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4 O metabolismo dos lipídeos no rúmen

4.3 Microrganismos envolvidos na bio-hidrogenação

4.3.1 Bactérias

4.3.1.1 Bio-hidrogenação sob pH ruminal não-ácido

As bactérias ruminais envolvidas com a principal rota de BH de AG no rúmen são dispostas em dois diferentes grupos (A e B) com base em suas ações metabólicas (Kemp e Lander, 1984). Para que haja BH completa dos AGPI da dieta, torna-se necessária a ação de ambos os grupos.

36 O grupo A, composto principalmente por bactérias fibrolíticas butirogênicas, sendo as principais representantes B. fibrisolvens, Ruminococcus albus e R. flavifaciens, é extremamente eficiente em hidrogenar os AGPI livres no rúmen, tendo como principal produto intermediário o ácido rumênico (CLA cis-9 trans-11) e, como final, o ácido vacênico C18:1 trans-11 (Figura 3). No entanto, nem toda bactéria produtora de butirato produz o mesmo perfil enzimático. As Eubacterium e Clostridium spp., por exemplo, utilizam o linoleato e linolenato como substratos, mas produzem produtos intermediários e finais diferentes.

Figura 3. Principais rotas metabólicas de bio-hidrogenação dos ácidos linoleico e α-linolênico no rúmen sob pH não-ácido. Adaptado de Khanal e Dhiman (2004)

O grupo B é representado pelo Fusocillus spp. e pelo Clostridium proteoclasticum – reclassificado como Butyrivibrio proteoclasticus. Atualmente, estas são as únicas bactérias isoladas no rúmen capazes de converter AG poli-insaturados a ácido esteárico C18:0 (Harfoot e Hazlewood, 1988; Jenkins et al 2008, Buccioni et al., 2012).

O primeiro passo do processo de BH dos AG ruminais é a isomerização das duplas ligações cis-12 para trans-11, resultando em AG conjugados di ou trienoicos, seguida da hidrogenação das duplas ligações cis-9, formando o ácido vacênico C18:1 trans-11. O passo final consiste na hidrogenação das duplas ligações trans-11, produzindo o ácido esteárico C18:0, C18:1 trans-15 ou C18:1 cis-15 (Khanal e Dhiman, 2004). Sabe-se que o grupo A é numericamente muito superior ao grupo B. Essa diferença faz com que a ocorrência do último passo da cascata de reações seja limitada, fazendo com que a concentração do ácido vacênico se eleve, tornando-o o principal produto da BH ruminal.

Ao compreender as rotas metabólicas da BH dos AG no rúmen, entende-se porque o aumento da concentração de AGPI na dieta causa simultaneamente incremento nas concentrações de AG mono- insaturados e diminuição na concentração de saturados no rúmen (Fellner et al., 1995).

Em 2010, McKain et al. publicaram resultados de um experimento in vitro avaliando as rotas de BH e quantificando o grau de hidrogenação de isômeros de CLA e AG C18:1 em culturas de diferentes categorias de bactérias metabolizadoras de AG insaturados no rúmen, entre elas: B. fibrisolvens (grupo A, pH não- ácido), Propionibacterium acnes (pH ácido) e B. proteoclasticus (grupo B) (Figura 4).

Os autores observaram que as rotas são totalmente dependentes dos tipos de microrganismos presentes no meio e, consequentemente, do pH. Segundo os autores, três principais rotas sobressaíram: uma primeira, responsável por converter os isômeros de CLA, produtos da isomerização do ácido linoleico, à C18:1 trans- 11; uma segunda, só encontrada em meio ácido e responsável por converter os isômeros geométricos do CLA 10, 12 à C18:1 trans-10 ou cis-12; e uma terceira, protagonizada pela B. proteoclasticus, responsável por converter uma extensa gama de AG monoenoicos a ácido esteárico. Confirmando, assim, as rotas anteriormente propostas por Khanal e Dhiman (2004).

Ácido Esteárico Ácido Esteárico Ácido Vacênico Ácido α-Linolênico Ácido Linoleico (Grupos A e B) Isomerização (Grupo A) Hidrogenação (Grupos A e B) Hidrogenação (Grupos A e B) Isomerização (Grupo B) Hidrogenação (Grupo B) Hidrogenação (Grupo A) Hidrogenação

37 Figura 4. Principais rotas metabólicas de bio-hidrogenação dos isômeros de CLA avaliadas em culturas bacterianas in vitro. Fonte: McKain et al. (2010), modificado.

A redução do CLA cis-9 trans-11 para C18:1 trans-11 é catalisada pela enzima trans-11 ácido octadecadienoico redutase (Palmquist et al., 2005). Hughes et al. (1982) citados por Palmquist et al. (2005) isolaram essa enzima da membrana plasmática de B. fibrisolvens e observaram atividade máxima em faixa de pH entre 7,2 e 8,2.

Alguns suplementos dietéticos, como o óleo de peixe e outras fontes de AGPI, parecem inibir o último passo da BH, causando aumento do fluxo de AG C18:1 trans e redução do fluxo de ácido esteárico para fora do rúmen (Shingfield et al., 2003), além de reduzir os teores de gordura do leite. Esse fato ocorre devido à ação deletéria desses lipídeos sobre as bactérias do Grupo B (Bauman et al., 2003).

Ainda não está claro qual realmente é o comportamento dos microorganismos ruminais e, consequentemente, da BH dos AG, em situações de altas concentrações de AGPI no rúmen. Beam et al. (2000) conduziram um experimento que objetivou identificar fatores que influenciassem as taxas de lipólise e de BH dos AG no rúmen. Em vacas leiteiras recebendo dieta suplementada com óleo de soja, os autores verificaram que a taxa de lipólise do óleo declinava de 44%/h para menos de 30%/h quando se aumentava a sua adição de 2 para 10% na MS da dieta. A taxa média de BH dos AG C18:2 foi de 14,3%/h, e declinou 1,2%/h a cada unidade percentual de C18:2 adicionada à dieta. Já Shingfield et al. (2008) observaram aumentos lineares na BH dos ácidos oleico (P = 0,009), linoleico (P<0,001) e linolênico (P<0,001) à medida que se aumentou o fornecimento de óleo (0; 250; 500 e 750 g de óleo de girassol/dia, equivalente a 0; 1,7; 3,3 e 5,0% do consumo diário de MS) via sementes de girassol na dieta de quatro vacas em lactação alimentadas à base de silagem de capim.

Beam et al. (2000) também observaram que, comparado com o AG C18:2, as taxas de BH do C18:1 foram ainda menores (3,6%/h, em média). A taxa de BH foi maior com o incremento do grau de insaturação da cadeia carbônica dos AG. Baseando-se nestes achados, os autores concluíram que a elevação das concentrações de ácido linoleico na dieta tende a reduzir a taxa de BH e aumentar o fluxo pós-ruminal desse AG. Isso se deve à inibição competitiva entre as enzimas isomerase e os AG insaturados de cadeia longa. Estudos mais recentes têm verificado que os derivados polifenólicos vegetais, sendo o tanino o principal exemplo, são capazes de reduzir eficientemente os processos de lipólise e BH no rúmen, permitindo maior aporte (25 a 35%) de AG mono e poli-insaturados e menor (20%) de saturados aos tecidos (Cabiddu et al., 2010; Rana et al., 2012). Tais resultados sugerem que a adição dietética de algumas espécies de leguminosas – como a Terminalia chebula, a Vicia sativa (ervilhaca; avica) ou a Trifolium incarnatum

38 (trevo violeta) – podem agir como eficiente ferramenta na elevação dos teores de AG insaturados que saem do rúmen e, consequentemente, na melhoria da qualidade da gordura dos produtos de origem animal.