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2. REVISÃO DE LITERATURA

2.4. Antibióticos e resistência bacteriana

2.5.3. Biofilme estafilocócico em dispositivos implantados

O uso de dispositivos médicos tem aumentado nas últimas décadas. De fato, prevê-se que cada pessoa em uma sociedade tecnologicamente avançada irá ter um implante pelo menos uma vez na vida. Isso varia de um simples cateter para bombeamento de sangue a dispositivos como corações artificiais. A utilização desses dispositivos tem resultado em melhora na qualidade de vida e no tempo de sobrevivência de pacientes, entretanto emerge como um problema principal, uma vez que há infecções relacionadas ao seu uso (HUME et al., 2004).

A presença de biofilme sob dispositivos médicos implantados já foi descrita em lentes de contato, cateteres venosos centrais, tubos endotraqueais, dispositivos intra-uterinos, válvulas cardíacas mecânicas, marcapassos, cateteres de diálise peritoneal, próteses articulares, tubos de timpanostomia, cateteres urinários e de derivação ventrículo-peritoneal (DOLAN, 2001).

Bactérias Gram-positivas, Gram-negativas e fungos têm sido observados como formadores de biofilme sob dispositivos médicos implantados. Dentre essas bactérias comumente isoladas desses dispositivos incluem: Enterococcus faecalis, Staphylococcus aureus, Staphylococcus capitis, Staphylococcus hominis, Staphylococcus haemolyticus, Staphylococcus warneri, Staphylococcus saprophyticus, Staphylococcus simulans, Staphylococcus auricularis e Staphylococcus carnosus, Staphylococcus intermedius, Streptococcus viridans, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Proteus mirabilis e Pseudomonas aeruginosa (KEIM, 2005).

A contaminação do biomaterial pode ocorrer durante a sua implantação cirúrgica, a partir de bactérias presentes na pele ou em mucosas de paciente ou, ainda, a partir das mãos da equipe cirúrgica ou clínica durante os procedimentos de manutenção desses dispositivos (VON EIFF et al., 2002).

Relatos, nas duas décadas passadas, têm mostrado que biofilmes formados especialmente por estafilococos causam infecção descrita como “infecção crônica associada a polímeros” (PETERS et al., 1982; RESCH et al., 2004). Nos hospitais, os reservatórios são representados por pacientes colonizados, funcionários e pelo próprio ambiente (LYTSKY, 1978; MUNDIM et al., 2003).

A patogênese relacionada às infecções de dispositivos implantados é multifatorial e constitui um passo crucial na aderência de Staphylococcus à superfície do polímero (Figura 9) (PEACOCK et al., 2002; BALABAN et al., 2003; AOKI et al., 2005). Primeiramente, bactérias desse gênero aderem a uma superfície por meio de fatores não específicos, como carga e hidrofobicidade da superfície, proteínas (autolisinas) e ácido tecóico da parede celular. Em seguida, o estágio de adesão inicial é caracterizado pela produção de fatores que medeiam contato célula-célula durante a formação de biofilmes. Um principal componente de biofilmes compostos por S. epidermidis é a adesina polissacarídica intercelular (PIA). Outros fatores que medeiam a formação de biofilme são recentemente identificados como proteínas associadas à superfície, como a Aap, accumulation-associated protein e Bap/Bhp, biofilm-associated protein (ZIEBUHR et al., 2006).

Figura 9 – Fatores envolvidos na adesão inicial em superfícies e na formação de biofilmes por estafilococos.

Fonte: ZIEBUHR et al., 2006.

Interações proteína- proteína associadas à superfície: como a Aap,

accumulation-associated protein e Bap/Bhp, biofilm-

associated protein

Síntese de adesina polissacarídica intercelular (PIA) Autolisinas, ligação

matriz – parede celular associado a proteínas Carga da superfície,

hidrofobicidade, ácidos tecóicos

Biofilme em uma superfície sólida Biofilme agregado

Células aderidas Células planctônicas

PIA é codificada pelo operon ica (adesina intercelular), entretanto recentes relatos sugerem que esse operon também codifica as adesinas capsulares (PS/A), e, portanto, PIA e PS/A relacionam-se quimicamente. Esse operon parece ter importante papel na patogenicidade da infecção de S. epidermidis. Em um estudo, aproximadamente 85% dos isolados de sangue de S. epidermidis apresentavam os genes ica quando comparados com isolados saprofíticos, que continham apenas 6% (ZIEBUHR et al., 1997). A expressão do operon ica é regulada por parâmetros ambientais, tanto em laboratório quanto também sob condições in vivo. Crescimento anaeróbio, a presença de antibióticos em concentrações de subinibição e estresse osmótico resultaram na elevação da expressão do operon ica ou da síntese de PIA (FITZPATRICK et al., 2002). Knobloch et al. (2002) relataram que compostos alcoólicos utilizados para a desinfecção de pele tiveram o potencial de aumentar a formação de biofilmes em isolados de S. epidermidis ica-positivos e, conseqüentemente, causar infecção relacionada à presença de corpos estranhos. Fitzpatrick et al. (2002) concluíram, a partir de estudos, que o operon ica é a marca de virulência de S. epidermidis de estirpes isoladas e relacionadas com a causa de infecções em UTI; todavia, a produção de biofilme é também dependente das condições ambientais. Essa regulação ambiental é complexa, e as condições do hospedeiro e o local da infecção podem também desenvolver papel importante

Quorum sensing é um mecanismo de regulação em cascata da expressão bacteriana de genes em resposta ao aumento da densidade celular. S. aureus sintetiza uma série de exotoxinas via o sistema agr, e simultaneamente há inibição da formação de biofilme (IWATSUKI et al., 2006). Quando há aumento no número de células de S. aureus, há também síntese de moléculas sinalizadoras (agr) no intuito de comunicarem que estão em quorum (OTTO, 2004). Essas moléculas foram descritas primeiramente como reguladores pleiotrópicos de exotoxinas estafilocócicas, de proteases e proteínas da membrana (VUONG, 2000; LINDSAY; FOSTER, 1999). O sistema agr (Figura 10) de S. aureus consiste de quatro genes (agrA, agrC, agrD e agrB), que são co-transcritos de RNAII, e do gene que expressa a molécula efetora do sistema agr, RNAIII, que também expressará o gene da -toxina (hdl) (IWATSUKI et al., 2006).

Figura 10 – Sistema agr em S. aureus. Fonte: IWATSUKI et al., 2006.

O conhecimento do mecanismo de inibição da formação de biofilme pelo sistema agr pode prover uma estratégia moderna contra infecções associadas à sua formação (IWATSUKI et al., 2006).

Biofilmes microbianos em dispositivos médicos são de difícil tratamento com agentes antimicrobianos. Embora esses dispositivos se diferem em relação ao design e às características de uso, fatores específicos determinam a suscetibilidade de contaminação microbiana e conseqüente formação de biofilme. Como exemplo, vale ressaltar o tempo de uso, número e espécie do organismo a que o dispositivo ficará exposto, taxa de fluxo e composição do meio circulante e o biomaterial empregado na sua construção (DONLAN, 2001).

2.6. Emprego da microscopia eletrônica de varredura e contagem-