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Em condições aeróbias, as células eucarióticas dos organismos multicelulares oxidam as suas fontes orgânicas de energia a CO2 e água. Essa fase aeróbia do catabolismo energético celular é conhecida como respiração celular. A respiração celular é dividida em três estágios: Glicólise, Ciclo do Ácido Cítrico (CAC ou Ciclo de Krebs) e Fosforilação Oxidativa (Nelson e Cox, 2004).

45 Durante a glicólise, que ocorre no citosol celular, as moléculas de glicose são oxidadas, produzindo fragmentos de três carbonos na forma de Piruvato. Uma vez que o Piruvato atravessa a parede mitocondrial, é convertido em Acetil-CoA. Na matriz mitocondrial, dependendo do status fisiológico ou da espécie animal, alguns aminoácidos (AA), AG e, no caso específico dos ruminantes, o ácido graxo volátil (AGV) acetato também pode ser convertido a Acetil-CoA e encaminhado para o primeiro passo do CAC (Nelson e Cox, 2004).

O CAC é a rota final comum da oxidação aeróbia dos CHO, lipídeos e proteínas, já que a glicose, os AG e a maioria dos AA são metabolizados a Acetil-CoA ou alguma outra molécula intermediária do ciclo. Ele também exerce papel central na gliconeogênese, lipogênese e na interconversão de AA (Nelson e Cox, 2004).

Durante o CAC, as moléculas de Acetil-CoA são oxidadas produzindo CO2 e energia. A energia liberada pela oxidação é conservada na redução de três moléculas de NAD+, um FAD e na produção de um ATP. Apesar de o ciclo gerar diretamente apenas um ATP por giro, as quatro oxidações são capazes de gerar elevado fluxo de elétrons na cadeia respiratória via NADH e FADH2 (Nelson e Cox, 2004).

No terceiro e último estágio da respiração celular, essas coenzimas são também oxidadas, gerando prótons (H+) e liberando elétrons. Estes são transferidos para moléculas de O2 em um complexo conjunto de reações químicas entre moléculas eletrocarreadoras, chamado cadeia respiratória. Durante as transferências de elétrons, grande quantidade de energia é liberada e conservada na forma de ATP, que é utilizado, então, no trabalho celular (Nelson e Cox, 2004).

Nas células dos organismos aeróbios, o CAC pode agir tanto de forma catabólica, degradando moléculas orgânicas para a síntese de energia (ATP, GTP, NADH ou FADH2), quanto anabólica, sintetizando compostos necessários para as reações bioquímicas dos diversos tecidos. A esses caminhos bioquímicos alternativos não usuais é dado o nome de Reações Anapleróticas (Figura 11).

Figura 11. Papel do Ciclo do Ácido Cítrico no anabolismo celular. Fonte: Nelson e Cox (2004)

Além do importante papel no catabolismo oxidativo dos CHO, AG e AA, o ciclo gera precursores para diversas outras rotas metabólicas. O α-cetoglutarato e o Oxaloacetato produzidos durante o CAC podem, por exemplo, servir de precursores para a síntese dos AA aspartato e glutamina por transaminação simples. Já o citrato, sintetizado no início do giro, pode originar tanto energia, na forma de NADPH, quanto Acetil- CoA na matriz citoplasmática, estando ambos presentes no processo de síntese de novo e na elongação da cadeia carbônica dos AG no citoplasma celular (Nelson e Cox, 2004).

46 O termo síntese de novo caracteriza o processo de síntese de novas moléculas a partir de precursores advindos do sangue. No caso dos AG, caracteriza a síntese de cadeias carbônicas pequenas e médias – menores ou iguais a 16 carbonos – a partir de moléculas altamente energéticas, como os AA, os CHO, os AGVs ou, até mesmo, outros AG.

O leite dos ruminantes normalmente contém entre 3 e 5 % de gordura total, dependendo de uma série de fatores como nutrição, estágio de lactação e genótipo (Chilliard et al., 2003a). A gordura láctea é composta basicamente por triglicerídeos (TG) – entre 96 e 98% - sendo os AG de cadeia de 4 a 18 carbonos, os mais abundantes (Jensen, 2002). Os AG incorporados aos TG são derivados de duas fontes principais: captação de AG pré-formados originados da circulação periférica; e síntese de novo de AG nas células secretoras da glândula mamária. A síntese de novo de AG nos bovinos participa com, aproximadamente, 60% (em base molar) ou 40% (em peso) do total de AG secretados no leite (Bauman e Davis, 1974, citados por Shingfield et al., 2010).

Nas fêmeas em lactação, a glândula mamária torna-se o principal local de síntese de AG, ultrapassando até mesmo o tecido adiposo e o fígado (Baticz et al., 2002). No tecido mamário das fêmeas ruminantes, o acetato é o principal precursor de AG, agindo tanto como fonte de carbono quanto como de energia para realização das reações químicas. Essa é uma estratégia interessante, já que os ruminantes são naturalmente hipoglicêmicos. A pouca glicose produzida durante a digestão pode ser poupada e utilizada em outras rotas metabólicas, como a síntese de lactose, por exemplo.

As células do epitélio mamário sintetizam os AG de cadeia curta e média usando, basicamente, o acetato e o -hidroxibutirato como substratos. Os AG sintetizados de novo respondem por todo os C4 a C12, 95% dos C14 e, aproximadamente, 50% dos C16:0 secretados no leite, enquanto que todo AG com cadeia carbônica igual ou superior a 18 é proveniente da circulação sanguínea (Chilliard et al., 2000). O processo bioquímico responsável pela síntese de AG nas células mamárias como um todo é extremamente complexo, sendo os pontos-chave apresentados a seguir, na Figura 12:

Acetate β-hidroxibutirato Acetyl-CoA Synthetase 4 2 3 1 5 6 7 8

47 Figura 12. Representação esquemática das rotas metabólicas relacionadas à síntese de ácidos graxos no tecido mamário dos ruminantes. Adaptado de Murray et al. (2003)

a) Síntese do Acetil-CoA: o acetil-CoA, molécula chave na síntese de AG, pode ser originada diretamente

do acetato e do -hidroxibutirato livre no citoplasma por meio da ação da enzima Acetil-CoA Sintetase

(passo 1 da Figura 12), ou a partir da lise do citrato pela ação da ATP Citrato Liase (passo 5 da Figura 12). O primeiro caminho é a principal fonte de C para os AG.

b) Formação da Malonil-CoA a partir da Acetil-CoA: a conversão do acetato a malonil-CoA, catabolizada pela enzima Acetil-CoA Carboxilase, é um processo irreversível (passo 6 da Figura 12). Essa reação é considerada o principal ponto de regulação da lipogênese.

c) O complexo Ácido Graxo Sintase (AGS) recebe os grupos Acetil e Malonil: as cadeias de carbono dos AG são montadas em um processo cíclico repetitivo pela ação do complexo enzimático AGS, que acrescenta dois carbonos – vindos do grupo malonil – a um acetil originado do Acetato ou do - hidroxibutirato em cada ciclo. Esse fato explica porque toda gordura sintetizada na glândula mamária dos ruminantes tem cadeia carbônica par.

d) O complexo AGS libera o AG recém-formado: quando a cadeia chega a 16 carbonos (Palmitato) o AG deixa o ciclo pela ação da Tioesterase ou Deacilase – uma das sete enzimas que compõem o complexo AGS. Na glândula mamária, existem vários tipos de Tioesterases, sendo que cada uma é responsável por liberar o AG com determinado comprimento de cadeia – C8, C10 ou C12 (Nelson e Cox, 2004).

7.1. Fontes de carbono utilizadas na síntese de ácidos graxos

O acetato, principal produto da digestão microbiana no rúmen, pode seguir dois caminhos no processo de síntese dos AG: entrar passivamente no citosol e lá sofrer a ação da enzima Acetil-CoA Sintetase (passo 1 da Figura 12), para que seja convertido diretamente a acetil-CoA; ou entrar na mitocôndria para depois ser oxidado a acetil-CoA (passo 8 da Figura 12). Como as paredes mitocondriais são impermeáveis ao Acetil- CoA, torna-se necessária sua conversão ao citrato para posterior reação com a ATP Citrato Liase (passo 5 da Figura 12) e retorno à forma de acetil.

Para Bauman e Davis (1974), a utilização de glicose e acetato mitocondrial como fontes de carbono para o esqueleto dos AG recém-sintetizados parece ser restrito em ruminantes devido a, pelo menos, dois fatores: a atividade da Piruvato Desidrogenase (enzima responsável pela conversão do piruvato a Acetil-CoA) é extremamente baixa nos tecidos dos ruminantes; e a atividade da ATP-Citrato Liase, responsável pela clivagem do citrato a acetil-CoA no citosol, é muito baixa no tecido mamário dos ruminantes. Assim, o citrato, advindo tanto da glicose quanto do acetato intramitocondrial, não seria fornecedor de carbono em quantidades significativas.

Smith e Prior (1986), comparando a lipogênese no tecido adiposo de ovinos e bovinos, relataram, assim como Bauman e Davis (1974), que a baixa atividade da ATP-Citrato Liase realmente limitaria a síntese de AG nos ovinos, mas que seria improvável que essa enzima também agisse como limitante nos tecidos dos bovinos. Assim, os dados indicariam que o argumento proposto por Bauman e Davis (1974) não seria válido para ambas as espécies. Tal fato pode ser confirmado pelos dados apresentados na Tabela 8, publicada por Hanson e Ballard (1967), que sugerem que a ação da ATP Citrato Liase nos bovinos é muito superior à dos ovinos, não permitindo, então, generalizações entre espécies.

Tabela 8. Atividade das enzimas envolvidas na síntese de ácidos graxos (µmoles/min/g de tecido)

Enzima Reação Animais

Cobaias Ovinos Bovinos

ATP-Citrato Liase citrato→acetil-CoA 53 9 24

Malato Desidrogenase malato→piruvato 323 67 63

Acetil-CoA Sintetase acetato→acetil-CoA 39 125 75

48 Os dados da Tabela 8 também sugerem que tanto o acetato – ou o -hidroxibutirato – intramitocondrial, substrato para enzima a ATP-Citrato liase, quanto o acetato citoplasmático, substrato para a Acetil-CoA Sintetase, são fontes importantes de carbono para a síntese de AG nos bovinos.

7.2. Fontes de energia utilizadas na síntese de ácidos graxos

A síntese de AG requer quantidades significativas de energia que, na sua maioria, vem na forma de NADPH originado do citoplasma. Teoricamente, são necessárias 14 moléculas de NADPH – o equivalente a 35 ATP

– para que ocorra a síntese de uma molécula de ácido palmítico (palmitato). Suas principais fontes no tecido

mamário são a descarboxilação oxidativa da glicose-6-fosfato no Ciclo das Pentoses ou Pentose Fosfato (passo 2 da Figura 12); a descarboxilação oxidativa do malato, catalisada pela Malato Desidrogenase (passo 3 da Figura 12); e a descarboxilação oxidativa do isocitrato citoplasmático, catalisada pelo ciclo da Isocitrato Desidrogenase (passo 4 da Figura 12) (Murray et al. (2003).

A contribuição de energia que cada um desses ciclos oferece para a ocorrência da síntese de AG nas células dos bovinos ainda é controversa. Smith et al. (1983) propuseram que de 33 a 43% do NADPH utilizado na síntese de AG a partir do acetato na glândula mamária de vacas seria originado no ciclo das pentoses, de 36 a 60% da Isocitrato Desidrogenase e uma pequena fração pela Malato Desidrogenase. Já Smith e Prior (1986) estimaram entre 51 a 67% originado do ciclo das pentoses, sendo o restante fornecido pelas outras vias em proporções não conhecidas.

Deve-se então ter em mente que a ação da enzima malato desidrogenase pouco contribui para a lipogênese e que o ciclo das pentoses e o ciclo da isocitrato desidrogenase são as duas principais fontes de energia para a ocorrência desse processo.