 2005, estudos de fases II e III em pacientes em quimioterapia e Bevacizumabe versus quimioterapia isolada para o tratamento do câncer metastático de cólon, compararam a ocorrência de complicações cicatriciais da ferida operatória, demonstrando segurança no início ou na reintrodução do bevacizumabe, vinte e oito dias após a cirurgia em pacientes com câncer colorretal (SCAPPATICCI et al., 2005).

Após numerosos ensaios clínicos, o bevacizumabe mostrou-se seguro, eficaz e proporciona benefícios significativos no tratamento de vários cânceres. No entanto, a ele também tem sido associadas complicações que impactam diretamente na tomada de decisão dos cirurgiões, pois a margem de segurança de seis a oito semanas de interrupção do tratamento previamente ao ato cirúrgico deve se respeitada. Além disso, para o reinício do tratamento no pós-operatório com o bevacizumabe em pacientes cirúrgicos, sugere-se aguardar 28 dias para evitar um aumento do risco de complicações cicatriciais da ferida. Assim sendo, os efeitos adversos de bevacizumabe devem ser considerados em todos os pacientes cirúrgicos até que se possa compreender completamente seu impacto sobre a evolução pós-cirúrgica (GORDON, 2009). Contudo, não foram observadas diferenças

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significativas relacionadas às complicações ao bevacizumabe em um estudo caso-controle (n=32) com pacientes submetidos à ressecção hepática (D'ANGELICA et al., 2007).

Gruenberger e colobaradores em 2008 relatam um estudo prospectivo de fase II que avaliou o impacto do bevacizumabe nas complicações cirúrgicas e na regeneração hepática após a ressecção de metástases hepáticas do câncer colorretal, onde cinquenta e seis pacientes receberam bevacizumabe, capecitabina e oxaliplatina, sendo o bevacizumabe suspenso cinco semanas antes da cirurgia. Não houve aumento de complicações cirúrgicas, sangramento ou diminuição da função hepática em comparação com controles históricos. As deficiências do estudo incluem números relativamente pequenos e avaliação da regeneração hepática definida pelos resultados da tomografia computadorizada e funções do fígado apenas 3 meses após a cirurgia, um período muito curto para avaliar a capacidade regenerativa total do fígado. No entanto, esses dados sugerem que o bevacizumab pode ser administrado com segurança no pré-operatório, levando em consideração a possível hepatotoxicidade dos outros agentes utilizados.

Em condições fisiológicas a angiogênese influencia a embriogênese, o desenvolvimento tecidual, a ovulação, a formação do corpo lúteo e o processo de cicatrização e o bevacizumabe interfere diretamente a densidade vascular cicatricial pelo bloqueio dos receptores do VEGF, limitando desta forma a densidade vascular tecidual (FOLKMAN, 2007).

Um estudo que avaliava os efeitos do bevacizumabe na anastomose intestinal foi realizado em ratos, e não relataram diferenças significativas entre o grupo bevacizumabe e o grupo controle em relação à pressão de ruptura do cólon, o grau de inflamação, o acúmulo de fibroblastos, deposição de colágeno ou grau de fibrose. Consequentemente, eles concluíram que a administração de bevacizumabe não teve efeito significativo na cicatrização de anastomoses no cólon (NAKAMURA et al. 2016). Entretanto, de acordo com a investigação de LIN e colobaradores em 1999, bevacizumabe, que é um anticorpo monoclonal “humanizado” recombinante contra VEGF, pode não se ligar ao VEGF no rato ou camundongo, mas liga-se ao VEGF no coelho.

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Bockhorn e colaboradores em 2007 mostraram que a administração exógena de VEGF aumenta a angiogênese e a proliferação após hepatectomia parcial que está associada a uma modulação dos genes do ciclo celular. Concomitantemente, o bloqueio do VEGF endógeno leva a uma diminuição da angiogênese, retardo na proliferação de hepatócitos e re-expressão de genes de controle do ciclo celular. A possibilidade, quando dado terapeuticamente, em representar uma estratégia para otimizar a regeneração do fígado dos pacientes humanos, precisa ser esclarecida.

O status hepático não é prejudicado pelo Bevacizumab, mesmo em altas doses. Da mesma forma, a regeneração hepática após hepatectomia ampliada em animais tratados com Bevacizumabe estava bem preservada. Ressecções hepáticas prolongadas podem ser encorajadas em pacientes tratados com Bevacizumabe devido à sua excelente tolerabilidade e ao bom estado de regeneração hepática (VALVERDE et al., 2019).

Estudos adicionais são necessários para avaliar a tempo ideal para que o bevacizumabe seja realizado antes da cirurgia e também para avaliar se pode ser modificado com base na extensão da hepatectomia planejada. Até que mais dados prospectivos estejam disponíveis, recomenda-se que o bevacizumabe seja interrompido antes da quimioterapia citotóxica com a qual é administrado no período mínimo de quatro a seis semanas e suspenso durante as primeiras semanas de quimioterapia pós-operatória (BILCHIK e HECHT, 2008).

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