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2.2 A Biblioteca e a Biblioteconomia Social

2.2.1 Biblioteconomia Social

A expansão das bibliotecas motivou posteriormente o surgimento da Biblioteconomia, pois necessitou da criação de técnicas e funções para operacionalizar todo o acervo informacional existente, assim como encontrar meios de resguardar e preservar a memória. Nesse sentido, a Biblioteconomia entra com a ideia de ensino de métodos e técnicas de organização da informação. Os produtos da Biblioteconomia são os catálogos, as bibliografias e todos os meios de expansão da informação, desde antes da aquisição do item informacional, o preparo e estudo para a comunidade em questão, até sua disponibilização para uso (FONSECA, 2007).

A história da Biblioteconomia nasce então da necessidade de se organizar todo o conhecimento existente, dentro das suas diversas formas e abrangências. Quando buscamos a origem da palavra, Le Coadic (2004) comenta que Biblioteconomia está atrelado à biblioteca e economia, ou seja, às ações de administração e gestão da biblioteca e de tudo que a envolve. A evolução da Biblioteconomia está em fazer a disponibilização dos recursos informacionais de forma pública. Como comentado no tópico anterior, o conhecimento era restrito à guarda e memória, e disponível somente para os nobres, reis e parte da igreja, sendo que a função evolutiva da Biblioteconomia teve o papel de justamente de difundir o conhecimento (RUSSO, 2010).

É notável que a construção mais moderna da Biblioteconomia, por meio dos seus principais teóricos e atores, ajudou a edificar uma área mais inclusiva no sentido de disponibilização dos itens informacionais ao público de maneira geral, tornando-a mais social. A preocupação estende-se desde as pequenas regras para construção do catálogo e catalogação, como foi o trabalho de Panizzi, bibliotecário que atuou no Museu Britânico, e que, em 1836, teve uma fala progressista no que diz respeito à democratização dos livros e da biblioteca:

Eu quero que o estudante pobre tenha os mesmos recursos que o homem mais rico deste reino para satisfazer sua vontade de aprender, desenvolver atividades racionais, consultar autoridades dos diversos assuntos e aprofundar-se nas investigações mais intricadas. Acho que o governo tem obrigação de dar a esse estudante a assistência mais generosa e desprendida possível (PANIZZI, 1936 apud BATTLES, 2003, p. 133).

Mesmo tendo essa abrangência diversa, alguns autores criticam que a Biblioteconomia possui uma vertente no que tange ao aspecto social, sendo baseada apenas na perspectiva elitista e excludente. A formação do bibliotecário é calcada no cunho tecnicista de construir parâmetros para bibliotecas grandiosas, empresas ou satisfazer o anseio cultural das

classes mais elevadas e letradas, não existindo, ou se existir, é quase superficial, o trato de lidar com a comunidade, fazer mediações da informação com esses grupos sociais não alfabetizados, preparar material, ou seja, um olhar mais humanista (ALMEIDA JÚNIOR, 1997; MACHADO, 2008). O bibliotecário é formado para dar continuidade às técnicas de representatividade e organização da informação, mas a relação com ao social é pouco trabalhada na academia. Dessa forma, constrói-se um papel social da biblioteca, do bibliotecário e de suas funções no que se referem ao seu propósito com a população.

As bibliotecas poderiam estar contribuindo com as classes populares, fortalecendo seus mecanismos de defesa: oferecendo condições para um aumento do seu grau de consciência; possibilitando a aquisição de instrumentos que possam ser utilizados como armas contra a opressão. Muitas outras contribuições poderiam ser arroladas, que auxiliariam na resistência cultural das classes populares (ALMEIDA JÚNIOR, 1997, p. 16).

Um exemplo disso é o caso da bibliotecária Cátia Lindemman, ativista da causa da Biblioteconomia Social, que, ao ingressar na academia, tinha o único objetivo de se graduar no curso de Biblioteconomia para trabalhar com as comunidades mais carentes, presídios, moradores de rua, prostitutas, tudo o que configura uma Biblioteconomia social. Porém, teve a infelicidade de perceber que esse tema não existia na grade curricular, tendo recebido respostas de que isso não era abrangido na área. Mesmo sem ter a cientificidade, Lindemman (2018) construiu ferramentas e operacionalizou várias ações sociais em sua cidade, montou bibliotecas em presídios, nas favelas, levava o livro ou outros objetos informacionais a quem pedisse, tudo isso em seus projetos de estágio na graduação. Hoje, já bibliotecária formada, é um exemplo para a Biblioteconomia social e para as bibliotecas prisionais na busca por definições e conceituações da Biblioteconomia social, ela construiu o conceito do que vem a ser a interação entre bibliotecas e sociedade:

[...] preceito na interação entre bibliotecas e sociedade, tornando-se assim uma unidade de nível cognitivo em que se reconhece que só podem existir bibliotecas onde há sociedade. Ou seja, tudo que se relaciona direta ou indiretamente às instituições de biblioteca no contexto da sociedade pode ser considerado como assunto geral ou específico. É por isso que a sociedade como um objeto de pesquisa sociológica é o tema de estudo de muitas disciplinas sociais e humanistas, e a Biblioteconomia, como ciência social, não é uma exceção a este respeito (LINDEMANN, 2014 apud LINDEMANN, 2018, p. 177).

Por mais que possa parecer contraditória, a vertente mais social, humanista e mais tecnicista da Biblioteconomia, coexiste sendo uma necessária para a existência da outra. Panizzi, Naudé e muitos outros profissionais e teóricos são exemplos de luta para uma

Biblioteconomia mais humana e inclusiva; a abordagem tecnicista da área é imprescindível para sua existência, mas pode funcionar melhor se levar em consideração métodos e técnicas que possam dar mais popularidade e uso da biblioteca para todas as camadas sociais.

A Biblioteca Prisional está inserida dentro do contexto da Biblioteconomia social, principalmente, porque se refere a um espaço tão frágil como é o do presídio. A ideia de biblioteca prisional reforça o estereótipo apresentado nos tópicos anteriores sobre a atuação do bibliotecário, pois existem poucos autores que se debruçam sobre a temática, que tampouco é apresentada nos currículos acadêmicos. Falar da biblioteca prisional é desafiador em um cenário nacional que presenciou, no ano de 2018, a queda dos Direitos Humanos e da empatia. Mais do que um livro, a biblioteca prisional pode dar oportunidades positivas de crescimento no cárcere, criando perspectivas de melhor ressocialização. No capítulo seguinte, será discutida a temática referente às leis que garantem a biblioteca e sua importância no cárcere.