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4. O DISCURSO CIENTÍFICO DE RAÇA NEGRA INFERIOR NA

4.1 Uso biológico do conceito de raça

O Darwinismo social através da “seleção natural” e da “lei do mais forte” justificaram o exercício da dominação, bem como a expansão de sociedades imperialistas europeias sobre outras sociedades, a fim de levar a missão civilizatória para os povos classificados como bárbaros. O negro é considerado um estorvo social, é discriminado nas relações sociais sob diversas maneiras como através do preconceito expressado cotidianamente, exclusão e distanciamento social, ocupação de postos de trabalho precários etc. A identidade negra é construída e concebida pelos brancos e cientistas sociais, fundamentados em teorias raciais provenientes da Europa e Estados Unidos, afirmadas em hierarquias biológicas entre os seres humanos, no contexto brasileiro, no século XIX e XX, em pleno debate da construção da identidade nacional.

As elites intelectuais absorveram os discursos racistas e definiram representações sociais desiguais. “As teorias raciais deram status científico às desigualdades entre os seres humanos e através da utilização do conceito de raça puderam classificar a humanidade, fazendo uso de sofisticadas formas de separar as “raças humanas”” (BARBOSA, 2016, p. 261).

Para Barbosa (2016) nas últimas décadas do século XIX e XX, as teorias raciais científicas foram alimentadas por Silvio Romero, Euclides da Cunha e Nina Rodrigues estiveram empenhadas em construir a identidade do projeto de nação brasileira. A obra de

37 Desembarcou no porto do Rio de Janeiro em 1817 para iniciar sua missão de estudar a natureza brasileira que

Charles Darwin “A Origem das Espécies”, em 1859, com o evolucionismo acalorou o debate racial, ultrapassando os limites biológicos para o campo político, social e cultural, ou seja, o Darwinismo social.

A escola evolucionista social segundo Schwarcz (2018) emerge para atender as concepções naturalistas da evolução natural e social da humanidade em que os elementos biológicos eram aplicados aos elementos culturais. A civilização constituía-se na fase superior da evolução humana e a barbárie seu estágio inferior. Desta forma, a Europa estava no estágio superior e o Brasil no estágio inferior.

A diferença das raças passa a ser uma linha de estudo dos darwinistas como forma de selecionar e diferenciar as raças humanas. O ideal político da eugenia que se preocupava com a reprodução das populações, defendia que as raças inferiores deveriam ser submissas ou eliminadas pelas raças superiores. Nessa leitura, o conceito de raça define hierarquias entre os povos. As sociedades ‘superiores’ determinaram as raças consideradas inferiores através da eugenia, a qual determinava características físicas e mentais de inteligência como sendo hereditárias a serem selecionadas e melhorar a descendência. Por isso, a mistura das raças era vista como sendo negativa para reprodução das espécies, uma vez que, uma raça poderia se contaminar, caso um indivíduo mantivesse relações físicas com outra raça.

Resulta desse processo a criação de escolas que corroboraram para disseminar essas ideias como o determinismo climático e geográfico de Thomas Buckle (1821-1862) que condicionava as ações humanas, culturais e sociais de uma nação, sendo determinadas pelo meio. Outra escola apresentada por Barbosa (2016) foi a teoria das raças que via a miscigenação como sendo negativa para a permanência da genética de uma raça, pois poderia se contaminar e deixar de ser um ‘tipo puro’.

Esse cenário revela o racismo científico construído para promover a hierarquização da raça branca considerada superior e que deveria governar as raças inferiores (negros). “Essas teorias “científicas” racistas serviam aos interesses das principais potências econômicas europeias, aumentando seu domínio sobre outras partes do mundo. Seus pensadores começaram as explicações para grandes êxitos econômicos, expondo motivos “científicos” para o sucesso da Europa” (BARBOSA, 2016, p. 264).

Dentre as principais linhas filosóficas, que repercutiram entre os homens letrados do nosso país a partir dos meados do século XIX, pode-se dar destaque ao positivismo, darwinismo, evolucionismo. Essas teorias movimentavam o pensamento político nacional, sustentadas pela divulgação do conhecimento científico. Conceitos e conclusões formuladas por

intelectuais europeus alcançavam grande repercussão, fornecendo justificativas “hierarquizantes” baseadas no critério científico. Assim se explicavam as diferenças sociais das nações inferiores frente às nações europeias. A raça passou a ser uma noção discutida em obras que previam um futuro nebuloso para o Brasil. A responsabilidade pela condição nacional devia-se ao cruzamento sexual de várias raças (BARBOSA, 2016, p. 265).

A construção do projeto consensualmente homogeneizador e étnico de nação ‘branca’ pelos intelectuais da elite foi orientada conforme o padrão europeu de dominação. A eugenia garantiu o sucesso do processo de branqueamento brasileiro porque foi a razão científica pela qual crânios e tipos físicos negros foram classificados e determinados como inferiores.

O Estado Nacional produziu expedientes de controle cultural e social diferentes para cada um desses recortes [aos negros a ideia de raça e, aos índios a ideia de etnia], gerando formas distintas de lidar com a alteridade representada por indivíduos não-brancos, “incivilizados”, “inferiores” mental e culturalmente que, no entanto, precisavam ser assimilados ou absorvidos pela nação brasileira (ARRUTI, 2006, p. 55).

A mestiçagem racial (negra, branca e indígena) se constituía num problema maior a ser resolvido, em absorver o negro sem correr o risco de contaminação de forma que não altere a imagem branca europeizada. As condições climáticas deterministas do clima tropical já eram um elemento determinante para exclusão da sociedade moderna, a inferiorização e incivilidade do povo que habitava nas terras brasileiras.

Gobineau e Louis Agassiz (1807-1873) foram alguns desses homens que descreveram o Brasil como uma improvável nação. Para eles, o país havia produzido elementos incapazes para acompanhar o desenvolvimento da humanidade. Assim, a miscigenação étnica seria um fator contrário à evolução e a mistura racial provocaria a permanência de características inferiores nos híbridos, porque os elementos mais fracos permaneceriam nos descendentes. Teríamos, pois, a potencialização dos defeitos, criando gerações de degenerados e com a real possibilidade de desaparecermos como povo e nação no período de um século (BARBOSA, 2016, p. 266).

Esse foi o sucesso da sociedade moderna capitalista em conformar ‘homogeneidades’ e eliminar as diferenças para construção de uma visão racializada do mundo. A América foi o laboratório miscigenado dos viajantes, fotógrafos, cientistas e pintores para efetivação das teorias raciais. Conforme Schwarcz (2018), com a chegada crescente dos africanos, sobretudo no século XIX, essa realidade é apresentada como quase sem solução para o problema da definição da raça da população, ao passo que ganhava centralidade na discussão nacional.

Mesmo em plena efervescência das ideias abolicionistas, os cientistas sociais como Silvio Romero e Nina Rodrigues afirmavam as diferenças entre os homens em nome da ciência. Silvio Romero considerava o mestiço como um degenerado e que o problema da identidade da nação poderia ser resolvido com a introdução (através da migração) de brancos em várias partes do país. Para Nina Rodrigues, os mestiços herdavam as degenerações como loucura, criminalidade e doenças. Nina Rodrigues era mestiço e abominava a miscigenação porque se constituía num empecilho para o sucesso do país, por isso necessitava de branqueamento da população. A condição incutida do ser negro nos conduzia para a naturalização de raça inferior, incivilizado porque sua construção nacional estava orientada para o que vinha de fora, aos padrões estéticos e sociais europeus.

Figura 06: Fenótipos raciais

Fonte: Almapreta.com. Acesso em 12//04/2019 às 22:54.

De acordo com a figura 06, os lábios grossos, o crânio, tom de pele e nariz do negro indicavam uma tendência natural ao crime. Os negros eram os culpados pelos problemas de saúde e doenças que se alastravam na sociedade, tal acusação tornou-se uma justificativa perfeita para Renato Kehl, o pai da eugenia brasileira, instaurar uma higiene social, no sentido de aumentar a população branca, eliminar os deficientes e anormais.