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2 DE GUTEMBERG AOS QUADRINHOS ADULTOS

2.5 BLACK KISS

Black Kiss é o quarto quadrinho independente de Howard Chaykin. Chaykin inicia sua carreira como aprendiz de Gil Kane no final da década de 1960, e realiza alguns trabalhos para Marvel e DC a partir das portas abertas pelo seu mentor. Na década de 1970, Chaykin passa a contribuir com Mike Friedrich na revista Star Reach, onde há uma das primeiras aparições de Cody Starbuck, personagem de Chaykin situado em universo futurista com influências de Moebius, e ganhará revista própria anos depois. Star Reach é considerada uma importante publicação na passagem entre as underground comics da década de 1960, e a ascensão das graphic novels nos Estados Unidos ao final da década de 1970. Chaykin contribuiu também para a revista Creepy e Erie, duas revistas de horror em preto e branco publicadas desde a década de 1960 sem o selo de aprovação do Comic Code Authorithy. Em 1975 lança uma história em duas edições nomeada The Scorpion, com protagonista de mesmo nome e notável semelhança com Reuben Flagg, protagonista de American Flagg, provavelmente a história mais famosa de Chaykin. Na década de 1980, em conjunto com outros trabalhos na Marvel e na DC, Chaykin lança, mais precisamente em 1983, American Flagg, pela editora First Comics. American Flagg reúne elementos de ficção científica, aventura pulp, pornografia e violência já apresentados antes, mas dessa vez de forma mais madura, concisa e com um estilo próprio bastante evidente. As narrativas por meio das onomatopeias e telas de televisão apresentando o leitor/a ao contexto da ação que está sendo realizada foram utilizados por Frank Miller três anos depois no consagrado Batman cavaleiro das Trevas. Em 1988, Chaykin publica Black Kiss pela editora independente Vortex em 12 edições mensais. No Brasil, o quadrinho é incialmente lançado como uma minissérie em 4 edições pela editora dos humoristas da Casseta e Planeta, editora Toviassú. Em 2011 a Editora Devir reeditou o quadrinho em uma edição de luxo capa dura com 152 páginas, essa edição ganhou o prêmio HQ MIX 2012 na categoria publicação erótica.

Black Kiss conta a história de Cass Pollack, um músico ex-viciado que, após sua família ser assassinada por um grupo de mafiosos, se vê obrigado a fugir da polícia e dos sicários. Para conseguir se esconder, Cass procura a loura que conhecera de forma inusitada na noite anterior, Bervely Glove. Bev é uma mulher misteriosa que tem uma amiga obcecada por ela, Dagmar

Laine. Dagmar e Bev o ajudam em troca de um favor que o conduz a um submundo de cultos satânicos, prostituição, drogas, corrupção, violência, pornografia de vingança e morte. Howard Chaykin adicionou perversidade, satanismo e tabus sexuais a seu estilo sujo e inovador já anteriormente bem-sucedido em American Flagg (lançado em 1983, nos EUA). Com um clima noir e onomatopeias que conduzem o enredo, Black Kiss é um quadrinho polêmico e transgressor, que chegou a sofrer boicotes e fogueiras públicas. Consagrando o autor como um marginalizado, mesmo nos quadrinhos undergrounds.

O quadrinho lançado no Brasil em 1991 conta uma história de terror e sexo que deixaria os pais de fãs dos quadrinhos da EC Comics ultrajados. Black Kiss é uma história fruto dos quadrinhos underground de Crumb e companhia e das histórias de terror e romances policiais. Essas histórias fizeram frente ao Código de Ética dos quadrinhos lançados no meio da década de 1950 como forma de censurar as histórias que ferissem as morais e os bons costumes. Ao que parece é realmente essa a intenção de Howard Chaykin com Black Kiss. Ao contar a história de uma vampira que ganha mais força com sêmen do que com sangue, o quadrinista americano parece desejar explorar os limites da violência, da representação sexual e da morte nos quadrinhos. Tudo isso desenhado pelo autor em 121 páginas em preto e branco com sombras fortes marcando o clima noir de sexo e violência da história.

Howard Chaykin já havia feito sucesso com American Flagg em 1983, apresentando um anti-herói num futuro distópico e um estilo sujo adicionando onomatopeias às narrativas para além de simples recursos de “sonoplastia”. Estilo esse consagrado por Frank Miller em

Cavaleiro das Trevas. A chamada “Invasão inglesa20”, trouxe (de volta) para o mundo dos

romances gráficos histórias mais longas, o que amadureceu as temáticas das histórias (mesmos as de super-heróis) e seus personagens. Estas histórias assentaram o terreno para o pornô com doses de horror/terror encontrado em Black Kiss. Segundo Tim Pilcher (2008), pesquisador de quadrinhos eróticos, Black Kiss “foi, e continua a ser, um importante quadrinho erótico, pois foi um dos primeiros a passar do subgénero sombrio para o mainstream graças ao seu criador de alto perfil” (PILCHER, 2008, p. 97, tradução nossa21). Graças a Black Kiss, e a ousadia ao

20 Invasão inglesa é um termo utilizado por Dan Mazur e Alexander Danner e se refere a “importação” de

quadrinistas (não necessariamente de origem Bretã) que trabalhavam em publicações inglesas pela DC no começo da década de 1980. Entre os principais artistas convidados pelas editoras estadunidenses estão Alan Moore, Neil Gaiman e Grant Morrison. Segundo os autores, “Pela primeira vez, a própria escrita era vista como força motriz da narrativa em quadrinhos, com ênfase não apenas no enredo, mas no tema coeso” (MAZUR, DANNER, 2014, p. 175).

21 “[…] was, and remains, an important erotic comic as it was one of the first to cross over from the murky subgenre

quebrar tabus, Howard Chaykin levou aos puritanos Estados Unidos, o que, segundo Pilcher (2008), a Europa já conhecia a mais de 20 anos.

No documento Erotismo e morte em Black Kiss (páginas 53-56)