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PERÍODO NO

4.2 O MOVIMENTO BIBLIOGRÁFICO BRASILEIRO

Como Otlet e La Fontaine já vinham propagando desde a fundação do IIB, em 1895, a construção de bibliografias seria a base do projeto internacionalista, a base do Mundaneum. Conforme já mencionamos, a tradição bibliográfica é milenar, sendo suas técnicas cunhadas para a organização dos frutos do espírito humano. Contudo, no Brasil, a bibliografia se faz de maneira diferente, graças, sobretudo, à proibição da impressão ou importação livros imposta por Portugal ao país durante mais de quatro séculos, como observamos na seção 3.

Fundada em 1808, a Imprensa Régia parece ser o primeiro indicativo de que a situação bibliográfica brasileira poderia ter um cenário menos nebuloso no alvorecer do século XIX, se antes, com a censura, a existência de casas editoriais ou de maquinário de impressão representava a prisão de seu(s) dono(s) e a destruição desta, com a chegada da Corte o panorama se torna oportuno e o Príncipe Regente, D. João VI, permite que sejam realizadas as primeiras impressões em solo brasileiro com autorização de Portugal203.

202 Na realidade, Peregrino da Silva é empossado, conforme já abordamos, em 1900.

203 Permita-nos tecer aqui duas observações. A primeira diz respeito ao fato de que durante a ocupação holandesa do nordeste brasileiro, no século XVII, imprimiu-se livros no Brasil. Segundo, suspeita-se, também, da existência de oficinas tipográficas clandestinas no país, mas, até hoje, nada foi provado.

175 Apesar de imaginarmos a grande explosão bibliográfica com o advento da prensa no Brasil, a primeira obra que intenta ser um inventário da produção intelectual nacional só surge em 1881, ou seja, 73 anos após a instalação da Imprensa Régia, quando Ramiz Galvão, então diretor da Biblioteca Nacional, edita o Catálogo de Exposição da História do Brasil. Donde parte-se da premissa de que toda, ou grande parte, da memória bibliográfica brasileira estaria ali arrolada, uma vez que a Biblioteca era a responsável pela guarda dos registros relativos à história da nação.

Ainda como parte das ações da Biblioteca Nacional, é editado entre 1886 a 1888 o

Boletim das Aquisições mais Importantes feitas pela Bibliotheca Nacional, organizado por João de Saldanha da Gama e classificado segundo as três Seções em que estava organizada a Biblioteca Nacional: Imprensos, Manuscritos, Estampas e Numismática (FONSECA, 1972). Como o nome explicita, essa publicação era uma forma da BN mostrar o que havia recebido por DL (BRASIL, 1847204) ou adquirindo por compra e/ou doação no período.

Após este período, em 1888, no cerne do antagonismo entre Republicanos e Monarquistas, surge, pelas mãos do Centro Bibliographico Vulgarisador, a Bibliographia

Brazileira (Figura 23).

O Centro Bibliographico Vulgarisador

Compra e vende livros raros e preciosos; restos de edições e edições inteiras; bibliothecas particulares e livrarias para liquidar.

Permuta obras estrangeiras e nacionaes, e serve de intermediario para com as livrarias da provincia e do estrangeiro.

Encarrega-se de liquidar por meio de vendas, leilões geraes e parciaes, livrarias, bibliothecas e edições. Organisando para isso catalogos e encarregandp-se da sua publicação e vulgarisação. Encarrega-se de mandar vir de qualquer mercado livros, mappas e estampas, raras, preciosas ou vulgares e de remetter para o interior.

Encarrega-se de publicações por conta dos autores, do governo geral ou provincial; da distribuição pela imprensa nacional e estrangeira bem como da respectiva venda e propaganda. A commissão depende da importancia do encargo e dos meios necessarios á sua realisação variando de 20% a 40%.

A todas as Bibliothecas do imperio, quer mantidas pelos cofres publicos, quer por associações particulares, remetteremos gratuitamente esta Revista, desde que seja reclamada por escripto. Pedimos em troca unicamente uma noticia da Bibliotheca e da instituição a que pertencer, bem como uma nota estatistica do movimento mensal, trimensal, semestral ou anual (BIBLIOGRAPHIA Brazileira, 1888, p. 7).

204 Até a LDL de 1907, o depósito legal no país era regido pelo Decreto nº 433, de 3 de julho de 1847, que “Obriga os impressores a remetter na Côrte á Bibliotheca Publica Nacional, e nas Provincias á Biblioteça da Capital, hum exemplar de todos os impressos que sahirem das respectivas Typographias”. Sendo assim, a BN não recebia todos os exemplares editados no país, somente aqueles impressos na Côrte (depois Distrito Federal), tal situação só muda em 1907.

176 Figura 23: Revista Sul-Americana.

Fonte: Revista Sul-America, v. 1, n. 1.

Visando ser um retrato da produção bibliográfica nacional e um mapa da situação das bibliotecas brasileiras, tal sociedade objetivava:

[...] a compra e venda, publicação e vulgarisação de livros, principalmente de autores brazileiros e a fundação de uma bibliotheca technica para servir de base ao estudos da imprensa no Brazil. Para isto a sociedade fará a publicação mensal de um boletim com o titulo de Bibliographia Brazileira (BIBLIOGRAPHIA Brazileira, 1888, p. 10).

De fato, tal bibliografia ganha repercussão internacional, sendo arrolada no Bulletin de

L’Institut International de Bibliographie em 1908 e nomeada como a bibliografia corrente

brasileira, editada mensalmente na Revista Sul Americana205. Cumpre-nos esclarecer que a Bibliographia surge como edição independente em 1888, mas é incorporada à Revista Sul Americana em 1889, ano de sua extinção, o que não impede de, quase 20 anos depois, o Instituto Internacional de Bibliografia (IIB) a reconheça como a Bibliografia Nacional do Brasil.

205 Bibliographie: Revista Sul Americana (contenant la Bibliographie courant du Brésil) (BULLETIN de L’Institut International de Bibliographie, 1908).

177 Ademais, só após dez anos da menção no Bulletin que uma nova Bibliografia Nacional seria editada em nosso país com a criação do Boletim bibliographico da Bibliotheca Nacional

do Rio de Janeiro. Organizada por Cícero de Britto Galvão, a bibliografia foi editada entre os anos de 1918 e 1921, contando com 14 volumes produzidos conforme as normas do IIB, concebidas por Paul Otlet e Henri La Fontaine, com as informações preenchendo apenas o anverso da folha, com espaço suficiente para que fossem recortadas e coladas em fichas padrão 7,5 cm X 12,5 cm. Assim, “O Boletim Bibliographico, finalmente vem á luz publica sem originalidade de maior, porquanto para elle se adoptou o melhor modelo conhecido que é o do Institut Internationale de Bruxelles” (MAGALHÃES, 1918).

A citação a seguir, embora longa, é necessária para que possamos compreender efetivamente o alcance dessa iniciativa. Magalhães (1919-1920, p. 292-293, grifo nosso), diretor interino da BN e autor do relatório institucional referente ao ano de 1918, escreveu que: Devo fazer menção especial do "Boletim Bibliographico", porque, embora para a sua organização definitiva houvesse eu apenas contibuido com ligeiros retoques, veiu elle a lume sob a minha administração interina, e o reputo de um dos mais consideraveis melhoramentos ultimamente introduzidos nesta Bibliotheca. Era uma obrigação estatuida pelo Decreto n. 1.825 de 20 de dezembro de 1907, e pelo Regulamento da Bibliotheca Nacional, de 11 de Junho de 1911. Não tinha sido, porém, cumprida, o que dava aso a reclamações procedentes e curiosas, qual a de certo editor estabelecido na Bahia, o qual, toda vez remettia á Bibliotheca nacional cada exemplar das obras que estampava, dizia e interrogava: - "Eu estou cumprindo o dever a que força a lei. Quando é, entretanto, que a Bibliotheca se dispõe a cumprir o seu?".

Não reiterarei aqui as longas explicações que, firmadas por mim e pelo director da 1.ª secção, servem de prefacio ao numero do "Boletim Bibliographico". Limitar-me-ei a corroborar a justa asserção do dr. Constancio Alves – de que o "Boletim Bibliographico", desde que a Bibliotheca effectivamente receba, por virtude do decreto n. 1. 1825, um exemplar de cada obra editada em nosso paiz, será o "registro completo da actividade intellectual do Brasil", além de "proporcionar a quantos estudam um instrumento de trabalho como nunca possuimos e cuja utilidade é desnecessaria apontar".

Ficou encarregado da organização do "Boletim Bibliographico"; para qual se adoptou o melhor modelo conhecido, que é o do Institut de Bibliographie International de Bruxelles, o official Cicero de Brito Galvão, não ha muito chegado de uma viagem de estudos e pesquizas na Europa, especialmente na Belgica.

Tendo-se resolvido que a publicação fosse trimestal, os numeros I e II sairam dos prelos com regularidade; mas, em consequencia da epidemia que alteou esta Capital no mezes de outubro e novembro e ainda por motivos da deficiencia da pressão por parte do gaz de que se servem os nossos linotypos, ficaram bastante atrazados os numeros III e IV, os quaes, formando um tomo unico, serão distribuidos em começo do corrente anno.

Nesse sentido, com a edição do Boletim Bibliographico da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro os esforços de cooperação e intercâmbio entre a Biblioteca Nacional brasileira e o Instituto Internacional de Bibliografia ficam mais evidentes. Não sendo a produção do boletim

178 uma iniciativa pioneira, pois, como já apresentamos, gestões anteriores da instituição já haviam publicado bibliografias nacionais (FONSECA, 1973), a novidade dessa edição, em particular, foi sua consonância com os ideais do IIB. Além de, todavia, configurar um retrato vivo do profícuo contato mantido entre a Biblioteca Nacional Brasileira e os ideais de Paul Otlet e Henri La Fontaine.

Logo, construção do repertório bibliográfico brasileiro, ou seja, da bibliografia nacional, foi um dos objetivos propostos para a criação do Serviço de Bibliografia e Documentação da Biblioteca Nacional e pela Lei de Depósito Legal, servindo, como explicitado na citação, de um "registro completo da actividade intellectual do Brasil".

Além disso, havia também o compromisso legal da BN com a construção de uma fonte de informação nesses moldes, tendo em vista que o Decreto nº 1.825, de 20 de dezembro de 1907, que rege o depósito legal de publicações editadas no país na Biblioteca Nacional, em seu artigo 5º, diz que: “A Bibliotheca Nacional publicará regularmente um boletim bibliographico que terá, por fim principal registrar as acquisições effectuadas em virtude desta lei” (BRASIL, 1907). Ou seja, antes mesmo do Regulamento de 1911, a Biblioteca já se comprometia a publicar um boletim (ou repertório) bibliográfico com vistas ao cumprimento da lei, bem como a inventariar a produção intelectual brasileira.

Nesse ponto, Rayward (1975) observa que houve um esforço do governo brasileiro para que algum funcionário da BN fosse a Bruxelas para estudar as técnicas empregadas pelo Instituto. Entretanto, ainda segundo o mesmo autor, tal tentativa falhou, em virtude do início da Primeira Guerra Mundial. Essa tese, contudo, não encontra amparo em nossa pesquisa, que, ao contrário, aponta para uma situação diferente (ver citação página 132).

De fato, em 1913, Peregrino da Silva articulava com o Ministério da Justiça e Negócios Interiores o envio de um funcionário da BN ao Instituto Internacional de Bibliografia, com o objetivo de aprender as técnicas empregadas na construção do Repertório Bibliográfico Universal. Tal ação demonstrava um esforço para melhor entender as técnicas utilizadas pelo Instituto, bem como um meio para a edição da Bibliografia Brasileira.

Cícero de Britto Galvão era o oficial encarregado das fichas do Repertório Bibliográfico Universal e o nome pensado por Peregrino da Silva para a ida a Bruxelas. Aliás, o funcionário, sobre o qual não conseguimos muitas informações, fez parte do conto de Lima Barreto “Duas

relíquias”. No conto, o protagonista, um alterego de Lima Barreto, encontra dois livros e,

indeciso sobre o que fazer com eles, decide doá-los a Britto Galvão:

Andei assim de resolução em resolução, hesitante, sem saber a quem dar os dois bedengós, quando me lembrei do meu amigo Cicero de Britto Galvão.

179 Cícero é moço, é dado á bibliographia, publica uma interessante revista mensal — “Livros Novos”206 — sobre esse assumpto que é a única existente no Brasil; está ahi — pensei eu — pessoa capaz de dar apreço aos livrecos ou encaminhal- os a um destino digno de suas tenções e delles, dos livros.

Empacotei os volumes e escrevi uma carta a Cicero. A minha vaidade pedia que a missiva fosse publicada; mas vi que Cicero a não publicaria.

Não está nos moldes de sua revista, é extensa — logo adivinhei essas suas objecções.

Resolvi publical-a aqui, porque quero que o maior numero de pessoas saiba os motivos porque me separei de tão sábios livros [...].

[...]

28-2-20 (BARRETO, 1923, p. 142)

Sendo a bibliografia uma especialidade de Britto Galvão, naturalmente recairia nele a escolha, por Peregrino da Silva, para estudar no Instituto. Dessa forma, o diretor, em carta ao ministro da Justiça e Negócios Interiores datada de 17 de julho de 1913, dizia:

Sr. Ministro,

Sendo conveniente que o official Cicero de Britto Galvão, encarregado de por em ordem as fichas do repertorio bibliographico universal que tem sido fornecidas pelo Instituto Internacional de Bibliographia de Bruxellas, estude a organisação do mesmo repertorio e se familiarise com o systema de classificação decimal nelle adoptado, de modo a poder organisar o repertorio brasileiro, tenho a honra de submetter á vossa approvação a designação que fis do mesmo official para proceder áquelles estudos no referido Instituto de Bruxellas.

A commissão que será confiada ao official Cicero de Britto Galvão poderá ser desempenhada nos mezes de Agosto a Dezembro mediante a gratificação de quinhentos mil reis mensaes e um conto de reis para passagens, sem prejuizo dos seus vencimentos, despesa que correrá pela sub-consignação “Investigações e estudos em bibliothecas, etc.” da consignação “Material” do n. 27 do orçamento deste Ministerio.

Por conta dessa gratificação extraordinaria e para occorrer ás primeiras despesas que o desempenho da commissão irá acarretar, solicito que vos digneis de ordenar seja paga ao referido official a quantia de dois contos e quinhentos mil reis (SILVA, 17 jul. 1913; ANEXO AW).

Ao que o ministro, à época Rivadavia Corrêa, respondeu:

Em referência ao officio n.º 145, de 17 de julho corrente, declaro-vos que por Aviso de 24 do mesmo mez foram solicitadas ao Ministerio da Fazenda as necessarias providencias afim de que seja paga ao official dessa Bibliotheca Cicero de Britto Galvão, commissionado para estudar no Instituto Internacional de Bruxellas a organização do repertorio bibliographico universal, a gratificação mensal de ... 500$000, alem da quantia de 1:000$000 para as passagens, sem prejuizo de seus vencimentos, correndo a despeza por conta da subconsignação “Investigações, e estudos, etc”, da consignação “Material” do n.º 27 do vigente orçamento do Ministerio a meu cargo.

Para as primeiras despezas resultantes dessa commissão, que deve ser desempenhada nos mezes de agosto a dezembro vindouros, será paga áquelle funccionario a quantia de 2:500$000, por conta da referida gratificação (CORRÊA, 25 jul. 1913; ANEXO AX).

206 Tentamos, em vão, consultar tal publicação, mas ela encontra-se “perdida”, ou melhor, com o paradeiro desconhecido, tanto na Biblioteca Nacional quanto na Fundação Casa de Rui Barbosa, únicas duas instituições onde a localizamos.

180 Tendo a autorização de seu superior, Peregrino da Silva ainda pediu ao ministro que intercedesse junto ao Ministério das Relações Exteriores para que “[...] seja elle [Cícero de Britto Galvão] recomendado ao Ministro do Brasil em Bruxellas afim de mais facilmente poder desempenhar-se da comissão que lhe foi confiada” (SILVA, 30 jul. 1913, ANEXO AY). Atendendo ao pedido, Rivadavia Corrêa escreveu ao ministro de Relações Exteriores que:

Tendo sido encarregado o official da Bibliotheca Nacional Cicero de Britto Galvão de estudar no Instituto Internacional de Bibliographia de Bruxellas, a organização do repertorio internacional bibliographico, afim de poder organizar o repertorio brazileiro, rogo vos digneis providenciar afim de que a Legação do Brazil na Belgica proporcione ao mesmo funccionario as facilidades que lhe puderem ser dispensadas para completo exito de sua commissão (CORRÊA, 09 ago. 1913; ANEXO BB).

Os trechos acima parecem evidenciar um esforço governamental no sentido de promover o contato brasileiro com instituições estrangeiras, bem como a integração do país a um ideal internacional, na figura do Repertório Bibliográfico Universal. Resolvidas as questões burocráticas brasileiras, em 4 de agosto de 1913, Peregrino da Silva escreveu ao secretário do IIB, Louis Masure, dizendo:

Tenho o prazer de anunciar que acabei de encarregar o Sr. Britto Galvão, funcionário desta Biblioteca, para ir a Bruxelas para estudar no Instituto Internacional de Bibliografia a organização do repertório bibliográfico Universal. Ao funcionário, peço, por gentileza, que o acolha bem, ele deve permanecer em Bruxelas até o fim de novembro ou primeiros dias de dezembro, desta forma tendo tempo suficiente para compreender o mecanismo do repertório (SILVA, 04 ago. 1913; ANEXO AZ) 207.

Assim, Cícero de Britto Galvão foi à Bélgica estudar no Instituto, permanecendo lá até o final de dezembro, conforme nos relata Silva (1914), ao declarar em seu relatório referente ao ano de 1913 que o oficial iria permanecer em comissão na Europa entre os dias 06 de agosto e 31 de dezembro.

Com o hiato de alguns anos – há um verdadeiro silêncio dos arquivos; a falta de fontes nos impediu de traçar a trajetória do oficial da Biblioteca –, em 1918 foi lançada, de acordo com os padrões estipulados pelo IIB, a Bibliografia Brasileira, chamada de Boletim

bibliographico da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Na figura 24 apresentamos um detalhe da primeira página do Boletim.

207 J’ai le plaisir de vous annoncer que je viens de charger Monsieur Britto Galvão, fonctionnaire de cette Bibliotheque, d’aller à Bruxelles dans le but d’étudier à l’Institut International de Bibliographie l’organisation du répertoire bibliographique universel.

Le fonctionnaire que je vous prie [d’accueillir] avec [bienveillance] restera à Bruxelles jusqu’s la fin de Novembre [or] aux première jours de Décembre, en disposant ainsi du temps suffisant pour bien comprendre lé mécanisme du répretoire

181 Figura 24: Detalhe da primeira página do Boletim Bibliographico da Bibliotheca Nacional do Rio de

Janeiro.

Fonte: Boletim Bibliographico da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, jan./mar. 1918. Nesse sentido, com a edição do Boletim Bibliographico da Bibliotheca Nacional do Rio

de Janeiro os esforços de cooperação e intercâmbio entre a Biblioteca Nacional brasileira e o Instituto Internacional de Bibliografia ficam mais evidentes. O próprio Cícero de Britto Galvão, ao escrever um memorial solicitando promoção (1918), corroborava essa tese:

Foi por acto expontaneo do Director, commmissionado para ir estudar, no Instituto Internacional de Bruxellas, o systema decimal e a prova de seu aproveitamento se patentea com o apparecimento do Boletim Bibliographico que obedece a esse systema de classificação.

O Boletim Bibliographico, como já dissemos, foi publicado por quatro anos (entre 1918 e 1921) e, muito provavelmente, sua descontinuidade se deveu à morte de Cicero de Britto Galvão, em 1920 (SILVA, 1921-1922). A figura 25 apresenta a primeira página do Boletim, de 1918.

182 Figura 25: Primeira página do Boletim Bibliographico da

Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Fonte: Boletim Bibliographico da Bibliotheca Nacional

do Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, jan./mar. 1918.

Por fim, podemos destacar a fala de Fonseca (1973a, p. 41) sobre a importância do

Boletim e do papel desempenhado por Manoel Cícero Peregrino da Silva:

O Boletim Bibliographico da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro dos anos de 1918 a 1921 é o que resta do Serviço de Bibliografia e Documentação criado por iniciativa de Manuel Cícero Peregrino da Silva: uma publicação da qual podemos dizer [...] que honra a biblioteconomia brasileira da época. Organizado por Cícero de Brito Galvão, ele tem arranjo sistemático de acordo com a CDU e de cada número existem duas edições, sendo uma impressa de um só lado, para que as referências bibliográficas pudessem ser recortadas e montadas nas fichas do repertório Bibliográfico Universal.

Assim, o Boletim surgiu como uma obrigação legislativa, que visava a edição de uma bibliografia nacional pura e simples. A iniciativa parecia convergir, de fato, para um ideal maior, de cooperação internacional e de articulação com as ideias para a área em discussão, no mundo, sendo o maior ícone da relação existente entre os ideais belgas e a Biblioteca Nacional brasileira.

183 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Manoel Cícero Peregrino da Silva foi a inteligência por trás das grandes transformações que a Biblioteca Nacional sofreu no alvorecer do século XX. Inspirado, sobretudo, nos ideais de Paul Otlet e Henri La Fontaine, o jurista pernambucano promove, entre os anos de 1900 e 1924, uma série de mudanças nos métodos de organização e difusão da informação na instituição.

Àquela época, a BN já era a maior biblioteca brasileira, mas sofria com o descaso e a falta de estrutura, tendo seu acervo negligenciado pelo Estado por anos. Apesar de se constituir num símbolo, seu papel era secundário e, até mesmo, desconhecido. Ao se tornar diretor, Peregrino da Silva encampa o ideal da época, e coloca a instituição a “serviço do Estado”, buscando fazê-la cumprir sua missão de símbolo do país, o maior repositório dos frutos do espírito humano da América Latina, transpondo para o País a máxima de Otlet.

Dotado do espírito “Culturalista” da “Escola de Recife”, o então diretor põe a BN no centro de uma extensa rede de informações no Brasil, dotando-a do aparato técnico e legislativo para tal. Nesse sentido, edita um novo regulamento, maior expoente das mudanças sofridas pela instituição, além de buscar compor um corpo de funcionários aptos ao trabalho hercúleo de