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Nesse momento de minha escrita, como fruto da análise dos livros didáticos, duas coisas são perceptíveis: a primeira delas é que ao avançar observando e tecendo algumas considerações acerca da vida e do vivo no cerne das teorias que postulam a origem da vida, é notória a mudança no sentido do conhecimento biológico, na observação sobre o ―como‖ a vida - os seres vivos - poderia ter surgido no planeta. Percebe-se o aprimoramento da compreensão acerca das possibilidades para uma origem da vida, principalmente quando trilhamos o caminho do Criacionismo, passando pela Abiogênese até alcançarmos a Biogênese, foco e objeto atual da análise.

A segunda coisa que pode ser percebida é que ao aceitar o desafio de escrever sobre o objeto de estudo da Biologia, não é possível se furtar de escrever a própria história dessa ciência ao relatar acontecimentos, examinar fatos, figuras e elementos históricos que contribuem para a construção de um pano de fundo para essa análise e que, por muitas vezes, explicam o porquê do conhecimento biológico encontram-se em seu status atual de saber.

São diversos os enfoques que - dentro da própria Biologia - o elemento vida pode receber, mas independentemente disso sua referência é sempre o vivo. É o vivo que lhe possibilita a existência enquanto ciência. Na observância dessas teorias que tentam explicar o surgimento da vida – ou as possibilidades para tal ocorrência – podem ser evidenciados diferentes enfoques que tudo tem a ver com a história e com a quantidade de conhecimento acumulado sobre as formas de vida em uma determinada época. Por exemplo, com relação ao Criacionismo, não há possibilidade alguma do debruçar de um olhar científico. A vida e o vivo são tomados como elementos divinos cuja origem não é deste mundo, pois a perspectiva da criação explicando a origem da vida e a complexidade de suas formas exclui definitivamente a ciência de qualquer tentativa de análise, tendo em vista uma condição transcendente fruto da atividade de uma força criadora e organizadora superior, divina. Nesse sentido qualquer embate seria inútil, porque mais difícil do que comprovar a existência de Deus seria comprovar sua inexistência, o que tornaria a discussão sempre inacabada, infindável.

A insistência da razão – do movimento racionalista – e toda lógica que nela pode haver, ou que ela pretende empreender em buscar quando se trata dos modos

de conhecer o mundo, trouxe certa validação, mesmo que mínima, à Geração Espontânea. A possibilidade de encontrar a resposta para a origem das formas de vida, ao mesmo tempo em que permite submeter à própria vida a condições experimentais, fez com que a ideia desse conceito – na Biologia – se materializasse no sentido da crença de que talvez fosse possível compreendê-la observando os vivos e seus modos de vida.

Com isso foi possível dar espaço e empreender um olhar mais atento das formas de vida, relacionando – mesmo que erroneamente – seu surgimento à combinação de elementos abióticos que poderiam ser encontrados em zonas de ocorrência desses seres, seus habitats. Daí o fato da possibilidade de relação entre a palha e o surgimento de ratos, do lodo depositado no fundo dos lagos com os patos ou até mesmo das cracas sendo influenciadas pelo próprio meio a se transformarem em marrecos. O mérito de uma teoria como a da Abiogênese foi o de trazer a vida para um âmbito mundano - da matéria – onde pode ser colocada à prova pela ciência e sua metodologia investigativa, neste caso, no que tange a sua origem.

No caso das teorias – essencialmente – biológicas que postulam a origem da vida, ao observá-las temos que cada uma delas surgiu no esgotamento do discurso da outra. Tidas como teorias, criacionismo, abiogênese e a biogênese (agora em questão), são também percepções sobre os modos como a vida teria surgido. Quando cessa o espaço para uma percepção divina surge outra racionalidade que tenta explicar essa origem: a Abiogênese aparece como a alternativa mais viável em um momento pontual da história do conhecimento científico, mais especificamente o biológico. Esta, por sua vez, também se esgota quando se observa uma insuficiência elementar, a impossibilidade da matéria-bruta originar um ser ―vivo‖ em toda sua complexidade estrutural.

Grande parte, para não dizer a maioria, dos livros didáticos de Biologia observa nos resultados dos experimentos de Redi e Pasteur a virada na concepção epistemológica em torno da vida, mas a primeira contestação empírica da Geração Espontânea se deu com Lazzaro Spallanzani e seu experimento – reproduzindo Needham – que com pequena variação no que diz respeito às condições de temperatura (tempo de fervura do caldo de carne, como anteriormente já referido) foi essencial para que se pudesse perceber que a vida só poderia surgir de outras

formas de vida pré-existentes. Embora Spallanzani tenha feito este primeiro movimento para a derrubada de uma teoria como a da Geração Espontânea, os experimentos de Redi e Pasteur – este, muito mais – são considerados os marcos para a emergência de uma nova teoria: a Biogênese.

Ambos os experimentos são muito similares em termos de finalidade. Era preciso comprovar que a vida não poderia surgir da matéria não viva. Logo, Francesco Redi teve a ideia de, em dois frascos distintos, colocar pedaços de carne. Um foi tampado com um pedaço de gaze, outro deixado aberto. A hipótese do cientista era a de que se as moscas pudessem ser mantidas isoladas, de pelo menos um, dos pedaços de carne, não conseguiriam fazer a postura e sendo assim naquele pedaço as larvas não apareceriam, o que seria verificável apenas no exposto - do outro frasco - comprovando que foi a exposição que permitiu esses insetos de colocarem seus ovos na carne e que foi destes ovos, e não da própria carne, que emergiram as larvas.

Figura 7 - Experimento de Redi. Segundo apresenta o livro de Uzunian e Birner (xxxx, p.1010), Redi teria antes realizado o experimento com frascos hermeticamente fechados, mas encontrou resistência por parte daqueles que acreditavam na geração espontânea – e até mesmo no vitalismo – que creditavam à composição do ar a existência de uma “força” ou “sopro” gerador, organizador da vida.

Redi teve sucesso em seu experimento embora, para muitos, seu resultado não tenha sido definitivo para que se pudesse abandonar a Abiogênese; talvez como afirma o texto de Lilian Al-Chueyr Pereira Martins (p.18, 1998) a partir do livro Opere

di Redi38, foi que o ―mesmo Redi continuou a aceitar a ideia de geração espontânea

dos vermes intestinais‖, tendo apenas comprovado a sua inexistência em um caso específico.

Com relação ao experimento de Louis Pasteur, temos algo parecido com o procedimento empregado por Redi e pelo próprio Spallanzani, em sua variação ao

experimento de Needham. Pasteur, assim como eles, utilizou caldo de carne e submeteu-o à fervura; e, como Redi, isolou esse caldo, fazendo com que não houvesse contato com o ambiente externo utilizando-se de frascos ―pescoço de cisne‖.

No início da década de 1860, o cientista francês Louis Pasteur começou a estudar a origem dos microrganismos, estimulado por um prémio oferecido pela Academia Francesa de Ciências para quem realizasse um experimento definitivo sobre o assunto. Em uma de suas experiências, ele colocou caldos nutritivos em quatro frascos de vidro e amoleceu seus gargalos no fogo, esticando-os e curvando-os como um pescoço de cisne. Em seguida, Pasteur ferveu o caldo dos frascos até que saísse vapor pelas extremidades dos gargalos recurvados, expulsando todo o ar interno. Os frascos esfriaram lentamente, de modo que as partículas presentes em suspensão no ar que penetrava de-positavam-se nas curvas do gargalo, que funcionava, assim, como um filtro (AMABIS & MARTHO, 2006, p.11).

Figura 8 – Pasteur e o vidro com “pescoço de cisne” (SOARES, 2004, 272).

Pasteur observou que após a fervura o caldo se mantinha estéril, mas que quando o pescoço do frasco era quebrado em pouco tempo emergiam micro- organismos, observando que seu surgimento estava relacionado com o contato deste caldo com o ar, ou seja, outros micro-organismos presentes no ar e que caíam sobre este caldo – rico em nutrientes – aproveitavam essa condição favorável para se reproduzir.

A Biogênese, ao derrubar a geração espontânea, coloca a vida em uma perspectiva diferenciada ao estabelecer a existência de um limite entre o mundo dos vivos e o dos não vivos. Com isso, essa teoria conseguiu demarcar as diferenças que residem na própria matéria e que estão em uma ordem qualitativa – o orgânico e o inorgânico – e ressaltar que sua estruturação material básica, essencialmente orgânica, é o que explica a possibilidade de decomposição, a putrefação como o

resultado da ação da própria vida (micro-organismos capazes de reciclar a matéria), sendo este mais um dos elementos que caracterizam e definem qualitativamente o vivo, as formas de vida.