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Os mecanismos que facilitam as influências interlínguísticas presentes nas comunidades e que promovem ou estabelecem resistência à mudança bem como à análise da forma como os indivíduos usam os recursos de variabilidade linguística

disponíveis, podem ser averiguados a partir da noção de rede social, de acordo com Milroy e Milroy (1997). O estudo de redes (networks) da antropologia social, da mesma forma, segundo Bortoni Ricardo (2005, p. 84), pode contribuir para compreender por que variedades linguísticas desprestigiadas conservam se em comunidades urbanas apesar da permanente influência da norma padrão. Esse fenômeno ocorre, conforme a mesma pesquisadora, inclusive em países onde a alfabetização é universal há décadas.

A noção de rede social, originalmente introduzida por Barnes (1954), foi trazida para os estudos sobre mudança/variação com o objetivo de explicar a relação entre os padrões de manutenção do vernáculo e os padrões de mudança/variação linguística no decorrer do tempo, segundo Milroy e Gordon (2003), tendo sido introduzida como categoria de pesquisa nos estudos linguísticos a partir de Milroy (1980), em seu estudo sobre a variação vocálica no inglês falado em três comunidades de Belfast, Irlanda do Norte.

As redes sociais, conforme Milroy (1980), representam os graus cotidianos de contato entre os indivíduos por meio de duas propriedades: densidade e plexidade. A densidade diz respeito à estrutura da rede, mais especificamente, à quantidade de contatos dos indivíduos em proporção ao número de vínculos que possivelmente poderiam existir em uma determinada comunidade. Nesse sentido, quanto maior o número de pessoas que efetivamente se relacionam, maior será a densidade da rede. Por outro lado, quando é formada por poucas pessoas, a rede será frouxa.

A plexidade, por sua vez, está relacionada ao tipo de vínculo entre as pessoas. Uma rede terá pouca plexidade se os indivíduos partilharem somente um tipo de relação (uniplex), como é o caso de um empregado que possui apenas uma relação profissional com seu empregador, mas será múltipla (multiplex) se os indivíduos partilharem mais de um tipo de relação, como ser, além de empregado, amigo do empregador, consoante Milroy e Milroy (1997).

Conforme Bortoni Ricardo (2005, p.84), “a alta densidade e ‘multiplexidade’ tendem a co ocorrer e são geralmente características dos sistemas tradicionais, isolados. Sistemas urbanos, por outro lado, tendem a uma densidade baixa e à ‘uniplexidade’”.

De acordo com Milroy (1987), quanto mais densas e multiplexas forem as redes sociais, maior será a probabilidade de operarem de forma a manter uma

norma, isto é, uma grande densidade tende a produzir homogeneidade de valores e de normas, inclusive as linguísticas. Dessa forma, se uma rede for bastante densa, haverá certa estabilidade linguística, mantendo se o vernáculo local, resistindo a pressões linguísticas e sociais de outros grupos. Se, por outro lado, os laços forem fracos, se as inter relações pessoais forem frouxas e com pouca multiplicidade, pode haver a influência de uma rede mais densa, de forma a conectar o grupo à sociedade ampla e estratificada.

Destaca se que, de acordo com Milroy (1980), as redes densas não caracterizam somente sistemas tradicionais, isolados geograficamente, mas podem ser verificadas também em comunidades urbanas estabelecidas há bastante tempo, as quais, por questão de sobrevivência, desenvolvem uma ética de solidariedade, que decorre em uma coesão interna e promove certa resistência aos valores do grupo dominante. Dessa forma, esses grupos, conforme o mesmo autor, tendem a preservar variedades linguísticas desprestigiadas.

A compreensão da densidade e da plexidade das redes e dos processos de mudança/variação e manutenção dos padrões linguísticos é favorecida pelo elenco de critérios para o estabelecimento dos graus de relação em rede apresentado por Battisti et al. (2007, p.19) a partir de Blake e Josey (2003). Segundo esse quadro, as relações podem ser de primeiro, segundo e terceiro graus, em gradação de maior intimidade à menor intimidade. As relações de primeiro grau, segundo esse modelo, estabelecem se entre marido/mulher, pais/filhos e colegas de trabalho com interação. As de segundo grau são estabelecidas entre tios/sobrinhos/primos/cunhados; amigos íntimos; vizinhos íntimos; colegas de associação com interação. Já as de terceiro grau dão se entre amigos não íntimos; vizinhos/não íntimos; colegas de trabalho sem interação e colegas de associação sem interação.

Sendo assim, pode se dizer que, neste estudo, os informantes deste estudo da zona rural constituem uma rede densa e multiplexa, pois mantêm inter relações com praticamente todos os indivíduos de sua comunidade e, ao mesmo tempo, mantêm mais de um tipo de relação com os demais componentes (o filho é também o vizinho; o vizinho é o amigo íntimo; o colega é o vizinho e também o amigo íntimo). Além disso, é provável que as diferentes gerações de informantes dessa rede apresentem as mesmas influências interlinguísticas do HR no PB em sua fala em PB.

Os informantes da zona urbana, apesar de viverem em um contexto urbano, ainda constituem uma rede, de certa forma, densa e multiplexa, pois procuram conviver com outros falantes bilíngues (PB e HR), não em função da necessidade de sobrevivência, mas para manter vivas as tradições e o próprio idioma. Sendo assim, mesmo estando em contato com a variante padrão do PB quase que diariamente, continuam mantendo sua própria variante do PB com influências do HR. Em função disso, talvez, o que se percebe, nessa comunidade, é que mesmo falantes monolíngues do PB apresentam, em sua fala, as marcas do HR.

Em suma, os informantes da zona urbana, assim como os da zona rural, não percebem que apresentam influências do HR em sua produção do PB, apesar de a maioria deles saber que essas marcas estão presentes na variante que falam.

A forma como as influências interlinguísticas ocorrem de uma língua para a outra é discutida na seção que segue.

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