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A BIBLIOTECA NACIONAL COMO O BERÇO DA DOCUMENTAÇÃO NO BRASIL Podemos marcar como início da guinada da Biblioteca Nacional para sua total

BIBLIOTECA NACIONAL DE PEREGRINO DA SILVA E O MUNDANEUM

4.1 A BIBLIOTECA NACIONAL COMO O BERÇO DA DOCUMENTAÇÃO NO BRASIL Podemos marcar como início da guinada da Biblioteca Nacional para sua total

reformulação o Projecto do Regulamento para a Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro (Figura 16). Elaborado em 1902 por Peregrino da Silva, tal documento visava reorganizar os serviços oferecidos pela instituição, bem como seus espaços.

Figura 16: Projecto de Regulamento para a Bibliotheca Nacional. Fonte: Silva (1902b).

Seguindo a linha temporal (Quadro 11), um segundo marco é o lançamento da pedra fundamental do novo prédio da instituição, em 1905, que representa o primeiro passo concreto

134 para a reestruturação total pelo qual a BN, segundo Peregrino da Silva frisava desde 1900, deveria passar para melhor atender seus usuários, bem como acomodar o seu acervo. Tal evento, dá início ao planejamento do então diretor da ocupação do novo espaço, sua melhor utilização e, sobretudo, ser a referência para todas as outras bibliotecas do país, refletindo os ideais modernos da reforma em curso na então Capital Federal.

Quadro 11 – Marcos da Gestão Peregrino da Silva (1900-1924)

1900 Assume a direção da Biblioteca.

1902 Inicia-se o projeto de reformulação do regulamento da Biblioteca. 1905 Lançamento na Avenida Central da pedra fundamental do novo prédio. 1907

Viagem aos Estados Unidos e Europa onde visita as bibliotecas do Congresso Americano, de Nova Iorque, de Leipzig, do Vaticano e de Paris, o Arquivo de Marinha e Ultramar da Biblioteca de Lisboa, o Arquivo e Biblioteca de Haia, o Museu de Amsterdã e o Instituto Internacional de Bibliografia, em Bruxelas.

1907 Regulamentação da Lei de Depósito Legal. 1910 Inauguração do novo prédio.

1911

Lançamento do novo regulamento da Biblioteca.  Serviço de Bibliographia e Documentação  Boletim Bibliographico da BibliothecaNacional  Serviço de Permutas Internacionais

 Serviço de Informações  Curso de Biblioteconomia

1918 Lançamento do Boletim Bibliographico da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. 1924 Deixa a direção da instituição.

Fonte: elaboração do autor.

Um terceiro marco é a viagem de Peregrino da Silva à Europa e Estados Unidos, visando ver o que de mais moderno se construía em termos biblioteconômicos e bibliotecários em tais lugares – conforme já alertamos, os ideais brasileiros de cultura e erudição eram os da Europa e, desde o final do século XIX, os Estados Unidos começam a cobiçar tal posto.

Perpassando a inauguração do novo prédio em 1910 como quarto marco, o quinto é o lançamento, em 1911, do novo regulamento da Biblioteca, que, conforme prometido em 1902, reformula totalmente a instituição e seu serviços, buscando honrar aquele “magnífico palácio” (SILVA, 1911). Tal cenário se constitui em terreno fértil para a adoção de novas ideias e ideais, assim, o pensamento de Paul Otlet e Henri La Fontaine ganham o imaginário de Peregrino da Silva e este os coloca em prática na Biblioteca aproveitando as oportunidades que o processo oferecia. O então diretor justifica que as mudanças por ele implementadas visavam fazer a BN cumprir seu papel de maior repositório do conhecimento humano da América do Sul (SILVA, 1911). Desta forma nos parece interessante compreender o que sejam bibliotecas nacionais.

As bibliotecas nacionais derivam das antigas bibliotecas reais que, na época dos impérios europeus, serviam de ícone do poder real, sobretudo numa época onde o livro era

135 extremamente caro e a maioria da população era analfabeta, como símbolo do rei/imperador, sua biblioteca representava o alcance do seu conhecimento e de sua riqueza, evidenciando, através de sua coleção, o poder real – afinal, o livro, enquanto símbolo de erudição, era ao mesmo tempo, uma alegoria de poder, seja ele financeiro ou intelectual (SCHWARCZ; COSTA; AZEVEDO, 2002; BARATIN; JACOB, 2006). De fato, após a queda de grande parte dos regimes monárquicos, o papel das reais é revisto e elas são transformadas, em sua maioria, em bibliotecas nacionais – novamente um símbolo, mas dessa vez como guardiã da memória da nação, do nacional161. Desta forma, a moderna acepção de biblioteca nacional designa:

Uma biblioteca criada e fundada por um governo nacional para servir a nação, mantendo uma coleção abrangente da produção literária publicada ou não sobre a nação como um todo, incluindo publicações governamentais. A maioria das bibliotecas nacionais também são responsáveis pela compilação da bibliografia nacional, e, algumas vezes, servem como depositária legal para obras protegidas pela lei de direito autoral do país162 (REITZ, c2013).

Ou seja, a missão da moderna biblioteca nacional é salvaguardar a memória documental- bibliográfica de uma nação, preservando aspectos identitários e culturais daquela sociedade, sendo uma de suas atribuições a edição da bibliografia nacional, já citada quando tecemos comentários sobre os ideais de Otlet e La Fontaine.

Não fugindo à regra, a Biblioteca Nacional brasileira foi fundada em 1810, por ordem do então Príncipe Regente de Portugal, D. João VI, sob a denominação de Real Biblioteca, visando ser o espaço de estudo da monarquia e das elites do período (SCHWARCZ; COSTA; AZEVEDO, 2002). Quando o Brasil se torna independente, em 1922, a Real muda de nome, passando a se chamar Biblioteca Imperial e Pública da Corte, demonstrando maior abertura, mas ainda sob os desígnios imperiais, até que em 1878, passa a se chamar Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, o que de certa forma ainda demonstra uma incoerência em sua nomenclatura, uma vez que pertencia à nação, mas, sobretudo, à então capital, o Rio de Janeiro (BIBLIOTECA NACIONAL, 1960b).

Remontando a idos de 1900, vemos que a reforma urbanística implementada por Pereira Passos tinha por objetivo livrar o então Distrito Federal das várias doenças que sazonalmente acometiam a sua população, devido, principalmente, às condições de vida precárias que

161 Fazemos a ressalva de que há inúmeros estudos sobre a disputa pela construção do nacional, mas, por fugir do escopo de nosso trabalho, não nos ateremos a tal temática.

162 A library designated and funded by a national government to serve the nation by maintaining a comprehensive collection of the published and unpublished literary output of the nation as a whole, including publications of the government itself. Most national libraries are also responsible for compiling a national bibliography, and some serve as the legal depository for works protected by copyright in the country.

136 levavam. Sob este prisma, os antigos e centenários cortiços que abrigavam grande parte dos habitantes cariocas desde os tempos da Colônia foram derrubados, sob o argumento de que graças à grande aglomeração de pessoas em espaços diminutos o surgimento e a proliferação de doenças era facilitado163 (KOK, 2005).

No lugar de tais construções, começam a surgir prédios erguidos de acordo com projetos pré-estabelecidos pelo governo, através de concursos para a aprovação de seus planos, desta forma surge a Avenida Central (atual Avenida Rio Branco). Outro episódio marcante no período foi o início do arrasamento do Morro do Castelo, “certidão de nascimento” da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde, a seus pés e em seu entorno, a urbe havia se estruturado desde o século XVI. Sua derrubada teve por justificativa a necessidade de arejar a cidade, bem como livrá-la dos cortiços que também tomavam conta do Morro. Contudo, debate-se se o real objetivo desse ato não teria sido a vontade de se afastar de vez traços urbanísticos de herança portuguesa, vinculados ao atraso e à submissão do país nos séculos anteriores (CARVALHO, 2011).

No bojo de tais mudanças urbanas, o então diretor da Biblioteca Nacional, Manoel Cícero Peregrino da Silva, passou a demandar do governo um novo espaço para a instituição, já que o prédio que ela ocupava no período já não suportava mais a quantidade de obras que a compunham.

Fazia-se necessário um prédio pensado especialmente para a acomodação do acervo. Mais que isso, que traduzisse a carga simbólica que a instituição representava para a cultura, as letras da Capital Federal e a própria identificação que a Biblioteca provia para a nação e o Estado brasileiro, além de um espaço de sociabilidade para os que a freqüentavam (BIBLIOTECA NACIONAL, 2010). De fato, a iniciativa de Peregrino não era nova, segundo ele mesmo, desde a gestão do Frei Camilo de Monserrate (ver Quadro 12, onde são listados os antecessores de Peregrino da Silva no comando da instituição) um novo espaço para a Biblioteca era reclamado, sendo que este deveria ser condizente com sua importância e com o tamanho de seu acervo, bem como que fosse um símbolo da Nação e da República recém-proclamada (SILVA, 1911). Assim, o personagem declara a Epitácio Pessoa, Ministro da Justiça e Negócios Interiores, no relatório referente ao seu primeiro ano da administração da Biblioteca que:

[...] Não é assumpto em que seja preciso insistir da insufficiencia e má situação do edificio occupado pela bibliotheca desde 1858164. A necessidade de novo

163 Não nos ateremos às questões políticas, mas questiona-se, atualmente, se os reais motivos não eram a retirada dos mais pobres da região, considerada, àquela época, uma das mais nobres da cidade.

164 Antes da mudança para o prédio atual na Avenida Rio Branco, a BN ocupou o prédio citado neste trecho, situado na atual Rua do Passeio, hoje abrigando a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de

137 edificio impõe-se inilludivel pela absoluta falta de espaço para accomodação das acquisições e dos volumes que voltam encadernados. Só a 2ª secção165 pode por algum tempo esperar. As outras já não têm para onde se estender. Nas salas de leitura da 1ª secção166, a principal das quaes é um corredor, onde não se penetra bastante luz, acham-se dispostas, ao longo das paredes, estantes repletas de livros, alguns raros, inconveniente a que urge remediar por difficultar enormemente a fiscalisação. O mesmo acontece na passagem para essas salas.