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Bidirecionalidade, Interação e Estilos Comunicativos Maternos

CAPÍTULO II: A Perspectiva da Interação Social dos Estudiosos da Linguagem

2.1 Bidirecionalidade, Interação e Estilos Comunicativos Maternos

Tendo em vista que os bebês apresentam intenções comunicativas já a partir dos primeiros meses de vida, surgiram pesquisas sistemáticas que investigaram a fala dirigida à criança em processos interacionais. Percebeu-se que os adultos, ao se comunicarem com as crianças, utilizam uma fala simples, fluente e com um vocabulário limitado que se ajusta ao grau de compreensão da criança (Snow, 1997). A fala dirigida à criança por vezes se limita ao aqui - agora, relacionando-se com o foco da atenção da criança ou com a atividade que está sendo realizada. Introduz referentes que não estão presentes e se caracteriza, além dos fatores já citados, pela presença de um tom agudo e de um padrão de entonação exagerado. Destaca- se ainda o uso da fala mais pausada, que tende a ser um dos recursos que facilitam a participação infantil na interação (Bates, Dale & Thal, 1997).

Os enunciados linguísticos podem expressar variadas intenções comunicativas e apresentar diferentes funções diante das trocas interativas. Esta ideia torna relevante o estudo do input linguístico, compreendido enquanto contexto que abarca todos os aspectos relacionados à fala. O motherese é o estilo linguístico mais encontrado nas pesquisas realizadas. Esse tipo de input tem a função de envolver a criança na interação, a partir do reconhecimento de sinais apresentados durante a comunicação. O motherese é um input linguístico no qual a mãe se comunica com a criança de forma simples, com frases curtas e gramaticalmente corretas, com poucos verbos, mas com um nível linguístico mais elevado,

para que seja possível tanto a participação na conversação quanto o avanço na aquisição da linguagem por parte da criança (Maratsos, 1983; Mussen, Conger, Kagan & Huston, 1995).

Pessôa e Seidl de Moura (2008) assinalam que a fala motherese se ajusta as características do bebê que ainda não apresenta a linguagem verbal, pois além de ter uma entonação própria e simples, versa sobre aspectos que são familiares ao bebê e com frequência faz referência aos significados atribuídos as suas ações. Segundo Gleitman e Gleitman (1981) é preciso entender a fala motherese de acordo com os interesses e as disposições da criança, uma vez que esta fala utiliza formas específicas e diferenciadas da linguagem, que vão de acordo com o processar do seu desenvolvimento. Esses ajustes realizados tanto podem favorecer como dificultar a aquisição da linguagem. Os ajustes ou as adaptações consistem em uma adequação da fala em ritmo, extensão e entonação a um nível simplificado, se comparado à fala adulta, que é dirigida ao bebê e que atua de modo a envolvê-lo na interação (Braz & Salomão, 2002).

No motherese podem ser observados alguns estilos linguísticos que facilitam e/ou dificultam a comunicação adulto-criança. Os feedbacks, por exemplo, se caracterizam pelas “respostas do adulto aos enunciados da criança” (Silva & Salomão, 2002, p.312) e tanto podem ser positivos, de desaprovação ou ainda de expansão, continuação e reformulação. Segundo Conti-Ramsden (1990), a ausência do feedback de reformulação, ou seja, quando a mãe não modifica o enunciado infantil no intuito de esclarecer o conteúdo, tem sido apontada como um dos fatores explicativos para o atraso na fala. Através do feedback, há um favorecimento no desenvolvimento da linguagem, possibilitando que a criança estruture a edificação lexical (Aimard, 1998). Os feedbacks e as reformulações, de um modo geral, possibilitam que as crianças façam comparações entre a linguagem que utilizam e a linguagem dos adultos, o que consequentemente, favorece na apreensão de informações linguísticas até então não presentes em seus enunciados.

Solicitar clarificação constitui outro tipo de input positivo para a aquisição linguística. Salomão (2012) afirma que “solicitar clarificação” é um estilo da fala a que se recorre geralmente depois de enunciados mal elaborados pela criança, tendo por função auxiliar a mesma na reorganização de regras gramaticais, por exemplo. Nas solicitações, o adulto se dirige à criança de uma forma polida e faz uso de enunciados em formatos de perguntas. Trata-se de um estilo linguístico que possibilita a participação ativa da criança no contexto conversacional.

As requisições de respostas também se apresentam como estilos de fala que estão associados ao desenvolvimento da linguagem e podem se caracterizar como requisições gerais ou específicas. De acordo com Girolametto, Weitzman e Greenberg (2003), esse estilo de fala estimula as crianças na formulação de respostas adequadas diante dos questionamentos que os adultos lhes fazem.

A partir do pressuposto de que as interações entre adultos e crianças são realizadas no sentido de promover a participação infantil na interação social, alguns estudos evidenciaram que estas interações são marcadamente sintonizadas, o que mostra o caráter de adaptação da fala do adulto ao nível linguístico da criança. Assim, a sintonia ou fine-tuning se constitui em outro tipo de input capaz de promover o desenvolvimento linguístico, uma vez que se caracteriza pela discrepância entre o nível de complexidade dos recursos linguísticos utilizados pelos adultos e a compreensão da criança diante destes.

De acordo com Salomão (1996), para que a criança apreenda estas informações linguísticas, é preciso que esta diferenciação seja pequena o suficiente para permitir o seu avanço e ao mesmo tempo elevada para que a criança tenha acesso a novos conteúdos e significados. Esta ideia nos remete ao conceito elaborado por Vygotsky de zona de desenvolvimento proximal, que evidencia a importância da mediação e de um outro mais

experiente, a partir de interações sociais que possibilitem recursos adequados e favorecedores para o desenvolvimento e aprendizagem da criança.

Os diretivos são outro tipo de input linguístico que, apesar das controvérsias quanto a sua real função, são comumente encontrados nas primeiras interações mãe-criança. Caracterizam-se pelas ordens e instruções dadas pelas mães às crianças, bem como as solicitações, isto é, quando a mãe solicita algo ou sugere alguma atividade. Segundo Hampson e Nelson (1993), são vários os modos pelos quais os enunciados diretivos surgem, variando de acordo com as características individuais da criança, com o seu nível de desenvolvimento cognitivo e linguístico e com a faixa etária.

No que diz respeito à função dos diretivos, alguns teóricos afirmam o seu efeito negativo para com o desenvolvimento linguístico infantil, por considerar que antecipa e direciona o comportamento da criança. De acordo com Nelson (1973), o efeito negativo dos diretivos acontece quando a sua operacionalização se dá através de comandos, ordens e instruções, o que acarreta em um desenvolvimento posterior da linguagem infantil.

Em contrapartida, segundo Sigolo (2000), a ideia da diretividade como um estilo comunicativo inerentemente negativo não é válida, uma vez que não abarca as qualidades de adaptação do comportamento da mãe em relação ao comportamento infantil. É, pois, preciso compreender os variados propósitos da diretividade, considerando o contexto e a situação específica na qual se apresenta. Logo, os termos diretivos e diretividade têm diferentes concepções, relacionados muitas vezes com a abordagem metodológica adotada (Pine, 1994), sendo importante verificar qual o significado que assume na interação mãe-criança.

A esse respeito, Nelson (1973) define o termo diretivo a partir dos aspectos sintáticos da linguagem enquanto que Tomasello e Todd (1983) o concebem através de regulações atencionais. Deste modo, é preciso considerar que não há um consenso por parte dos

estudiosos, haja vista que não se sabe se são as características individuais das crianças que influenciam o estilo diretivo ou se é este o responsável pelos comportamentos infantis.

Diversos autores (Borges & Salomão, 2003; Hubner & Ardenghi, 2010) afirmam que as mães falam de acordo com o desenvolvimento linguístico da criança, independente de serem crianças com desenvolvimento atípico ou desenvolvimento normal. Em crianças com desenvolvimento atípico, o uso dos estilos linguísticos, como os diretivos, apresenta além da função comunicativa, algumas peculiaridades. De acordo com Fonsêca e Salomão (2005), os diretivos, do tipo solicitação de atenção, nas crianças atípicas, são utilizados com a função de atrair a atenção da criança para a situação e podem ser vistos como favorecedores na aquisição da linguagem, além de ser um estilo linguístico comumente presente nas interações iniciais.

No entanto, é importante considerar que os estudos realizados com crianças com desenvolvimento atípico apresentam resultados variáveis, haja vista a diferenciação em relação à natureza e o grau de deficiência da criança. As pesquisas realizadas (Chapman, 1997; Silveira, 2007) que evidenciaram que a fala dirigida à criança atípica era do tipo diretiva e menos contextualizada em termos semânticos se comparada à fala dirigida a crianças com desenvolvimento típico, concluíram que o ambiente linguístico das crianças atípicas contribuía com as dificuldades de acesso à linguagem, tendo em vista que o estilo comunicativo do tipo diretivo estava comumente associado a um progresso lento nas crianças com desenvolvimento normal. Porém, a observação das crianças atípicas evidenciou que elas eram menos ativas e espontâneas, de modo que o estilo diretivo utilizado pelos pais seria uma compensação das características infantis, que se traduziam em baixos níveis de respostas.

Parte-se do princípio de que o uso dos diretivos por parte dos genitores acontece porque a criança ainda apresenta uma habilidade linguística e cognitiva limitada, e somente através do desenvolvimento destas habilidades é que será possível a diferenciação e a

identificação das variadas formas diretivas, isto é, desde os simples comandos até a sutileza dos atos de fala que exigem maiores conhecimentos.

De um modo geral, todas as mães utilizam estilos linguísticos diferentes. As diferenças indubitavelmente afetam o ritmo, a natureza e o curso do desenvolvimento da linguagem da criança. Apesar das variabilidades nas quais as crianças são expostas pelos diferentes inputs, um benefício é que qualquer criança será exposta a uma gama de linguagem e aprende a avançar a partir dos diferentes estilos linguísticos. Para Garton (1992), essa flexibilidade terá um valor prático na vida e o papel do adulto será de manter a criança na conversação, papel que se modifica a partir da evolução das capacidades linguísticas infantis.

Segundo Mendes e Seidl de Moura (2009), as interações iniciais entre o bebê e a mãe irão favorecer a manifestação e o aperfeiçoamento das habilidades sociais, cognitivas e afetivas, tendo a mãe a função de promover essas trocas interativas e permitir a participação ativa da criança. Para que aconteça uma interação, pelo menos duas pessoas são necessárias, além da necessidade de trocas de informações. Interagir socialmente diz respeito a certo grau de reciprocidade e bidirecionalidade entre os participantes. A mãe será a principal responsável em promover as interações com a criança.

Turiel (2010) afirma que os relacionamentos sociais são recíprocos, com influências variadas e com o engajamento da perspectiva do outro. Essas interações contribuem para o estabelecimento da comunicação enquanto ferramenta fundamental para o desenvolvimento da linguagem da criança. Em relações diádicas, as mães tendem a engajar as crianças a participarem da interação e não apenas com o intuito de lhes fornecer informações ou mesmo ensinar-lhes a falar (Pessôa, Seidl de Moura & Oliva, 2008). Logo, a vontade de comunicar-se com a criança leva as mães a ajustarem sua fala a partir do nível de compreensão linguística dos filhos.

O princípio da bidirecionalidade ressalta a participação ativa da mãe e da criança e a mútua influência dos comportamentos. Quando as interações estabelecidas são demarcadas por diálogos verbais, facilitam a transformação de uma comunicação que inicialmente era espontânea para uma comunicação social, intencional (Oliva, 2001). Para compreender a função dos inputs linguísticos maternos e suas repercussões junto ao desenvolvimento da criança, é preciso considerar, além de outros fatores, o contexto social, o lugar que a criança ocupa nesse ambiente e a relação que a mãe estabelece frente à sua participação em promover a aquisição linguística infantil.

Destaca-se que a frequência do input é um forte fator para a aquisição da linguagem. Crianças cujas experiências sociais promovem mais oportunidades comunicativas e input mais rico constroem o vocabulário mais rapidamente que crianças com menos experiências.

Desse modo, o desenvolvimento do vocabulário também é afetado pelo contexto e esta afirmação deve ser considerada sempre que o interesse for compreender a aquisição linguística (Hoff, 2006).

A análise de cenas interativas e dos estilos comunicativos que nestas cenas se fazem presentes é essencial para a identificação dos contextos de atenção conjunta, considerados como base para o desenvolvimento sociocognitivo infantil. O tópico seguinte irá, de modo mais detalhado, apresentar contribuições da atenção conjunta para o estudo da aquisição linguística e para as habilidades sociocomunicativas.

2.2 Da atenção conjunta à intencionalidade: a importância destas habilidades na formação