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3. Biomassa, o recurso e fonte de energia

3.3 Biomassa, fonte de energia

A combustão direta da biomassa representa praticamente 97% da produção bioenergética a nível mundial, sendo ainda, em muitos países em desenvolvimento, a principal forma de conversão em energia utilizável (Zhang et al., 2010). Por outro lado, a sua utilização em países desenvolvidos tem ganho cada vez maior importância e apresenta-se como uma das soluções mais viáveis para a implementação de Fontes de Energia Renovável (FER).

3.3.1 Um recurso renovável sustentável?

A utilização da biomassa como FER a larga escala é um tema que levanta muitas questões à comunidade científica, nomeadamente no que diz respeito à sua utilização sustentável. Em muitos países convencionou-se que a sua utilização permite um balanço nulo entre as emissões de CO2 que

emitidas pela sua utilização, enquanto combustível. No entanto, esta conclusão é no mínimo precipitada e potencialmente perigosa para a sustentabilidade do uso da bioenergia.

De facto, verifica-se que a falta de uma estratégia integrada de produção, transporte, tratamento e consumo da biomassa, não permite um equilíbrio perfeito entre o sequestro e emissão de carbono para a atmosfera. Apenas nalguns sistemas de cultivo multianuais (que possuem ciclos de carbono curtos), o balanço entre o carbono sequestrado e carbono libertado pode estar temporalmente em equilíbrio. O mesmo não acontece, por exemplo, no caso da biomassa florestal, onde a reabsorção de carbono pode levar décadas (“State of play on the sustainability of solid and gaseous biomass used for electricity,

heating and cooling in the EU”, CE 2014)

Este é um tema fraturante e controverso e não existe uma resposta única e simples para a questão da neutralidade do carbono. Alguns cientistas defendem que a utilização de bioenergia incorre naquilo a que chamam Dívida de Carbono (Carbon Debt), ou seja, uma redução líquida dos stocks fixos de carbono quando a biomassa substitui combustíveis fósseis. Existe pois um período de “dívida” que se segue à coleta de biomassa para conversão energética e que apenas termina se, ou quando, nova biomassa voltar a recolher o carbono equivalente ao que foi emitido na recolha, tratamento e transporte dessa biomassa (Mitchell et al., 2012).

Alguns estudos focam ainda o conceito de Ponto de Paridade de Carbono (Carbon Parity Point). Este conceito implica efetuar um reconhecimento abstrativo do que aconteceria à floresta explorada se as suas árvores não fossem abatidas. O Ponto de Paridade de Carbono demora usualmente muito mais tempo a ser atingido e corresponde ao momento em que as poupanças na emissão de carbono (carbono que se evitou emitir por fontes fósseis) igualam o stock de carbono correspondente à Dívida de Carbono, mais a fração de carbono correspondente ao da floresta, se esta se desenvolvesse de forma não perturbada (Mitchell et al., 2012). A

Alguns estudos têm sido levados a cabo nos últimos anos com o intuito de contabilizar o verdadeiro balanço de emissões de GEE. No entanto, estes divergem muito entre si, não só devido a diferentes escolhas metodológicas, como também à escolha de diferentes pressupostos na criação de cenários. Um estudo realizado para a Comissão Europeia em 2010 (“State of play on the sustainability of solid

and gaseous biomass used for electricity, heating and cooling in the EU”, CE 2014) assumiu a

fórmula da equação (1) para a contabilização da poupança ou incremento da emissão de GEE devido à utilização de biomassa em detrimento de combustíveis fósseis:

Onde:

 E = Emissões totais associadas ao uso do combustível antes da conversão da energia  Eec = Emissões associadas à extração e cultivo da matéria-prima

 El = Emissões anuais associadas à perda do stock de carbono devido à mudança no uso do solo  Ep = Emissões associadas ao processamento da biomassa

 Etd = Emissões associados ao transporte e distribuição  Eu = Emissões associadas ao consumo do combustível

 Esca = Poupanças associadas à acumulação de carbono no solo com a melhoria da gestão de espaços agrícolas.

 Eccs = Poupanças associadas à captura de carbono e ao armazenamento geológico  Eccr = Poupanças associadas à captura e substituição de carbono

Com base num mix energético típico para a produção de eletricidade e calor com recurso a combustíveis fósseis, estimaram-se os níveis de poupança de emissão de GEE associada à utilização de diferentes biomassas e à distância percorrida entre os locais de produção e os locais de consumo.

Figura 6 – Poupança na emissão de GEE atribuída à utilização de biomassa em detrimento de recursos fósseis na UE (Adaptado de“Sustainability of solid and gaseous biomass used for electricity, heating and cooling in the EU”, 2010).

Notas (Figura 6): O mix energético considerado para a produção de eletricidade foi: 50% com origem em centrais de ciclo combinado a gás natural, 25% em centrais termoelétricas a carvão e outros 25% em centrais integradas de gasificação e ciclo combinado a carvão. Para a produção de calor considerou-se somente a utilização de gás natural. O estudo levou em consideração a eficiência energética associada a cada tecnologia de conversão e a cada combustível. SRC é o acrónimo inglês para Short Rotation Crops ou culturas com tempo curto de exploração. A Lenha (GN) refere-se a pellets cujo processo de secagem exija o consumo de gás natural.

O estudo conclui que, em média, com o mix energético de combustíveis fósseis apresentado (e respetivas eficiências de conversão), a produção de eletricidade é responsável pela emissão média de 186g de CO2eq./MJ e para a produção de calor, 80gCO2eq.MJ na EU.

Os resultados do estudo estimam, por exemplo, que o uso de resíduos florestais (distância percorrida <500km) permita uma redução de emissões de GEE acima dos 91% para a produção de calor, e uma redução próxima dos 87% para a produção de eletricidade (cf.

Figura 6) quando comparado com o mix energético de combustíveis fósseis selecionado. Isto equivale

a uma redução da emissão de ≈162gCO2eq./MJ para a produção de eletricidade e ≈73gCO2eq./MJ para

a produção de calor.

Para efeitos comparativos apresenta-se na Tabela 3 os níveis de emissões médias equivalentes de CO2

para os diferentes combustíveis fósseis.

Tabela 3 – Emissões médias equivalentes de CO2 associadas à combustão direta de combustíveis fósseis (Adaptado de

website [2]).

Verifica-se que apesar das dúvidas sobre a sustentabilidade que ainda permanecem, a utilização da biomassa como fonte de energia (por substituição do consumo de combustíveis fósseis) continua a permitir poupanças assinaláveis na emissão de GEE. No entanto, esta situação pode alterar-se rapidamente se a procura de biomassa aumentar para níveis muito elevados e não forem acautelados planos de médio/longo prazo em áreas como a gestão de florestas, os fatores de produção ou ainda o peso das externalidades como a fertilização de culturas ou o pré-tratamento e transporte dos biocombustíveis.

Outro dos problemas que se coloca é a gestão das cinzas que são produzidas quando se opta pela combustão para a conversão energética da biomassa. O aumento da sua utilização para combustão leva a um crescimento da produção de cinzas, que se constituem como um resíduo classificado de acordo com a Lista Europeia de Resíduos, D.L. nº209/2004, com o código LER1901. Como tal, os possíveis perigos de toxicidade para o ambiente e saúde pública, bem como o desperdício de material mineral, tornam ainda mais premente a caracterização destes resíduos para que possam ser definidas formas de

Combustível fóssil Emissões médias equivalentes de CO2 g de CO2eq./MJ Propano 60 Butano 62 Diesel 69 Gasolina 68 Carvões (média) 90 Gás Natural 50