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2. AS LEGISLAÇÕES DOS ESTADOS DO BIOMA AMAZÔNICO COM ORIGEM DO DIREITO

2.3. A Bolívia

A Bolívia tem a regulamentação em sua constituição, que recebe o nome de “Constituição Política do Estado Plurinacional da Bolívia”(Bolívia, 2007, tradução nossa)64, na qual há na introdução uma carta assinada por seu chefe de Estado na época, Evo Morales, onde este faz referência às diversidades existentes em território boliviano, incluindo os recursos genéticos nacionais: “Quem se não os povos indígenas pode projetar o rumo destas trocas para a preservação da natureza, para distribuir equitativamente os benefícios dos recursos naturais e dos territórios habitados ancestralmente.” (Bolívia, 2007, tradução nossa)65.

Logo, o acesso aos recursos genéticos, bem como o conhecimento tradicional associado, está regido por lei na constituição boliviana, aparecendo como tema fundamental para o governo em questão e com os povos indígenas aparecendo como gestores e principais atuantes sobre o tema.

5. Promoción de la participación de los integrantes del Sistema y de otros miembros de la sociedad.”

(Venezuela, 2001)

63 “a los organismos competentes por la materia, en la definición de las políticas tendientes a proteger y garantizar los derechos de propiedad intelectual colectiva de los conocimientos tradicionales, tecnologías e innovaciones de los pueblos indígenas y de las comunidades locales.” (Venezuela, 2001).

64 “Constitución Política del Estado de Plurinacional de Bolivia”(Bolívia, 2007).

Ora, a constituição boliviana foi elaborada em 2007 e tem como principal característica se mostrar inteiramente preocupada em respeitar os diferentes povos que vivem em território boliviano, como está em seu título “plurinacional”, ou seja, respeitar as diversas nações que estão exercendo poder e praticando política de distintas maneiras, em diversas áreas do território, inclusive destacando outros modos de vida, como exemplo: “as referências ao buen

vivir aparecem na seção sobre as bases fundamentais do Estado” (GUDYNAS, 2011, pp. 233-

234, tradução nossa66).

Faz-se importante ressaltar que este caráter plurinacional fortalece a questão da sociodiversidade, valorizando a preservação e uso dos costumes e práticas tradicionais.

O texto tem em seu início uma declaração de seu chefe de Estado, Evo Morales Ayma, que comenta sobre a sociodiversidade e o meio ambiente. Esta temática segue de forma central em muitos capítulos da constituição boliviana, como no artigo I: “Bolívia se constitui em um Estado Unitário Social de Direito Plurinacional Comunitário, livre, independente, soberano, democrático, intercultural, descentralizado e com autonomia. Bolívia se funda na pluralidade e no pluralismo político, econômico, jurídico, cultural e linguístico, dentro do processo integrador do país.” (Bolívia, 2007, tradução nossa).67

Considerando a corrida pelo conhecimento para a apropriação dos conhecimentos tradicionais, é interessante notar que a Bolívia se esforça para manter as diferentes culturas e línguas vivas, mas também direciona seu olhar para o desenvolvimento industrial, como está no artigo 9 de sua constituição:

6. Promover e garantir o aproveitamento responsável e planejado dos recursos naturais e impulsionar sua industrialização através do desenvolvimento e do fortalecimento da base produtiva em suas diferentes dimensões e níveis, assim como a conservação do meio ambiente, para o bem estar das gerações atuais e futuras.(Bolívia, 2007, tradução nossa)68

66 “las referencias al buen vivir aparecen en la sección sobre las bases fundamentales del Estado” (GUDYNAS, 2011, pp. 233-234)

67 “Bolivia se constituye en un Estado Unitario Social de Derecho Plurinacional Comunitario, libre, independiente, soberano, democrático, intercultural, descentralizado y con autonomías. Bolivia se funda en la pluralidad y el pluralismo político, económico, jurídico, cultural y lingüístico, dentro del processo integrador del país.” (Bolívia, 2007).

68 “6. Promover y garantizar el aprovechamiento responsable y planificado de los recursos naturales, e impulsar su industrialización, a través del desarrollo y del fortalecimiento de la base productiva en sus diferentes dimensiones y niveles, así como la conservación del medio ambiente, para el bienestar de las generaciones actuales y futuras.”(Bolívia, 2007).

No artigo 24 aparece o coletivo no ordenamento jurídico:

Toda pessoa tem direito ao pedido de maneira individual ou coletiva, seja oral ou escrita, e a obtenção de resposta formal e pronta. Para o exercício deste direito não se exigirá mais requisito que a identificação da parte que realiza o pedido. (Bolívia, 2007, tradução nossa)69

Este fato facilita a disputa por direitos de conhecimentos tradicionais, considerando que estes são geralmente de comunidades tradicionais, ou seja, pertencem a mais de um indivíduo. Outra questão a se destacar é a possibilidade da petição de forma oral, permitindo aos analfabetos conseguirem uma ação pelo que julgam de direito, tal fato abre precedente para o que está previsto na CAN em estimular os povos tradicionais a registrarem suas patentes, afinal, o processo por conhecimento tradicional não requer saber a língua espanhola e sim o domínio e a experiência de diversas gerações sobre propriedades práticas de determinados recursos naturais, no caso especificamente, o recurso genético.

Outro ponto importante da constituição boliviana se desdobra do artigo 30, onde ela discorre sobre os direitos das nações e povos indígenas, ela define o que é povo ou nação indígena: “1. É nação e povo indígena de origem camponesa toda organização social humana que compartilhe identidade cultural, idioma, tradição histórica, instituições, territorialidade e cosmovisão, cuja existência seja anterior à invasão colonial espanhola.(Bolívia, 2007)”70

Esta definição se faz de grande importância, pois, via de regra, são estas nações que carregam consigo grande parte dos conhecimentos sobre o uso dos recursos genéticos e o destaque conferido na constituição pode se transformar em um fator positivo na defesa dos interesses indígenas, como no item 9 do mesmo artigo:

69 “Toda persona tiene derecho a la petición de manera individual o colectiva, sea oral o escrita, y a la obtención de respuesta formal y pronta. Para el ejercicio de este derecho no se exigirá más requisito que la identificación del peticionario.”(Bolívia, 2007).

70 “1. Es nación y pueblo indígena originario campesino toda la colectividad humana que comparta identidad cultural, idioma, tradición histórica, instituciones, territorialidad y cosmovisión, cuya existência es

9. A que seus saberes e conhecimentos tradicionais, sua medicina tradicional, seus idiomas, seus rituais e seus símbolos e vestimentas sejam valorizados, respeitados e promovidos. (Bolívia, 2007, tradução nossa)71

Novamente aparece a proteção de modo forte, mas também o intuito de divulgar e valorizar o conhecimento tradicional. Isto, juntamente com o item 6 do artigo 9, demonstra que, mesmo com diversos resguardos e o alto comprometimento na defesa de seus recursos, a Bolívia prevê a possibilidade de desenvolvimento conjunto de diferentes esferas e atores da sociedade no que compete à biotecnologia. Como aparece também no item 11 do artigo 30: “A propriedade intelectual coletiva de seus saberes, ciências e conhecimentos, assim como a sua valorização, uso, promoção e desenvolvimento” (Bolívia, 2007, tradução nossa)72.

Está na Carta Magna também o aproveitamento dos conhecimentos tradicionais associados no sistema de saúde público: II. O sistema de saúde é único e inclui a medicina tradicional das nações e povos indígenas camponeses” (Bolívia, 2007, tradução nossa).73

E para uso interno a constituição quebra patentes de qualquer natureza: “O direito a acessar os medicamentos não poderá ser restringido pelos direitos de propriedade intelectual e comercialização, e contemplará controles de qualidade e primeira geração” (Bolívia, 2007, tradução nossa)74. Logo, percebe-se que há um grande protecionismo econômico, exceto pelos produtos de extrema necessidade, como medicamentos que o próprio país não produza, em contrapartida, o governo estimula a produção de medicamentos, sobretudo dos povos tradicionais, e não prevê participação de empresas, tratando os medicamentos inventados pelos povos tradicionais com total confiança de que será eficiente, como está no artigo 42:

A promoção da medicina tradicional incorporará o registro de medicamentos naturais e de seus princípios ativos, assim como a proteção de seus conhecimentos como

71 “9. A que sus saberes y conocimientos tradicionales, su medicina tradicional, sus idiomas, sus rituales y sus símbolos y vestimentas sean valorados, respetados y promocionados.”(Bolívia, 2007).

72 “A la propiedad intelectual colectiva de sus saberes, ciências y conocimientos, así como a su valoración, uso, promoción y desarrollo.” (Bolívia, 2007).

73 II. El sistema de salud es único e incluye a la medicina tradicional de las naciones y pueblos indígena originario campesinos”(Bolívia, 2007).

74 “El derecho a acceder a los medicamentos no podrá ser restringido por los derechos de propiedad intelectual y comercialización, y contemplará estándares de calidad y primera generación.”(Bolívia, 2007).

propriedade intelectual, histórica, cultural, e como patrimônio das nações e povos indígenas camponeses. (Bolívia, 2007, tradução nossa).75

A Bolívia, em sua constituição, demonstra um grande esforço em evitar perdas, mas em momento algum cita a possibilidade de trabalho em conjunto com estrangeiros, pessoas jurídicas ou qualquer agente externo ao que consideram ser os povos tradicionais quanto ao aproveitamento da biodiversidade. Fica claro que o foco é a proteção e não o desenvolvimento. Ademais, é possível notar que mesmo sendo um país que tende a se fechar em relação à exploração de seus recursos e ter limitações ao acesso, há fortes influências dos documentos que aparecem no primeiro capítulo, em especial da CDB e da Decisão 391 da CAN, as quais a Bolívia faz parte.