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As abordagens integrativas, em geral, fazem parte da raiz das Ciências Naturais,

sensu lato Naturalis Historiae. Este tipo de abordagem, que foi prática comum

durante muitos séculos, só recentemente voltou a ser reconhecida como valiosa, contrariando a tendência para uma crescente especialização. Isto é particularmente importante hoje em dia devido aos grandes avanços científicos em todas as áreas e à imperiosa necessidade de juntar as partes para a construção de um todo. Neste sentido, procurou-se neste estudo abordar vários aspetos da biologia evolutiva usando a informação de várias disciplinas, como a filogenia, filogeografia e genética populacional em combinação com modelos de nicho ecológico, que por sua vez reúnem a informação de várias outras disciplinas, como a geologia, climatologia, botânica, entre outras.

1.1.1 Filogenia e delimitação de espécies

Desde a criação do termo “filogenia” por Haeckel (1866), a representação das relações evolutivas entre grupos de organismos através de árvores filogenéticas passou por diversas transformações (Dayrat, 2003), podendo atualmente incorporar vários tipos de informação biológica, como características fisiológicas, comportamentais, ambientais e morfológicas, e mais recentemente moleculares. O uso de ferramentas moleculares teve fortes implicações na organização hierárquica da diversidade biológica e dos processos subjacentes, tendo conduzido a uma ampla reflexão conceptual sobre a unidade biológica utilizada para categorizar e estimar biodiversidade. Durante muito tempo, o conceito de espécie não foi definido literalmente como um conceito, mas sim com base em diferentes critérios (de Queiroz 1998). Em termos gerais, o conceito de espécie mais comum, e que prevaleceu durante muitos anos, é o conceito biológico, que a define como grupos de organismos que se reproduzem naturalmente e geram descendentes viáveis (Wright 1940; Dobzhansky 1950). Este conceito pode ainda incluir o isolamento reprodutivo, que se traduz na ausência de cruzamentos interespecíficos com base em propriedades intrínsecas como as barreiras geográficas (Mayr 1942). No entanto, com o avanço da biologia molecular e métodos de análise recentes, este conceito

biológico de espécie tem sido amplamente criticado, sobretudo à medida que os resultados revelam uma maior aproximação com o continuum evolutivo descrito por Darwin (1859). Além do conceito biológico de espécie, cerca de outros 20 “conceitos” foram já propostos com base em diferentes evidências biológicas, como por exemplo, na monofilia (conceito filogenético), grupos de indivíduos que habitam nichos diferentes (conceito ecológico), grupos de indivíduos morfologicamente distintos (conceito morfológico) e segmentos populacionais cuja preservação maximiza o seu potencial de sucesso evolutivo (i.e. Unidades Evolutivas Significativas, UES - conceito evolutivo), entre outros (ver referências e revisões em de Queiroz 1998, 2007). Este autor identificou diversas lacunas na aplicação de um conceito per se para definir “espécie” (tal como tradicionalmente designada por outros autores). Com efeito, de acordo com de Queiroz (2007) o processo de especiação é gradual. Sumariamente, ele começa por considerar que as populações ao serem separadas por uma barreira ao fluxo gênico, sem ação da seleção natural e deriva genética, conduzirá à diferenciação de duas linhagens-filhas. Com o tempo, estas linhagens-filhas vão adquirir propriedades diferentes, que podem ser consideradas como evidências biológicas que preenchem os critérios adotados pelos diferentes conceitos de espécie acima mencionados. Durante o processo de especiação, a acumulação de diferentes propriedades secundárias não ocorrem necessariamente ao mesmo tempo nem através de uma ordem regular e, por conseguinte, diferentes conceitos de espécie podem entrar em conflito, em especial durante os estágios iniciais da especiação (Fig. 1.1).

Fig. 1.1 Processo de separação e divergência em um diagrama simplificado, conceitos de espécie e as respetivas evidências biológicas (adaptado de Queiroz 1998; De Queiroz (2007). Barreira para o fluxo génico representada em vermelho.

Assim, antes de se realizar estudos sobre as forças que influenciam a distribuição geográfica da variação genética dos indivíduos, primeiro é necessário que exista um conhecimento prévio sobre a filogenia e os limites específicos dos organismos-alvo. A falta de informação filogenética detalhada é particularmente crítica no caso de espécies estreitamente relacionadas. Durante muito tempo a taxonomia dos grupos e/ou complexos de espécies foi baseada apenas em informações fenotípicas. Apesar de esta prática se manter, nomeadamente em regiões de elevada biodiversidade como as Tropicais e as Neotropicais, tem-se procurado encontrar métodos alternativos baseados em informações contidas no ácido desoxirribonucleico (DNA). No entanto, o fácil acesso às informações sobre as relações evolutivas entre os indivíduos/populações com base no DNA exerceu uma influência direta no aumento da documentação da diversidade biológica, nomeadamente, através de técnicas simplificadas para identificar espécies que, contudo, podem apresentar inconsistências aliados a uma serie de problemas metodológicos (San Mauro & Agorreta 2010). O método mais popular, desde então, se resume na utilização da informação de um gene mitocondrial (mtDNA) como uma forma de identificar espécies, seguindo o mesmo princípio de um código de barras (do inglês, DNA barcoding) (Hebert et al. 2003). Embora este método constitua uma ferramenta valiosa, a análise do mtDNA isoladamente é muito criticada, devido às suas características intrínsecas, como a herança uniparental, ausência de recombinação e, ainda, a possibilidade de conter mais do que um tipo de genoma numa mesma célula (i.e. heteroplasmia) (ver revisão em Avise 2009). Estas características aliadas ao menor efetivo populacional fazem com que o mtDNA em comparação com o genoma nuclear seja mais afetado pela natureza estocástica do processo genealógico, que leva à perda de muitas das variantes genéticas. Deste modo, além da informação contida no mtDNA torna-se também essencial analisar genes nucleares (nuDNA) para a identificação/delimitação de espécies. No entanto, é importante realçar que muitas vezes as informações contidas em genes mitocondriais e nucleares são discordantes. Para além do processo estocástico de separação de linhagens, a ocorrência de fluxo génico e a retenção de polimorfismo ancestral ao nível dos genes nucleares estão entre as causas mais bem documentadas (Machado & Hey 2003; Pinho et al. 2008; Toews & Brelsford 2012; Sousa-Neves et al. 2013).

que acomodam a informação de múltiplos loci têm contribuído para minorar os problemas associados à aplicação de métodos usados para a análise de um só

locus a um “super-gene” (concatenação), que pode incorporar diferentes tipos de

informação. Estes métodos passaram por uma grande atualização recentemente, ao incorporar a teoria da coalescência (Kingman 1982), podendo dividir-se em métodos que delimitam “espécies” e métodos que estimam árvores de “espécies”. Ambos métodos são complementares em termos gerais, enquanto os primeiros testam a partição da diversidade genética em unidades taxonómicas evolutivas (OTUs) através de testes de probabilidades a posteriori, as árvores de espécies procuram estimar as relações filogenéticas e tempos de divergência entre linhagens/taxa diferenciados (Leaché & Rannala 2011; Carstens et al. 2013). A maior parte destes métodos exigem uma definição a priori das unidades evolutivas (i.e. com base em evidências morfológicas, ecológicas, genéticas, entre outras).

1.1.2 Filogeografia convencional e estatística

O principal objetivo das análises filogeográficas é combinar a informação biogeográfica com árvores filogenéticas para inferir os processos históricos e contemporâneos que moldaram a arquitetura genealógica atual das populações e das espécies estreitamente relacionadas (lato sensu, Avise 2009). Embora essa reunião formal da filogenética e da genética de populações com a biogeografia histórica, através do termo “Filogeografia” (Avise et al. 1987), seja considerada recente, esta disciplina e o número de trabalhos publicados nessa área cresceram exponencialmente nas duas últimas décadas (ver revisões em Avise 2009; Hickerson

et al. 2010). A acumulação destes trabalhos foi aos poucos transformando a

perspetiva sobre os marcadores moleculares utilizados nos estudos filogeográficos, que inicialmente se baseavam apenas no mtDNA (Avise et al. 1987). No entanto, hoje em dia sabe-se que a utilização adicional do nuDNA e o aumento do número de

loci são essenciais, devido à natureza estocástica do processo genealógico (ver

detalhes na secção anterior). Sendo assim, a utilização de múltiplos genes neste tipo de análises é fundamental, por exemplo, para diminuir a incerteza das estimativas de tempos de divergências entre populações (Edwards & Beerli 2000).

Em termos convencionais, os padrões filogeográficos são interpretados de forma descritiva, a partir da reconstrução de árvores e/ou redes de haplótipos,

podendo incorporar estimativas de alguns parâmetros demográficos, tais como o tamanho efetivo da população, taxas de migração, crescimento ou o declínio populacional e, ainda, tempos de divergência (e.g. Watterson 1975; Tajima 1989; Wakeley & Hey 1997). Estas informações em conjunto permitem compreender a história das populações de uma forma geral, no entanto, o entendimento dos padrões evolutivos mais complexos requer a aplicação de métodos de análise mais rigorosos e, ao mesmo tempo, flexíveis. Com efeito, a implementação de inferências estatísticas no campo da filogeografia foi fundamental para a compreensão da dinâmica das populações ao longo do tempo. Através de métodos estatísticos baseados na teoria de coalescência, as genealogias são tratadas como critérios de transição para se obter estimativas de parâmetros demográficos biogeograficamente informativos, ao contrário da utilização das genealogias de genes estimadas para inferir diretamente a história demográfica (ver revisão em Nielsen & Beaumont 2009). A este propósito, Hudson (2002) desenvolveu um método (ms) capaz de simular genealogias envolvendo uma população assumindo diferentes cenários evolutivos, em que é possível variar, por exemplo, a taxa de fluxo génico, taxa de recombinação, tempos de divergência e o tamanho do efetivo populacional. Mais tarde, Hickerson et al. (2007) possibilitaram que pares de espécies/populações fossem comparados através de um modelo hierárquico via computação bayesiana aproximada (do inglês, Approximate Bayesian Computation, ABC). O reconhecimento verificado nos últimos anos da importância destes testes estatísticos de hipóteses encontra-se refletido no aperfeiçoamento e complexidade dos modelos incorporados em programas cada vez mais simplificados na ótica do utilizador, resultando numa crescente publicação de artigos usando esta metodologia (Amaral

et al. 2013; Tsai & Carstens 2013).

1.1.3 Distribuição geográfica das espécies

Embora tanto os processos evolutivos quanto os ecológicos ocorram num contexto geográfico, a história evolutiva dos organismos a longo prazo está mais associada com a dimensão geográfica do que com a ecológica propriamente dita (Peterson et

al. 1999). Deste modo, uma vez que fatores climáticos e físicos atuaram em algum

momento no processo de diversificação e na dinâmica das populações, a capacidade de armazenar, mapear e analisar dados espaciais através dos Sistemas

de Informação Geográfica (SIG), tornou-se rapidamente um atrativo fundamental para o campo da biologia evolutiva e da conservação da diversidade biológica (ver revisões em Swenson 2008; Alvarado-Serrano & Knowles 2014). Esta integração ocorreu, principalmente, através do uso de modelos de previsão de distribuição das espécies (ou Modelos de Nicho Ecológico).

A possibilidade de se prever a distribuição geográfica de uma determinada espécie no presente, no passado e até mesmo no futuro, vem sendo apresentada como uma importante fonte de validação externa para os estudos filogeográficos. Este tipo de modelo de previsão é construído a partir da correlação entre a distribuição das espécies e diferentes características ambientais (i.e. clima, topografia e cobertura do solo), que fornecem informações sobre o espaço geográfico que engloba as preferências abióticas e tolerâncias ambientais das espécies (i.e. nicho realizado; Soberón & Peterson 2005). As estimativas da dimensão e distribuição geográfica espécies estão cada vez mais sendo utilizadas em diversas áreas, como na sistemática, ecologia, conservação e na filogeografia. As aplicações destes modelos, quando combinado com estudos filogeográficos, permitem contrastar se a localização das populações que contem maior diversidade genética corroboram as potencias áreas de estabilidade climática em períodos glaciares (e.g. Waltari et al. 2007), avaliar os principais requisitos ambientais que são responsáveis pela posição e manutenção de zonas híbridas (Martínez-Freiría et al. 2008; Tarroso et al. 2014) e, ainda, testar a possibilidade de existir diferenças de nicho entre espécies divergentes (e.g. Mccormack et al. 2010; ver revisão em Alvarado-Serrano & Knowles 2014).

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