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A (Bio) Ética como Disciplina Norteadora para o Novo (Bio) Direito

No documento Clonagem Humana no Brasil (páginas 42-45)

2.1 O DESENVOLVIMENTO DA BIOÉTICA E DO BIODIREITO EM FACE

2.1.3 A (Bio) Ética como Disciplina Norteadora para o Novo (Bio) Direito

Ao se estudar o Biodireito, levando-se em conta a abrangência do fenômeno jurídico, o presente trabalho não se refere à origem, aos vários posicionamentos teóricos, dogmáticos, nem mesmo à positivação do Direito ocorrida no início do séc. XIX, assim como da forma para exercitar esse direito, pois tal desiderato não seria por demais fácil.

Neste aspecto, observa Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2001, p. 21):

O direito é um dos fenômenos mais notáveis na vida humana. Compreendê-lo é compreender uma parte de nós mesmos. É saber em parte porque obedecemos, porque mandamos, porque nos indignamos, porque aspiramos a mudar em nome de ideais conservamos as coisas como estão. Ser livre é estar no direito e, no entanto, o direito também nos oprime e tira-nos a liberdade. Por isso, compreender o direito não é um empreendimento que se reduz facilmente a conceituações lógicas e racionalmente sistematizadas.

Quando se pensa em termos de Bioética e Direito, está se pensando sobre a incidência de regras de condutas limitadoras das atividades cientificas que dizem respeito à vida humana.

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É de imperiosa importância a regulamentação jurídica dos corolários envolvidos pela Bioética. A atividade legiferante, nesse aspecto, mesmo que ainda de forma incipiente, já vem aparecendo. A liberdade científica não deve ser censurada, o que não quer dizer que a sua atuação possa ir ao extremo da transgressão aos princípios do direito à vida e da dignidade da pessoa humana; nesse sentido, a importância do Direito na atuação conjunta com a Bioética. Entretanto, o tratamento global dessas questões ainda não atingiu um resultado satisfatório, tendo em vista a amplitude das temáticas envolvendo a tecnociência no âmbito da vida.

Nesse raciocínio, para Ramón Martín Mateo (1987, p. 123, tradução nossa), o progresso científico, em especial a investigação genética, deve se circunscrever “ao estrito âmbito de ações positivas para o indivíduo e a humanidade, com respeito a sua condição, a seus direitos e a sua dignidade como tal”. O que se propõe é uma limitação jurídica estribada em termos morais que impeça atividades de pesquisas que possam colocar em risco a saúde física e psíquica do ser humano.

Para o professor José Alfredo De Oliveira Baracho (1997, p. 3),

A inviolabilidade da pessoa humana vê-se hoje ameaçada por manipulações excepcionais, com a utilização de técnicas gerais, para o desenvolvimento da pesquisa científica, muitas vezes, decorrentes das lógicas do desejo e do lucro. Em face desse perigo torna-se necessário a produção de normas de emergências, assentadas em regras bioéticas ou deontológicas.

Nesse sentido, o jurista recorre à Deontologia, que vem a ser o estudo de princípios, fundamentos e sistemas de moral.

O Biodireito, um novo ramo do Direito que vem despontando, insere-se na órbita dos acontecimentos que surgem a partir das pesquisas das ciências da vida; que nascem a partir do

[...] aumento do poder do homem sobre o próprio homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens – ou criar novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permitir novos remédios para as suas indigências (BOBBIO, 1992, p. 6).

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O Biodireito desponta no encalço dos direitos fundamentais e, nesse sentido, inseparável deles. O Biodireito contém os direitos morais pertinentes à vida, à dignidade e à privacidade dos indivíduos, representando a passagem do discurso ético para a ordem jurídica, não podendo, no entanto, representar

[...] uma simples formalização jurídica de princípios estabelecidos por um grupo de sábios ou mesmo proclamado por um legislador religioso ou moral. O biodireito pressupõe a elaboração de uma categoria intermediária, que se materializa nos direitos humanos, assegurando os seus fundamentos racionais e legitimadores (BARRETO, 1999, p. 410).

Tratar do Biodireito remete diretamente à democracia visto que essa recente área do Direito toca as dimensões da vida, em sentido amplo (micro e macrobioética): não apenas a vida individual, mas também na coletividade. Deve prevalecer a organização democrática da sociedade para que os sentimentos da coletividade, aglutinadores dos valores morais, éticos e jurídicos possam ser assimilados como consenso. Tal consenso deve se consolidar no plano dos direitos fundamentais individuais e coletivos que informam determinado ordenamento jurídico. O Estado Democrático de Direito deve promover a justiça social, a legalidade e a segurança jurídica.

Os comitês de Bioética6 têm sua relevância ao tempo em que

reúnem o estudo de vários temas, sistematizando-os e colocando-os à disposição do Estado. Entretanto, o poder desses comitês é limitado, devendo o Estado atuar quando assim for necessário.

Chaïm Perelman (1996, p. 448-449) chama a atenção para a confusão que se faz entre os termos Direito e Lei, razão e vontade, justiça e poder, que mudam de sentido de acordo com os sistemas nos quais encontram-

6 Os comitês de Bioética são constituídos por um grupo multidisciplinar. As suas atribuições mais

importantes podem assim ser resumidas: educar a comunidade interna e externa a respeito da dimensão moral de exercício das profissões ligadas à área de saúde; redigir e submeter à apreciação da administração do hospital normas e diretrizes que visem à proteção das pessoas, tanto pacientes como profissionais da saúde e membros da comunidade; oferecer consultoria a todos os profissionais e pacientes ou seus representantes que necessitem que um conflito de natureza moral seja equacionado ou com apoio de psicológo, quando de uma tomada de decisão difícil do ponto de vista moral. Aos comitês de ética são vedados oferecer apoio jurídico a qualquer das partes envolvidas em conflito de ordem moral ou legal; definir normas de ação profissional, por ser órgão consultivo, por excelência; analisar problemas sócioeconômicos da instituição – embora possa fazer sugestões de alocação de recursos escassos, analisando a matéria estritamente do ponto de vista moral. (CLOTET, 1995).

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se inseridos. Perelman, analisando como o Direito se ajusta à realidade a partir de valores morais, mostra que, em determinadas situações, uma obrigação moral de solidariedade deve prevalecer sobre a obrigação legal. Assim, observa:

Ao integrar no direito positivo regras e valores diferentes daqueles reconhecidos pela lei, o juiz procura conciliar a lei com a justiça, ou seja, aplicar a lei de forma que suas decisões possam ser socialmente aceitáveis. É seguindo o mesmo espírito que, após a Segunda Guerra, várias constituições européias introduziram em seu texto, artigos que protegem os valores fundamentais de uma sociedade democrática e, de modo mais especial, dos direitos humanos (PERELMAN, 1996, p. 455).

A vida e a dignidade encontram-se acima das leis. Uma decisão ética é toda aquela que busca preservá-las. O Biodireito surgiu da necessidade de preservação do homem em face dos perigos de suas próprias conquistas, proporcionadas pelo conhecimento racional. Insere-se, pois, no contexto paradigmático de uma cultura que se constrói a partir da técnica, da previsibilidade e eleva-se como construção teórica que expressa a consciência moral de um novo homem, que vem se aperfeiçoando e construindo uma nova civilização.

Assim, temos o Direito e as lições da Ética imbricados, reiterando seu compromisso com a vida. Importa ainda frisar que, mesmo havendo um vazio na legislação, o compromisso ético deve permear a atividade do profissional no seu trabalho de pesquisa. O objetivo a ser alcançado é a qualidade de vida para a sociedade como um todo. Não pode prevalecer o interesse de grupos econômicos que se dedicam a essa área de pesquisa, mas, ao contrário, a ciência deve estar a serviço da vida.

2.2 DA NECESSIDADE DE PROTEÇÃO À VIDA: O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE

No documento Clonagem Humana no Brasil (páginas 42-45)