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Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas.

Manifesto Antropófago A percepção de que o viés combatente de Roberto Piva carregue carga romântica procede. Porém seu olhar ácido, lúcido e acurado, camufla e confunde leitores apressados. Seu Romantismo ficou sendo associado ao de Primeira Linha, aquele arrebatado e inconsequente, que tanto perturbou governantes de tempos em tempos desde o século XVIII. Seu notório romantismo irá, no entanto, enveredar por uma linha libertária, anárquica e iconoclasta, numa cruzada ao outro romantismo, propondo confrontos oximóricos, uma vez que traz à arena, ideias monarquistas, associando-as a um contra-heroísmo, em um mergulho pecaminoso das paixões.

Apesar de não haver espaço para um melhor estudo sobre a ideia romântica, é mister frisar duas grandes facetas que costumam ser entendidas por romantismo, quando na verdade, uma delas, diz mais respeito a um maneirismo ou aliciamento estetizado.

O romantismo reconfigurado50 durante os estertores da Monarquia Absolutista, às

vésperas da Revolução Francesa, alterará a maneira como o povo lidará com questões abstratas como o nacionalismo, até então, associadas à superioridade natural e divina da nobreza, ao despojamento aristocrático e aos martírios religiosos. Quando Goethe se surpreende pela onda de suicídios que seu Werther havia suscitado, vem a público para reafirmar a realidade da ficção de sua obra, mas, neste momento, querendo dizer: “não se matem, é só literatura”, ele já está impregnado por sua obra mestra: Fausto, em que a destruição dará passagem à modernidade imperativa. O desvio da devoção está sendo

49 Ele nem está pensando ainda em educação pública, claro, pois essa ideia só será defendida com a Revolução

Francesa.

50 Respeitando uma linha de pesquisa que considera o surgimento do romantismo, ainda que de outra natureza,

deslocado, ou pelo menos, de uma entrega cega e servil, para o utilitarismo racionalista que impulsionará o progresso certo, ao qual, professa-se, é melhor manter-se alinhado.

Como nesse exemplo em que um mesmo autor expõe formas diferentes de se vivenciar a paixão, essas duas formas românticas que oscilam entre a devoção, cega e vertiginosa, e a garra utilitarista, otimista e de viés coletivista coexistirão pelos séculos até a atualidade.

Um romantismo irá atravessar as vanguardas partidárias do entre guerras, a esquerda tradicional (aquela surgida do pós-1848 que pretende manter traços nos partidos contemporâneos) e a nova esquerda (que vai se delineando com as vanguardas do começo do século e se define nos anos sessenta, culminando com o Movimento de ‘68 até o rock’n roll). Dentro do próprio movimento do rock’n roll, essa divisão fica clara nos anos setenta entre a

discoteque e o rock progressivo. O primeiro associado à cocaína, ao álcool destilado, ao

mundo GLS, à formação do ‘mundo fashion’, coletivista, de controle sobre o corpo em seu despotismo estético, e de outro lado, os cabeludos maconheiros, do rock progressivo, sujos e associados a outro braço do romantismo, o suicida. De um lado, o fervor busca mais a liberdade sobre as virtudes, sejam republicanas, sejam morais. De outro lado, a associação de grupo comunga aspirações de igualdade sobre direitos de liberdade individuais. Anseios e paixões, no entanto, que sem a permissão sobre o outro, seu oposto, degradam em tirania, seja de direita (com a imposição da liberdade), seja de esquerda (com a imposição da igualdade).

Pelas inúmeras manifestações passionais de grupos, tribos e expressões culturais, as duas formas de envolvimento visceral confundem ações e opiniões até hoje, associando formas criativas e ações públicas, como parte de projetos políticos e até visões utópicas. Daí que fonte e produto, criador e criatura, instrumento e arma, inspiração e provocação, tudo se mescla na pólvora dos mesmos versos.

Recentemente, um antologista incluiu-o entre os grandes poetas brasileiros do século e, em sua breve referência grafou exatamente suas palavras de ordem mais recorrentes:

Só acredito em poeta experimental que tenha vida experimental. Não tenho nenhum patrono no ‘Posto’, nem leões-de-chácara e guarda-costas literários nas redações de jornais e revistas. Nada mais provinciano do que os clubinhos fechados da poesia brasileira, com seus autores-burocratas tentando restaurar a Ordem e cagando Regras que o futurismo, dadaísmo, Surrealismo e modernismo já se encarregaram de destruir51.

51 PINTO, José Nêumanne (seleção). Os Cem melhores poetas brasileiros do Século. 2 ed. São Paulo: Geração,

Como já foi dito por Cláudio Willer, Piva não se propõe a ser prescritivo, mas reafirma a crença de que “a poesia é um elemento de redenção”52, referindo-se a si mesmo. Como tantos românticos, beats e outros degenerados aos olhos de Apolo, enquanto metáfora da ordem e disciplina, a poesia se faz cajado contra os horrores com que se debate.

E ainda assim, buscando o meio que o construiu guerreiro, os meios desse combate tão persistente, ainda assim, não é uma “sociologia da literatura” que se pretende fazer aqui, embora se possa dizer da obra de Piva o que afirmou Antonio Candido, que possua:

certas dimensões sociais evidentes, cuja indicação faz parte de qualquer estudo, histórico ou crítico: referências a lugares, modas, usos; manifestações de atitudes de grupo ou de classe [...]. Apontá-las é tarefa de rotina e não basta para definir o caráter sociológico de um estudo53.

Seguindo o raciocínio de Candido, o estudo deverá atravessar a relação entre obra e condicionamento social, seu vínculo com o ambiente, ainda que reconheçamos que “a análise estética precede considerações de outra ordem”54. Mas o fato é que, levando em conta o elemento social como fator da própria construção artística, estudamos a sociedade na obra, isto é, num nível analítico, e não ilustrativo, ou usando os fatores sociais para explicar toda a obra, num sociologismo de “tendência devoradora”, como acusa o mestre55. E ainda diz mais:

A crítica atual, por mais interessada que esteja nos aspectos formais, não pode dispensar nem menosprezar disciplinas independentes como a sociologia e a história literária sociologicamente orientada, bem como toda a gama de estudos aplicados à investigação de aspectos sociais das obras - frequentemente com finalidade não-literária56.

Sob as diretrizes do mestre Candido, é que percorremos este caminho pelos sites de leitores, estudiosos e fãs, na busca do homem, do poeta, dos fragmentos que nem precisarão se juntar num todo coerente, mas como possibilidades de saídas de fuga, de fundos de sensibilidade, de tal modo que, sobre ele, reverberem suas vivências e sua poesia.

E dito isto, pode-se assumir um certo romantismo no poeta, mas não de fácil configuração. É certo que sua inclinação e luta, pendem para a liberdade irredutível, mas não há obviedade na postura. Em sua investidura para a direita, a ironia se faz presente, pois é de

52 DIOS. Assombração Urbana... op. cit.

53 CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 8. ed. São Paulo: Publifolha, 2000. (Grandes nomes do

pensamento brasileiro). p. 7.

54 Idem, p.5. 55 Idem. p. 9. 56 Idem, p. 10.

coletividade que prospera. Ele não se impõe, ao contrário, se esquiva e recua frente às tiranias das repressões ético-morais todas, porém, seus versos alvejam os voos dos animais de poder. Os saltos dos grandes felinos predadores, potentes, livres e belíssimos em seus movimentos, já que o poeta não apenas sonha com uma Cocanha57 só sua e de seus pares, mas uma atualização

de Pindorama58... andrógina, erotizada, premente em arte e ‘artes’, folguedos de expansão de

espírito, em um matriarcado mágico e andrógino no coração de uma polis indolente. Mas para isso, troveja dardos.

Piva é ácido, afiado, rápido, passional, enviesado! Muitos jogos direcionam sua linguagem que nunca se afasta muito de seu corpo... Piva não é poeta burocrático, como ele mesmo critica a poesia que é feita por ourives. Ele se recusa a associar arte com disciplina, como um bater-ponto no fazer aurático da poesia. Não pensa nas conclusões preciosas, mas no processo febril, quando a vida ousa se suspender em poesia, impactando com tal força, que os versos saem nos soluços e murros de um cataclisma-momento. Ele se solta em erotismo libertário, lá no meio das palavras, como enxurrada, misturando seus respiros aos do poema. A febre liberta o corpo e o desajusta dos controles - e o pós-poema é a ressaca. Por isso, sua poesia busca o risco, o sexo libertário, o não controle de movimentos, de corpos, de imagens, de sentidos, num fluxo onde se misturam vida e pecado. Por isso faz sentido seu poema mais conhecido e sempre citado:

A PIEDADE 59

Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento abatido na extrema paliçada

os professores falavam da vontade de dominar e da luta pela vida as senhoras católicas são piedosas

os comunistas são piedosos os comerciantes são piedosos só eu não sou piedoso

se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria aos sábados à noite

eu seria um bom filho meus colegas me chamariam cu-de-ferro e me

57 Trata do mito da terra da fartura eterna, por oposição às condições famélicas do povo europeu no período

medieval, onde patos e porcos assados voavam à disposição de todos, e onde rios de leite e vinho corriam sem cessar.

58 Esse é outro mito de fatura, abundância e liberdade. Reino fictício, Pindorama é um matriarcado idealizado,

surgido dos povos originais brasileiros, sobre o qual Oswald propôs resgate e contraponto crítico contra o mundo do trabalho industrializado.

fariam perguntas: por que navio boia? Por que prego afunda? eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as estátuas de fortes dentaduras

iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos pederastas ou barbudos

eu me universalizaria no senso comum e eles diriam que tenho todas as virtudes

eu não sou piedoso

eu nunca poderei ser piedoso

meus olhos retinem e tingem-se de verde

Os arranha-céus de carniça se decompõem nos pavimentos os adolescentes nas escolas bufam como cadelas asfixiadas

arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através dos meus sonhos

Essas leituras que o poeta ousa fazer, aos vinte e poucos anos quando compreende as dicotomias que atravessam um momento dilacerante entre uma sociedade que se rasga para abandonar raízes rurais tão pudicas, e atingir por um esforço violento sua ganância poderosa. Eis que o poeta não se prostra ou se horroriza, mas afia suas armas e aponta seus inimigos: as instituições que, Foucault, Debord e tantos outros, irão atacar sob o mesmo argumento. É a contra-cultura avant-la-lettre. Tal acuidade com os tempos, com os focos, torna a obra de Roberto Piva, além de corajosa e lúcida, muito atual, pois, se a repressão não se faz na rua, não se faz no camburão, torna-se mais insidiosa e sutil, e nem por isso o poeta deposita armas.

Neste poema se evidencia uma de suas armas mais afiadas usada em seu fazer poético que é a carnavalização, quando fará uso irreverente da sátira e da paródia na dessacralização das imagens pela via da subversão de hierarquias convencionais, provocando com versos como “abaixo as faculdades e que triunfem os maconheiros!” dirá.

Até seu mais recente livro, lançado em março de 2008, sua obra permanece a postos, ainda que em meio a prazeres, amigos, lembranças e homenagens. Piva segue em febre pela libertação do corpo e do espaço, e para isto, usa a poesia para escorregar por entre as algemas.

Esse poema fala de um de seus alvos mais certeiros: a moral religiosa. Contra ela se faz cruel e corrosivo, contra ela vale o choque. Bataille explica como o Bem é passivo e subordinado à razão, enquanto o Mal é ativo, e nasce da energia. Ora, a energia é a única

vida, pois ela é o corpo, enquanto a Razão é o limite ou a circunferência que circunda a energia. Assim, é fácil perceber e assumir que “a energia é Delícia eterna”60. E, por valores

assim preciosos - vida e prazer valem o confronto. Reconhecendo e reafirmando limites e diferenças, enfrenta oposições.

Mas ele não está só, nem está olhando apenas o momento histórico e político a seu redor - ele se embebeda de muitas palavras, refletindo tantos outros, como o “Poema em Linha Reta” de Álvaro de Campos. E não é de se estranhar, já que Piva engoliu e bebeu sua obra por inteiro, devolvendo às cuspidelas Álvaro de Campos, por toda sua própria poesia.

POEMA EM LINHA RETA61

[...] Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não são todos o Ideal, se os oiço e me falam.

Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? [...]

Álvaro de Campos

Enquanto Álvaro de Campos rebaixa seu castelo de cartas egóico, revelando uma humanidade frágil, própria, veraz, ele o faz não humildemente, mas ácido, irônico, final. Também Piva é ácido e irônico, mas ele está desmontando o castelo de cartas cristão, contra o qual dedicará a vida a combater. No vídeo Assombração Urbana ele acusa: “Desenvolvi o Mal de Parkinson como o papa (referindo-se a João Paulo II) de tanto ter de conviver com cristãos!”. E ainda reunimos William Blake a esse mesmo debate, já que em sua fúria contra o prazer posto a parte do prazer celestial, propôs a orgia em solo ascendente, nada decadente. Somando ao mais retumbante de todos os combatentes: “O cristianismo é uma metafísica de carrasco”62 e lá vamos nós, nos enredando em leituras, memórias e labirintos pivianos.

Outro tema recorrente entre seus alvos de combate, certamente, será a Cidade enquanto projeto e instituição, mas orientará seu foco para a cidade mais potente e absorvente

60 BATAILLE, Georges. A Literatura e o Mal. Porto Alegre: LP&M, 1989. p. 80-1

61 PESSOA, Fernando. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática, s/d. (Coleção Poesia, volume II). p. 312. 62 NIETZSCHE. Crepúsculo dos Ídolos. op.cit. p. 49.

que está ao seu redor, e se impõe à sua vida e concidadãos, a metrópole São Paulo. A mega cidade interfere no visual, no estado de espírito, na conformação interrelacional e na ampliação da criminalidade, favorecendo dores e desequilíbrios de forma generalizada. Esse alvo está presente em sua obra, mas também sempre é mencionado em palestras e entrevistas. Em São Paulo no final dos anos cinquenta e início dos anos sessenta, nem tudo era “anos dourados” ou “arte engajada” do pré-golpe. E será pela linguagem poética que esse atravessamento por corpos, espaços e interditos se fará político, se fará ético, se fará erótico, se fará obsceno, se proporá libertador.

A cidade seguirá sendo o palco de seus grandes confrontos, pelo menos por mais da metade de sua obra poética. Sobre esse grande tabuleiro, assiste-se, promove-se, sofre-se, a grande comédia humana do mundo contemporâneo. Paula Dume e Renata D’Elia, em entrevista para a Revista Cronópios63, marcam no título a imagem mais evidente da obra e da

persona do poeta, denominando o texto de “Ebulições Pivianas”. Para elas Piva comenta como as metrópoles tornaram-se necrópoles, dado o aumento de violência e de morte do próprio projeto original da urbis. Ele lembra que “o homem é o único animal que armazena seus mortos”. A cidade, com seus lixões, seus presuntos, sua “criminalidade de massa”64,

não passa de uma área devastada como uma grande carniça apodrecendo. E é nesse espírito que, confessa, escreveu Paranoia. Mas desde então, as coisas conseguiram ficar muito piores!

De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta

que dá às nossas perguntas.

Ítalo Calvino

A despeito de fonte quase inesgotável de riquezas vivenciais e conhecimento, fica claro a falência do projeto das cidades. Piva irá usar o horror da cidade degradada para compor sua crítica e propor outro projeto estético-existencial, olhando para as perdas das condições humanas dessa forma de aglomeração, que deixou de ser um lugar de encontro para ser um amontoado de corpos que, no fundo, só atrapalham o fluxo da mercadoria.

As pessoas, seus habitantes, que hoje se amontoam pela urbis, são os focos dos problemas para esse fluxo da mercadoria que, afinal, sem falsas ilusões, são a justificativa para a manutenção das megaestruturas de organização e circulação da produção. Embora a produção (industrial) tenha podido ser deslocada, não pode ficar muito afastada das outras

63 DUME, Paula e D’ELIA, Renata. Ebulições Pivianas. In: Revista eletrônica Cronópios, 19 de setembro de

2007. Disponível no endereço <http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=2739. Acessado em dezembro de 2007.

partes do sistema, que ainda dependem das megacidades. O fluxo, primordial para a finalização do circuito, vê-se cada vez menos eficiente, devido ao excesso de indivíduos65. A

produção ainda não pode dispensar o uso dos contratos sociais com os trabalhadores- habitantes, e nem os indivíduos-trabalhadores podem viver muito longe dessas deglutidoras células produtivas. Suas deformidades tornaram-se um desafio à integridade física e psíquica de seus moradores e, por conseguinte, à eficiência de seu circuito. Diz o poeta:

Estamos assistindo à crise da Economia. Não é uma crise econômica, mas uma crise da Economia. E tudo se liga a uma crise do urbano [...] O ser urbano não é um centauro66, mas um ser sem horizontes67.

Personagens construtores da poesia de Piva, além da grande cidade óbvia e onipresente, pelo menos nas duas primeiras fases, também se mostra onipresente o corpo como metáfora política, sobre o qual irá se servir constantemente, discutindo uma ética pouco óbvia.

Num mundo imagético e agitado pelas dispersões da infovia, as leituras se recortam em meras definições, encurtando e homogeneizando conhecimentos, enquanto a poesia ainda ousa desafiar conhecimentos, num processo de desaprender para construir percepções e conhecimentos vívidos, sob a “estratégia da insubmissão”68. Segundo Moisés, a

poesia tem a ideia de ser uma antipedagogia, uma “aprendizagem de desaprender”, tornado a ver por outra ótica. Por isso supõe a atualidade poética como um dos últimos bastiões da rebeldia e subversão, já que a rebeldia proposta pela poesia é ontológica e imanente e, a despeito de indiferenças ou tentativas de confinamento ou bloqueio, o ato mesmo de se criar, manifesta um ato político. Nega-se a validade do “gosto não se discute”, alterando-se para “pode não se modificar, mas, certamente, se discute”, evocando Bakhtin inclusive69.

O fato de a poesia ter sido deslocada do centro das decisões de onde surgiu, associada à reunião de anciãos e sacerdotes, é justamente por suas muitas formas de acesso -

64 Explicando que, em uma sociedade de massa, a criminalidade também é de massa. . 65 HARVEY. Espaços de Esperança. op. cit. p. 155-8.

66 O centauro pode ser pensado neste caso, como a figura mitológica que, meio humano, meio besta, foi

associado ao conflito entre os baixos instintos e a chamada civilização. Por tal riqueza e complexidade, entre a potência da independência e a violência, um deles (Quíron especificamente), foi considerado o tutor ideal para a formação e educação de grandes heróis como Aquiles, Jasão e Hércules. Entre a força selvagem e o conhecimento adquirido pelos riscos de uma liberdade plena, o Centauro, é símbolo potente tanto do instinto mais poderoso, quanto do domínio de um conhecimento digno de um mestre.

67 WEINTRAUB, Fábio. A poesia paranóica de Roberto Piva. In: Revista Cult. n. 34, ano III, maio de 2000. p. 7. 68 MOISÉS. Poesia & Utopia. op. cit. p. 25.

69 Refiro-me à análise de discurso executado pelo autor, no intuito de desdobrar gêneros discursivos, expondo

desde as passionais, às líricas, como também de outros componentes abissais tenebrosos. A poesia demanda atenção e olhar fixo - não se submete ao “passar de olhos”, pois ela se evapora e não se mostra. Para que se mostre, a poesia seduz e tenta persuadir. Por não ser apenas um peso morto, um jogo estéril do beletrismo, é que se tornou uma ameaça à ordem ideal. Por isso o poeta tem de ser expulso da República platônica: “não por ser inútil ou incapaz, mas por ser perigoso”70.

A poesia é arma de dois gumes, pois exige atenção e entrega de quem lê, do mesmo modo, exige cumplicidade de quem faz. Antonin Artaud soube descrever o preço que a poesia cobra de seu criador: “Cada uma de minhas obras, cada um dos planos de mim mesmo, cada uma das florações glaciais de minha alma interior baba sobre mim”71.

Moisés reconhece o afastamento da poesia de uma sociedade dispersa em jogos, que planeja essa mesma dispersão para favorecer controles e desviar tensões. Seus