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EROTISMO E TECNOLOGIA

No documento Erotismo e morte em Black Kiss (páginas 65-68)

3 TECNOLOGIA, CULTURA E REPRESENTAÇÃO

3.3 EROTISMO E TECNOLOGIA

A professora Linda Williams (2012), ao citar Raymond Willians, lembra que, como os seres humanos estão inseridos em uma sociedade onde o consumo de simulações dramáticas faz parte intrínseca do padrão cultural, os seres humanos estão mais empenhados no consumo de narrativas do que fazendo outras tarefas. Neste sentido, muitas vezes consome-se mais o sexo representado, explícito da pornografia ou simulados dos filmes tradicionais, do que se pratica. Para a autora:

Os atos sexuais – tanto explícitos, como na pornografia, quanto simulados, como na maior parte dos filmes comerciais e de televisão – não apenas impregnaram os dramas que nós assistimos cada vez mais, mas também se tornaram, para adaptar Williams, significativamente qualitativos do modo como aprendemos e vivemos nossa própria sexualidade (WILLIAMS, 2012, p. 20).

Dominique Maingueneau (2010) e Byung-Chul Han (2017), dentre outros autores, consideram que há uma oposição entre os domínios do pornográfico e erótico. Sendo o erótico o que sugere, e o pornográfico o que mostra explicitamente o sexo. Se para o filósofo francês essa oposição está longe de ser simétrica e auto excludente, segundo o pensador sul-coreano, “o jogo com ambiguidade e ambivalência, com mistério e enigma eleva a tensão erótica, e, assim, a transparência ou a univocidade levaria ao fim do Eros” (HAN, 2017, p. 18). Para Han a demanda por transparência da sociedade atual, elevou o grau de exposição ao nível pornográfico, segundo o autor “uma fruição imediata que não permite qualquer contorno imaginativo ou narrativo é pornográfica” (ibidem). Ora, se considerar-se o conceito foucaultiano, de sexualidade como “uma forma discursiva que entrelaça poder, saber e prazer” (WILLIAMS, 2012, p. 15) há de se problematizar de que forma seria possível uma representação transparente que não permita contorno imaginativo do sexo, já que não há uma sexualidade esperando para ser exposta, mas discursos construídos e construtores de várias sexualidades e modos de se praticar e representar o sexo.

Entende-se aqui a sexualidade menos como uma força da natureza do que como uma tecnologia que circunscreve a disciplina do corpo e controle populacional. Quando falar-se de repressão dos instintos sexuais, dir-se-á sobre uma força animal que precisou ser reprimida para o surgimento do ser humano. E sexualidade como a compensação criada a partir desse instinto reprimido. Partindo-se do princípio que a mente trabalha de forma econômica, o que é reprimido por um lado, deve-se ser compensado por outro. Logo, entende-se a sexualidade como parte do erotismo, erotismo esse desenvolvido a partir das repressões dos instintos de sexo e agressividade humana. Essas questões serão melhor desenvolvidas no capítulo intitulado

“erotismo e morte”. Por ora, é significativo alertar que se discorda da ideia de uma sexualidade natural, cogita-se a hipótese de que na natureza há reprodução sexuada instintual. As tecnologias, as narrativas, os prazeres e os discursos são o que compõem as sexualidades humanas. O erotismo é humano e, também pode ser entendida como “a atividade sexual do homem, o é na medida em que ela difere da dos animais” (BATAILLE, 1987, p. 20).

É preciso ainda problematizar as possibilidades de uma recepção sem contorno imaginativo. Para Williams não é apenas por meio da imitação banal que se recepciona as imagens de sexo. Nesse sentido a autora evoca um conceito pouco conhecido da obra de Walter Benjamin, o conceito de enervação. Resgatados pela historiadora cinematográfica Miriam Hansen (1987), a sensação seria a experiência de sentir um fenômeno recebido, a enervação é o processo de mediação entre o interno e externo (HANSEN citado por WILLIAMS, 2012), o processo contrário da sensação em que se transmite a energia de dentro para o mundo exterior. O sexo reproduzido não apenas excita os corpos daqueles ou daquelas que os consomem, mas, esses mesmos corpos, são habituados e sensibilizados por meio de maneiras novas de socializar- se.

Subestimamos a imaginação se pensamos que ela só pode operar na ausência de, ou apenas com a leve sugestão, representação sexual. Como uma “interface porosa entre o organismo e o mundo”, meu corpo ante a tela não é simplesmente excitado e depois entorpecido, ou entorpecido e depois excitado; ao invés disso, ao longo do tempo e com mais exibições, ele se habitua às qualidades e tipos diversos de experiências sexuais, incluindo aquelas que eu nunca possa ter, mas com as quais eu possa brincar e sentir (WILLIAMS, 2012, p. 41).

O filósofo esloveno Slavoj Žižek (2010) ao apontar sobre a importância da fantasia para os seres humanos aponta que a fantasia não se limita a imaginar algo que queremos quando não temos. Nas palavras de Žižek (2010, p. 61-62):

A primeira coisa a observar acerca da fantasia é que ela nos ensina literalmente como desejar. Fantasiar não significa que quando desejo uma torta de morango e não posso tê-la na realidade eu fantasio que a estou comendo, o problema é antes: para começar, como sei que desejo uma torta de morango? É isso que a fantasia me diz.

Segundo Marcuse (1978), é por meio da fantasia que as mais profundas camadas do inconsciente se ligam aos mais elevados produtos da consciência, segundo o autor, as obras de arte.

À vista disso, a pesquisa se norteará a partir dos princípios de Dascal (2002) e Cassirer (2001) sobre a função da linguagem na constituição do pensamento, em outras palavras, a linguagem como tecnologia cognitiva (DASCAL, 2002). Por outro lado, a partir dos

apontamentos do Professor Álvaro Vieira Pinto (2005) sobre tecnologia, a saber, tecnologia como estudo das técnicas e a ideologização da tecnologia. Entende-se que o modo de vida tecnológico, próprio da modernidade, constitui a natureza em que o ser humano está submetido a viver desde a Revolução Iluminista. Sobretudo a pornografia, que atinge o auge do seu desenvolvimento em conjunto com o momento em que o sexo é encerrado ao espaço privado por volta do século XVII a partir do surgimento da burguesia vitoriana e “(…) faz-se com que coincida com o desenvolvimento do capitalismo” (FOUCAULT, 1988, p. 11). Logo, considerando-se que não há como pensar tecnologia sem considerar a relação do indivíduo com o meio, com a sua cultura e sociedade, serão adotadas também as críticas tanto da fenomenologia, como apontadas por Cupani (2004) quanto à preocupação com a ideologização da técnica sugerida por Pinto (2005). Dessa forma, a pesquisa propõe-se a fazer um breve apanhado do contexto sócio histórico do surgimento dos quadrinhos como uma nova linguagem artística a partir da tecnologia de impressão, e do seu uso erótico, tendo como recorte o contexto estado-unidense.

No documento Erotismo e morte em Black Kiss (páginas 65-68)