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BIBLIODRAMA: LIMITES E TENSÕES

No documento manoelmendoncasouza (páginas 39-42)

CAPÍTULO 1 O BIBLIODRAMA

1.5 BIBLIODRAMA: LIMITES E TENSÕES

Os limites e tensões do bibliodrama são reconhecidos, respeitados e abordados na condução do processo, não devendo, como já se afirmou, confundir representação com desempenho de papéis. Tal distinção é fundamental porque o que caracteriza o bibliodrama é a necessidade de viver o personagem, dando-lhe força de vida, desempenhando o papel que emerge dos textos sagrados, ou seja, é a dimensão da vida:

Exige um bom conhecimento bíblico, especialmente das histórias que se pretenda desenvolver. Muitas vezes as pessoas pensam que certas coisas aconteceram na Bíblia, e não é verdade. O Bibliodramatista precisa saber o que realmente está escrito e o que não está. Devido ao próprio respeito às Sagradas Escrituras, não podemos mudar o que realmente está escrito. O Bibliodrama vai acontecer nas entrelinhas: naqueles espaços em branco onde a Bíblia não dá determinados detalhes (CARVALHO, 2002, p. 10).

23 As expressões “role-taking”, “role-playing” e “role-creating” referem-se ao desempenho de papéis que

Poder assumir o papel de um personagem bíblico, estar no Jardim do Éden, ser Adão dialogando com a serpente e questionando suas razões, tudo isso mobiliza na pessoa uma gama de sentimentos e emoções, levando-a a reviver situações experienciadas, seja num passado remoto, seja no presente. Cria ainda expectativas e fantasmas em relação ao futuro, desperta culpa, alegria, satisfação ou frustração. Cria barreiras e temores, desenvolve autoconfiança e mobiliza a responsabilidade.

A capacidade criativa e inovadora de cada um vai, aos poucos, sendo vivenciada, correndo-se um dos grandes riscos da vivência bilbiodramática: revivência de experiências emocionais e primitivas (já que o bibliodramatista não tem como evitá-las por se tratar de algo individual, estruturalmente psicológico) pode acarretar consequências emociais e reações psicológicas imprevisíveis. Caso ocorram, exigirão uma atitude do diretor, muitas vezes, com interevenção terapêutica, embora não seja objetivo direto do bibliodrama. O reconhecimento de tais situações, a leitura adequada dos limites da ação bibliodramática poderão evitar as diversas situações de cunho psicoterapêutico, impondo respeito ao limite entre o processo psicoterápico, desenvolvido em grupos terapêuticos, e o bibliodrama24: Aliás, os psicodramatistas que decidem fazer Bibliodramas precisam ter um treinamento especial para manter as pessoas no papel bíblico e não ir aonde o Psicodrama os levaria: à arena da investigação pessoal (CARVALHO, 2002, p. 9).

Em contrapartida, os conhecedores e experientes na condução e coordenação de trabalhos grupais sabem que os grupos mobilizam poderosas forças nos indivíduos que os compõem, forças estas que podem ser positivas ou negativas, causando o bem ou o mal a seus membros (CARTWRIGHT; ZANDER, 1975, p. 42-43). As pessoas que têm intimidade com os textos bíblicos sabem que nem sempre o “final feliz” está presente nas histórias bíblicas, de forma que está refletido no texto sagrado todo o drama humano. Ao viver todas essas histórias, os participantes estarão, na verdade, revivendo o drama de sua própria história. Se, por um lado, isso é carregado de aspecto positivo de reflexão, questionamentos de valores, reconhecimento das semelhanças e diferenças com o próximo e valorização do outro, por outro lado, corre-se o risco de essa vivência ser negativa.

24 Embora Roese (2007, p.13) aponte que, na Alemanha, existem duas correntes no movimento

bibliodramático, uma ligada “à psicoterapia – psicodrama, gestalt e psicologia profunda”, e outra “à pedagogia somática, lúdica e de teatro”, no Brasil, não temos conhecimento dessas duas correntes.

Sob o ponto de vista psicológico, a vivência grupal provoca em seus membros um movimento regressivo25 às situações primitivas de sua existência. De acordo com a estrutura psíquica que cada indivíduo apresenta, essa experiência acarretará consequências positivas ou negativas, de acordo com a postura adotada pelo coordenador do grupo, que não tem como impedir que as experiências mobilizem os sentimentos, emoções e reações em seus membros, restando-lhe apenas saber como manejar, como conduzir a situação.

Caso uma experiência bibliodramática desperte reação de agressividade, de conflitos entre os pares ou em todo o grupo, caberá ao coordenador adotar atitudes capazes de manter a vivência coerente com sua proposta. Sabendo lidar com essas situações caóticas de conflitos entre os pares, não há como se afastar dos objetivos propostos. Deve- se ressaltar que não se pode priorizar uma vivência feliz, principalmente pelo fato de, além de a vida não trazer somente felicidade, é a mobilização de situações de conflitos, de fortes emoções e sentimentos que impulsiona o bibliodrama a alcançar sua proposta.

Em contrapartida, se toda essa situação possibilita a grandeza do processo, por outro lado, exige conhecimento por parte do bibliodramatista, responsável ético por tudo que porventura possa ocorrer no aqui-e-agora do grupo. Ele precisa valer-se de um arcabouço teórico que lhe dê consistência, segurança, habilidade e competência para lidar com situações de conflitos, não se restringindo apenas à experiência.

Embora aprender com a experiência seja fundamental, os conhecimentos teóricos podem evitar experiências práticas dolorosas e desnecessárias. Se, por um lado, dominar uma teoria facilita o reconhecimento do movimento grupal, por outro, saber das possibilidades de ação e reação dos indivíduos e do grupo promove a leitura necessária para prever os acontecimentos. Tais situações conflituosas, por isso de difícil manejo, são fundamentais num processo bibliodramático profundo, mobilizador das experiências individuais e grupais, e reveladoras dos objetivos a que se propõe a vivência26.

25 Movimento regressivo refere-se à regressão que, em psicanálise, é concebida como um retorno a formas

anteriores do desenvolvimento, do pensamento, das relações de objeto e da estruturação do comportamento (LAPLANCHE; PONTALIS, 1985, p. 568).

26 Tais situações conflituosas remetem à “experiência humana centrada em torno das experiências-limite que

correspondem às expressões-limites do discurso religioso” (RICOEUR, 2006, p. 137), as quais serão abordadas na 3ª seção.

No documento manoelmendoncasouza (páginas 39-42)